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Fábrica Paula Dias & Filhos, L.da – Aveiro

 

1864 - Fundador João André da Paula Dias - 1953

João André da Paula Dias nasceu em Vilar, pequena povoação do concelho de Aveiro, em 1864.

Como trabalhador rural, cedo começou a sua labuta numa propriedade agrícola pertencente a uma condessa, viúva do conde de Beirós. Esta possuía vastas propriedades, que teve o cuidado de entregar para exploração a um sobrinho, dado que não tinha filhos.

Bem cedo a condessa soube reconhecer as qualidades de trabalho e organização da pessoa a quem entregou a missão de orientar os trabalhos junto dos outros empregados. Veio a verificar que as propriedades de S. Pedro do Sul eram mais uma fonte de despesa do que de valorização. Embora gostasse muito de viver em Aveiro, começou a pensar no retorno às propriedades de Beirós.

A propriedade em Aveiro era vasta, mas estava bem organizada. Nos terrenos mais baixos, a poente, tinham o canal da Fonte Nova; na parte superior, a nascente, a estrada do Senhor dos Aflitos, à época a ligação à Quinta do Gato. A norte, os terrenos confinavam com a Rua Comandante Rocha e Cunha; e a poente, a propriedade onde viria a ser instalada a Cerâmica Jerónimo Campos.

Todos estes terrenos estavam ocupados com plantações de cereais, pomares e vinhas, tudo ao cuidado do João André Paula Dias.

Era a rara a semana em que a condessa não chamasse o João para lhe dar a conhecer as produções que estavam a ser enviadas para Beirós. E, um dia, a conversa foi diferente. Perguntava-lhe a condessa se o João Dias não estaria interessado na compra da propriedade.

Eu estava ainda muito longe de nascer, mas não deixo de imaginar, à distância de tantos anos, qual seria a cara de espanto do meu avô perante esta pergunta. E sei que a senhora Condessa não ficou sem a resposta de João Paulo Dias, que lhe disse que, se tivesse dinheiro, não compraria outro valor que não fosse aquela quinta, nos arredores da cidade de Aveiro.

Vim a saber pelos herdeiros do João Paula Dias que o negócio se desenvolveu rapidamente. Chegaram ao entendimento do valor da propriedade e das casas existentes e, por fim, a senhora condessa apresentou uma proposta: o pagamento seria feito de acordo com as possibilidades mensais do comprador. E o pessoal utilizado nas mais diversas actividades foi mantido, tanto mais que eram todos da zona de Vilar. E o João Dias era para eles um verdadeiro patrão.

Pouco depois, João Paulo Dias deixou-se tentar por uma actividade para a qual não estava habilitado. Um grupo de aveirenses associou-se, com o objectivo de montar uma indústria, e convidaram-no para se lhes juntar. Embora inicialmente hesitante, acabou por aceitar o desafio que lhe era colocado. E nasce uma nova sociedade em Aveiro.

Estamos em 1919. Perto da Fábrica do Côjo, junto do canal com o mesmo nome, surge a EMPRESA DE LOUÇAS E AZULEJOS «E.L.A.», tendo como sócios o Dr. André Reis (notário), Licínio Pinto, Francisco Pereira, João André Paula Dias, o industrial José de Barros (modelador cerâmico), e mais uns tantos negociantes bancários.

Desde o início depararam-se-lhes problemas, causados pelas marés cheias, que de tempos a tempos lhes alargavam os fornos, dado o alto nível freático que os canais da ria atingiam.

Há um texto relativo a esta sociedade que me surpreendeu. Na sua formação, os sócios João Andrade da Paula Dias, Pompeu Nunes da Costa Alvarenga, José Ferreira de Barros e Licínio Pinto da Silva incluíram as respectivas esposas.

A empresa laborou, sempre com grandes dificuldades, até 1931, data em que faliu.

Entretanto, João Paula Dias, agora com os filhos, avançaram para empreendimentos que não se ficaram pela actividade rural. Na propriedade, situada nos arredores da Fábrica Campos, a principal produção agrícola era o milho. Mas o José e o João, filhos de João Paula Dias, descobriram um barreiro com areia branca. Ao canal da Fonte Nova  chegavam barcos carregados de cal. Com os materiais obtidos e a água de um poço, com a ajuda de quatro ou cinco operários e uns moldes de madeira, começaram a fabricar adobes de grande qualidade, que rapidamente encontraram compradores. Ainda hoje se podem encontrar, volvidos quase cem anos, alguns edifícios construídos com este material. Por exemplo, um grande armazém perto da estação dos caminhos de ferro de Aveiro, que por enquanto ainda conserva a identificação em azulejos com a designação SCALABIS, foi levantado com estes tijolos de grande resistência e com elevado grau de impermeabilidade e isolamento térmico. É o mesmo que ainda se encontra em alguns edifícios antigos de Aveiro ainda sobreviventes, por exemplo, nas ruas Castro Matoso e São Sebastião.

