De Portugal a Timor, 2.ª Ed., Coimbra, 2024, pp. 13-15

Prefácio à 2.ª edição

Quando fui surpreendido pelo convite para escrever o prefácio deste livro, tive a certeza de que a Amizade, não conhece fronteiras nem barreiras, aproxima-nos na verdade dos gestos genuínos, que dispensam palavras.

Imbuído de curiosidade, grato pela confiança, mergulhei na leitura e deixei-me transportar pelo testemunho, sentido e profundo, por vezes nostálgico, irrefutavelmente lúcido, de um Homem grande, de sentimento humilde, cujas experiências e vivências nos convidam a "viajar pela História do nosso país e atravessar "os mares" para outras margens mais longínquas" – Timor - , a terra do sol nascente, para onde o autor fora destacado para uma missão militar em 1966 (e onde permaneceu durante três anos). Foi assim, por mero acaso (ou talvez não), que nasceu a sua relação fraterna e duradoura com aquele país e com o povo Maubere. Desse tempo ressoam felizes as memórias longínquas daquela terra distante que o acolheu e daquele povo que adoptou como irmão, ao ponto de afirmar com convicção "Fui Timorense de coração e alma".

À medida que fui avançando na leitura empenhada do livro, fui sendo surpreendido pelo testemunho apaixonante de um ser humano profundamente conhecedor e orgulhoso do seu país, com um percurso de vida notável, com um sentimento de genuína empatia pelo outro, com uma paixão fraterna pela terra e pelo povo Maubere, mas, ao mesmo tempo com um discernimento, uma lucidez e um apurado sentido crítico, que perpassa através das palavras, oscilando entre um misto de orgulho / 14 / nacionalista, nostalgia de um passado onde foi feliz, crença no ressente e esperança no futuro. Estamos perante um livro que é, simultaneamente, o relato de um homem que se cumpre em todas as dimensões da sua vida e que se sente chamado a prestar uma sentida e genuína homenagem a dois países e a dois povos cujos destinos se cruzam, na expressão da portugalidade, que encontra tradução directa na cultura e na Língua, a mesma que Fernando Pessoa sente profundamente e afirma ser a sua (a nossa) Pátria.

Neste livro, que nos convida a descobrir um pouco mais sobre as nossas origens e a nossa história comum, o autor coloca-nos frente a frente com a nossa essência, convoca a nossa consciência colectiva enquanto Nação de navegadores corajosos e destemidos, guiados pelo sonho transatlântico, que encontra eco repercutido na missão de "Dar novos mundos ao Mundo", "Abrir caminho, reduzir distâncias, aproximar irmãos desconhecidos". E aquilo que imaginávamos ser o simples testemunho de um homem que relata as suas vivências durante a sua permanência numa missão em Timor, rapidamente ganha traços de "epopeia", sendo perceptível a expressão de homenagem a um Povo irreverente e indomável, cuja história e destino se cumpre na relação ancestral com o Mar, que abre caminho às Descobertas, sem, no entanto, olvidar a referência simbólica aos Velhos do Restelo, descrentes, que habitam e atravessam a nossa História, como parte inolvidável, latente e natural do nosso carácter e do nosso Fado, habitado por um certo pessimismo. Realço, por outro lado, a intertextualidade e as múltiplas referências e citações a figuras e autores conceituados da Literatura, cujos pensamentos se harmonizam com o pensamento do autor, fazendo com que o texto e a mensagem ganhem ainda mais força e sentido aos olhos do leitor.

E é assim, através de uma narrativa que conta as vivências e a história pessoal do autor, que surge, inicialmente despojado da intencionalidade / 15 / de o ser, este livro, com contornos de narrativa transversal a vários temas e épocas. Para além do sentimento individual que está patente na relação fraternal do autor com Timor e do povo que conquistou o seu coração, o livro foca os portugueses e a sua idiossincrasia ao longo dos tempos, e, por força dessa expressão da nacionalidade, que se perpetua na história de um povo, agiganta-se perante as circunstâncias que lhe deram origem e ganha a dimensão do intemporal.

Francisco Veiga
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Coimbra