No ano de 1509, D. Leonor de Lencastre, viúva de D. João II, resolvera construir um cenóbio para sua devoção e morada eterna, onde (como pobre) seu corpo fosse sepultado.

Num ambiente de grandes infortúnios vivera esta singular figura de mulher. Em Agosto de 1484 perdera seu irmão, o duque de Viseu, e seu cunhado, o duque de Bragança, que expiaram com a morte o crime de regicidas, o primeiro apunhalado pelo próprio Rei e o segundo degolado em Évora, no cadafalso. Tinham decorrido quase vinte anos sobre a tragédia do Campo do Alfange, nas proximidades de Santarém, em que desastradamente morrera seu filho o Príncipe D. Afonso, casado, havia pouco, na cidade de Évora com grande esplendor. O falecimento do monarca levou D. Leonor a afastar-se da corte, das suas festas, e a procurar contrita o caminho da perfeição, pelo empreendimento mais intenso de obras piedosas e edificantes. Projectou então uma clausura que se tornasse (hum espelho de operações exemplares), onde ela entraria, sem contudo renunciar inteiramente à sua liberdade, ficando deste modo ainda ligada à vida secular, no que esta tem de mais elevado, colaborando ou promovendo activamente com o seu cristianíssimo espírito de franciscana, a fundação de obras de grande alcance social, como já fora em 1498 a criação, em Lisboa, da Misericórdia, e prolongando a sua actividade em iniciativas que, sendo religiosas, se revestiam também de um significado intelectual e artístico tam grande que / 6 / justamente ela é por isso considerada uma das criadoras do grande ciclo áureo do nosso renascimento. Seguindo um novo rumo, ao envolver-se no manto de clarista, a «parceyra» do grande Rei, não se entregou à vida contemplativa, e como a sua antecessora, a rainha Santa Isabel, ela continua a animar com admirável energia espiritual outras almas que, atraídas pela sua c gentileza, tam acabada e perfeita), se congregavam à sua volta.

Delineava a Rainha o seu convento, pensando no local onde ele devia ser construído, quando soube que a uma certa mulher de afamadas virtudes fora dado visionar, naquela ocasião, uma escada, como à de Jacob, por onde ascendiam os anjos e que assentando na terra chegava à esfera do céu... O maravilhoso privilegiava Xabregas com esta aparição, e ali mesmo, no lugar indicado milagrosamente pela vontade de Deus, levantou D. Leonor o seu mosteiro, cuja invocação também a vontade divina lhe designou de misteriosa maneira: apareceram no seu paço, de Santo Elói, dois «moços de singular gentileza e compostura», trazendo consigo uma imagem da Virgem que lhe quiseram vender. A Rainha gostou muito dela, mas achou exagerado o seu preço. Vendo-a hesitante, os tais portadores gentis, confiaram-lha, aguardando o dia imediato para saberem a sua resposta. Mas nunca mais apareceram, e D. Leonor, considerando este facto uma indicação, não vacilou mais na escolha da padroeira, e, ao que parece deduzir-se da tradição seráfica, foi aquela estátua, trazida pelos dois ignorados rapazes e que logo prendera seus olhos exigentes de artista, a escolhida para ser a imagem votiva do mosteiro, a protectora da sua religiosa clausura.

Nesse ano de 1509 D. Leonor adquiriu em Xabregas a casa, a horta e a água que pertenciam à viúva de D. Álvaro da Cunha. Em poucos meses modificou, adaptou o que havia, e construiu de novo, e dentro do mesmo ano inaugurou o seu mosteiro que sete freiras vindas do convento de Jesus, de Setúbal, vieram ocupar, dirigidas por Sóror Colecta, que foi a primeira abadessa.

Neste conjunto arquitectónico, de muito modestas proporções, destacava-se pela simplicidade das suas linhas a igrejinha conventual, aberta solenemente aos devotos em 18 de Julho de 1509, sob a bênção de D. Martinho da Costa, arcebispo de Lisboa.

D. Leonor que, a esse tempo, habitava os Paços de Santo Elói, bastante afastados de Xabregas, fatigando-se com as grandes caminhadas que diariamente tinha de fazer entre os dois lugares, viu-se obrigada a construir junto ao mosteiro outra residência mais modesta. Enquanto duraram as obras alojou-se D. Leonor no próprio convento, em casa sua, que ficou conhecida durante muito tempo pela designação de Casa da Rainha.
 

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