Para esta nova indústria, construíram um armazém de madeira, onde efectuavam a reparação das ferramentas utilizadas no fabrico dos adobes. E além da produção dos adobes, deram também início à escavação de argila, que era fornecida a empresas cerâmicas fora de Aveiro.

E, por esta época, surge um imprevisto e ao mesmo tempo uma grande novidade. Por cima de Aveiro surge um hidroavião que se dirigia para São Jacinto. Mas um problema no motor levou a que os pilotos, perante esta emergência, utilizassem os campos de milho do meu avô para aí aterrarem. O aparelho acabou por ir para a sucata e o piloto transportado para S. Jacinto.

E da aterragem de emergência de um hidroavião num campo de milho nasce uma nova fase. O pessoal da base aérea de São Jacinto veio avaliar os problemas sofridos pela aeronave. Fizeram as contas e chegaram à conclusão que o aparelho não merecia a recuperação. E apresentaram uma proposta aos Paula Dias: não pagariam os prejuízos causados no campo de milho, mas, em contrapartida, ficariam com o hidroavião, uma vez que todo o material metálico à base de alumínio poderia ser recuperado para fundição. E nasce a ideia para a nova fase na vida dos Paula Dias.

João André da Paula Dias deslocar-se a Vila Nova de Gaia, para visitar uma fundição e falar com um especialista na arte de fundir metais. Pouco tempo depois, o técnico desloca-se a Aveiro e visita o barracão onde os elementos da firma Paula Dias trabalhavam e explica-lhes como deveriam fabricar um forno para fundir o alumínio. Entretanto, um tio meu inicia a desmontagem do aparelho sinistrado e a transportar as peças para o barracão.

Seguindo as orientações do técnico fundidor, em breve chegavam os materiais para construção do forno: os tijolos refractários, o cadinho para fusão do metal, a chaminé e o carvão de coque. E  temos aqui, em 1926, a génese da futura firma de Fundição Paula Dias.

Entretanto, com frente para a Rua Comandante Rocha e Cunha, é construída a fábrica Paula Dias, L.da, com instalações para fundição, uma nave de serralharia mecânica, serralharia civil, uma serração de madeiras e uma instalação de moinhos para cereais com dois pares de mós. No que viria mais tarde a ser o escritório da firma, foi instalado um gerador de energia.

Em breve conseguem atrair para Aveiro todos os elementos da família Ferreira: primeiro, o velho fundidor, instalado na Pensão Barros; depois um sobrinho, um filho e três netos. Todos se instalaram na cidade dos canais e por cá ganharam raízes, à excepção de um que tirou o curso de música no Conservatório, trabalhando durante o dia na livraria Vieira da Cunha, e mais tarde abalou para Lisboa, onde ainda hoje exerce o cargo de maestro na Gulbenkian. E já que falamos da família Ferreira, acresce dizer que um dos elementos foi um extraordinário carpinteiro de moldes, tirou o Curso de Serralheiro na Escola Industrial e Comercial de Aveiro e foi depois trabalhar para a Câmara Municipal. E falta-nos referir um segundo, que foi torneiro na Paula Dias e depois se mudou para a Frágil. E o terceiro dos três irmãos, que foi viver para Lisboa, onde era taxista e por lá faleceu. Actualmente, em 2024, da família Ferreira continuam em Aveiro a viúva e a filha do que foi torneiro.

Retomemos a história da firma Paula Dias, agora com cerca de 120 operários e cuja actividade irá manter-se por alguns anos, apesar dos imprevistos que vão surgir.

A fundição estava com o forno instalado muito perto da Rua Comandante Rocha e Cunha e trabalhava apenas às sextas-feiras. Uma senhora viúva, que vivia naquela rua na vivenda Lígia, decidiu que a sexta-feira era o dia para ela estender a roupa a secar. E a actividade da fundição interferia com a secagem da roupa, pelo que tentou tudo para dar o golpe de misericórdia. Embora viúva, tinha familiares em Lisboa, que trataram da apresentar uma queixa da senhora na Direcção Geral da Indústria. E em breve chegava a ordem superior para encerramento das instalações de fundição até que mudassem de local.

A secção de fundição da firma esteve encerrada durante cerca de quatro meses. Durante este período de remodelação, a firma teve o apoio de um arquitecto da câmara e também da indústria local, que acorreu a dar uma ajuda na recuperação: a firma dos Irmãos Bóia, a Fundição Azul e a ALBA.

Remodelada a secção de fundição, mantendo embora a fusão a carvão de coque, deixou de incomodar a senhora e quem veio viver posteriormente para a vivenda Lígia, ou seja, o Dr. Barros, que veio a ser o médico de todo o pessoal da firma Paula Dias.

