Quando fui surpreendido pelo convite para
escrever o prefácio deste livro, tive a certeza de que a Amizade, não
conhece fronteiras nem barreiras, aproxima-nos na verdade dos gestos
genuínos, que dispensam palavras.
Imbuído de curiosidade, grato pela
confiança, mergulhei na leitura e deixei-me transportar pelo testemunho,
sentido e profundo, por vezes nostálgico, irrefutavelmente lúcido, de um
Homem grande, de sentimento humilde, cujas experiências e vivências nos
convidam a "viajar pela História do nosso país e atravessar "os mares"
para outras margens mais longínquas" – Timor - , a terra do sol
nascente, para onde o autor fora destacado para uma missão militar em
1966 (e onde permaneceu durante três anos). Foi assim, por mero acaso
(ou talvez não), que nasceu a sua relação fraterna e duradoura com
aquele país e com o povo Maubere. Desse tempo ressoam felizes as
memórias longínquas daquela terra distante que o acolheu e daquele povo
que adoptou como irmão, ao ponto de afirmar com convicção "Fui Timorense
de coração e alma".
À medida que fui avançando na leitura
empenhada do livro, fui sendo surpreendido pelo testemunho apaixonante
de um ser humano profundamente conhecedor e orgulhoso do seu país, com
um percurso de vida notável, com um sentimento de genuína empatia pelo
outro, com uma paixão fraterna pela terra e pelo povo Maubere, mas, ao
mesmo tempo com um discernimento, uma lucidez e um apurado sentido
crítico, que perpassa através das palavras, oscilando entre um misto de
orgulho
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nacionalista, nostalgia de um passado onde foi feliz, crença no ressente
e esperança no futuro. Estamos perante um livro que é, simultaneamente,
o relato de um homem que se cumpre em todas as dimensões da sua vida e
que se sente chamado a prestar uma sentida e genuína homenagem a dois
países e a dois povos cujos destinos se cruzam, na expressão da
portugalidade, que encontra tradução directa na cultura e na Língua, a
mesma que Fernando Pessoa sente profundamente e afirma ser a sua (a
nossa) Pátria.
Neste livro, que nos convida a descobrir um
pouco mais sobre as nossas origens e a nossa história comum, o autor
coloca-nos frente a frente com a nossa essência, convoca a nossa
consciência colectiva enquanto Nação de navegadores corajosos e
destemidos, guiados pelo sonho transatlântico, que encontra eco
repercutido na missão de "Dar novos mundos ao Mundo", "Abrir caminho,
reduzir distâncias, aproximar irmãos desconhecidos". E aquilo que
imaginávamos ser o simples testemunho de um homem que relata as suas
vivências durante a sua permanência numa missão em Timor, rapidamente
ganha traços de "epopeia", sendo perceptível a expressão de homenagem a
um Povo irreverente e indomável, cuja história e destino se cumpre na
relação ancestral com o Mar, que abre caminho às Descobertas, sem, no
entanto, olvidar a referência simbólica aos Velhos do Restelo,
descrentes, que habitam e atravessam a nossa História, como parte
inolvidável, latente e natural do nosso carácter e do nosso Fado,
habitado por um certo pessimismo. Realço, por outro lado, a
intertextualidade e as múltiplas referências e citações a figuras e
autores conceituados da Literatura, cujos pensamentos se harmonizam com
o pensamento do autor, fazendo com que o texto e a mensagem ganhem ainda
mais força e sentido aos olhos do leitor.
E é assim, através de uma narrativa que
conta as vivências e a história pessoal do autor, que surge,
inicialmente despojado da intencionalidade
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o ser, este livro, com contornos de narrativa transversal a vários temas
e épocas. Para além do sentimento individual que está patente na relação
fraternal do autor com Timor e do povo que conquistou o seu coração, o
livro foca os portugueses e a sua idiossincrasia ao longo dos tempos, e,
por força dessa expressão da nacionalidade, que se perpetua na história
de um povo, agiganta-se perante as circunstâncias que lhe deram origem e
ganha a dimensão do intemporal.
Francisco Veiga
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Coimbra
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