Durante este período, houve um sonho acalentado em vão pelo filho do fundador da firma, José André da Paula Dias, que nunca pôde concretizar-se: fundir aço. As ordens do dr. Oliveira Salazar não podiam ser alteradas. Havia indústrias autorizadas a produzir certos tipos de materiais e outras não. Fabricar aço apenas era permitido à Cometna, à CUF, ao Rossio de Abrantes e Tramagal. Por mais requerimentos que outras fundições fizessem, a resposta era sempre a mesma: – Indústria condicionada.

Mas o meu pai, José André Paula Dias, era difícil de abater.

Chega o ano de 1936 e estala a guerra civil em Espanha. Portugal, então um país neutro, começa a receber refugiados provenientes de Espanha. O meu pai, que era sócio dos Estaleiros Navais de São Jacinto, trava conhecimento e amizade com um refugiado espanhol, que arranjou emprego naqueles estaleiros por ter sido técnico da sala de risco de um estaleiro em Valência. A amizade entre os dois casais, espanhol e português fortifica-se a ponto de se tornarem compadres. Nasce o segundo filho de José Paula Dias e é a filha do casal espanhol a madrinha do meu irmão. Passam os anos a e acaba a guerra civil em Espanha. O senhor Ibanez regressa com a mulher e a filha a Valência. Mas a amizade permanece.

Algum tempo depois, o meu pai vai visitar os amigos a Espanha. O senhor Ibanez retomara o trabalho nos estaleiros valencianos, que possuíam uma fundição. E foi para ela que o amigo reencaminhou o meu pai. Durante a visita com um técnico espanhol, o meu pai depara-se com um forno eléctrico de fundição de fabrico italiano, que utilizava como sucata os restos de chapa de aço do estaleiro.

De regresso a Portugal, o meu pai vê o sonho reavivar-se. Em Portugal as fundições só trabalhavam com sucata de ferro fundido, que era cara, ao contrário da sucata de aço, que era barata. Tratou de se mexer e conseguiu uma licença para montar um forno igual ao vira em Espanha, mas com a condição de não ter autorização para fabricar aço. E esta condição nem seria necessária, tanto mais que o forno era de baixa frequência, facto que José Paula Dias desconhecia, pelo que nunca poderia fabricar aço. E a partir desta altura, terminou a fusão com fornos de carvão, passando a firma a trabalhar com forno eléctrico em fusão permanente, com uma capacidade de uma tonelada de fundição de ferro por dia. Isto não correspondia exactamente ao sonho do meu pai, mas na altura a energia não era cara e o novo forno permitia fundir não só a sucata produzida pela empresa como também a muita que havia no mercado.

Em 1960, utilizando o expediente de que a capacidade do forno era pouca, a firma Paula Dias conseguiu autorização para instalação de um segundo forno eléctrico, de origem espanhola, que era de média frequência e 2 toneladas de produção.

Instalado um segundo forno, ao fim de poucos anos o sonho de José Paula Dias viria a concretizar-se e a firma começaria a fabricar aço, embora nas facturas dos clientes tivesse de ser mencionado «ferro fundido especial».

Em 1969, um novo forno de indução, de média frequência de 500 kgs, começou a fundir aço de ligas especiais, nomeadamente aço inoxidável.

Uma troca de terrenos com a Câmara Municipal de Aveiro levou à criação de novas instalações na zona industrial da Taboeira. E chegou a altura do grande erro, que levaria ao fim, porque tudo começou a correr mal à nova direcção da Firma Paula Dias & Filhos.

Para as novas instalações, foram adquiridos dois fornos eléctricos italianos. O fornecedor veio instalá-los, fez o arranque e tudo correu bem, regressando os técnicos a Itália. No dia seguinte, os fornos não funcionavam. Voltaram outra vez os técnicos de Itália, passaram uma tarde às voltas da electrónica e os fornos voltaram a arrancar. Com os técnicos regressados ao seu país, os fornos não trabalhavam. Como explicar isto? Os fornos tinham uma instalação electrónica evoluída e os dois electricistas da fábrica nada percebiam de electrónica.

Foi um técnico português para Itália acompanhar a montagem de um forno e por lá permaneceu por duas semanas. Quando regressou, conseguiu pôr os fornos a trabalhar, mas era tarde e o fim da firma estava traçado. As dívidas acumularam-se entretanto, devido sobretudo ao elevado custo da energia eléctrica e a EDP cortou o fornecimento, impedindo o trabalho dos fornos. E foi o princípio do fim da firma Paula Dias & Filhos, L.da.

Aveiro, 4 de Julho de 2024

Manuel de Oliveira Paula Dias

Acerca desta empresa, consulte-se também o que nos diz João Evangelista de Campos, nas «Achegas para a Historiografia de Aveiro», no capítulo relativo às fábricas de cerâmica e outras em Aveiro. –> ███

 

Colaboração

Fátima Bóia

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25-07-2024