Acerca desta publicação
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Quando o livro Achegas para a Historiografia Aveirense
me chegou às mãos, foi para mim uma verdadeira surpresa. Desconhecia a
sua existência!
Ao ver a data em que foi publicada a recolha destas
achegas, surgidas anteriormente no jornal “Litoral”, mais
surpreendido fiquei, ao ler o prefácio escrito por um antigo vizinho e
companheiro de café. E perguntei-me: – Como foi possível que, nas muitas
conversas que tive com um companheiro de conversas no café,
frequentemente na companhia de outro amigo comum, o amigo Gaspar Albino,
nunca tivéssemos falado desta publicação?
Mas mais interessante são as voltas que o mundo dá e a
maneira que o Destino encontrou para me fazer chegar esta relíquia de um
tempo passado, «espevitador» de memórias comuns, há muito esquecidas e
cobertas de poeira num adormecido neurónio.
Se acham que estou a exagerar, vejamos as artes pelo
Destino encontradas para me fazer chegar as «Achegas» e ajudar a
redescobrir um passado quase comum. Não inteiramente comum, mas quase,
dada a diferença de idades entre mim e o autor. Mas diferença não tão
grande, porque muitas das memórias registadas fizeram também parte do
meu passado em Aveiro. E algumas não apenas relativas à nossa cidade,
mas também comuns a todo o País, se nos lembrarmos, por exemplo, do
capítulo «Esterqueiros» e de como era a vida num passado já distante, na
primeira metade do século XX.
Nos começos de 2024, um amigo e colaborador do espaço
«Aveiro e Cultura», o colega Énio Semedo, começou a trazer-me
fotografias antigas por ele adquiridas em alfarrabistas. Eram
fotografias aéreas de Aveiro; eram fotografias aéreas da Barra e de
Ílhavo; eram fotografias aéreas das praias mais a norte, chegando a
Espinho, ao Porto e à Foz do Douro, passando pela Torreira e pela
Murtosa. Algumas em formato 18x24 cm, traziam atrás o carimbo «SERVIÇO
FOTOGRÁFICO DO CENTRO DE AVIAÇÃO NAVAL DE AVEIRO», os dados relativos à
máquina fotográfica, aos pilotos que obtiveram as imagens e à data; e um
segundo carimbo dizendo «ESTADO NAVAL».
Uma das primeiras fotos tratadas e colocadas na Internet
diz respeito à Fábrica Jerónimo Pereira Campos. Mostra-nos uma fábrica
em plena laboração rodeada de campos, por onde hoje se estende a cidade.
Mostra também outra fábrica igualmente desaparecida, que descobrimos ser
a «Cerâmica do Vouga».
Esta primeira imagem fez-me lembrar que possuía no meu
arquivo imagens, também em formato 18x24, relativas à «Cerâmica do
Vouga». E nasceu a ideia de criar uma nova rubrica respeitante às
fábricas hoje desaparecidas ou, pelo menos, afastadas do centro da
cidade.
Uma vez disponibilizadas as imagens na Net, uma colega e
também colaboradora, a Dr.ª Fátima Bóia, lembrou-me que «o falecido
marido, o Eng.º Manuel Bóia, fora o continuador de uma importante
fábrica siderúrgica de Aveiro, à entrada sul da cidade, a firma Bóia &
Irmão.» E, se eu quisesse, «podia arranjar-me fotografias e
informação acerca da fábrica actualmente abatida, junto ao Canal do
Paraíso, perto da saída de Aveiro em direcção às praias.»
Na terça-feira seguinte, à hora a que habitualmente nos
reunimos no gabinete do segundo andar da Secundária José Estêvão,
surgia-me a colega Fátima Bóia com uma colecção de fotografias no
formato 18x24 e umas tiras de papel com os recortes das «Achegas» 70 a
73, publicadas no jornal “Litoral”, onde se falava da «Introdução da
serralharia mecânica» em Aveiro e, da Achega 74, intitulada «Os
guinchos fornecidos por Bóia & Irmão».
A qualidade do material e, sobretudo, o estado de
conservação não eram o ideal para obter, mediante digitalização e OCR
(Reconhecimento Óptico dos Caracteres), os textos para enriquecer os
documentos fotográficos a incluir na nova rubrica acerca da antiga
indústria de Aveiro. A colega Fátima Bóia não se conformou com estas
minhas conclusões, após breve leitura e análise do conteúdo, que eu
considerei do maior interesse. Na semana seguinte surgiu-me com um
exemplar do livro editado em 1988 pela Câmara Municipal de Aveiro,
Achegas para a Historiografia Aveirense, emprestado por um antigo
funcionário da firma Bóia & Irmão.
– E como se chama o senhor que fez o favor de nos
emprestar este exemplar adquirido por 14 euros num alfarrabista de
Aveiro? – perguntei à minha colega.
– O nome dele não sei, mas esteja descansado que lhe
fornecerei aquilo que pretende. E se quiser colocar também o livro nas
«Memórias de Aveiro», procurarei obter a autorização dos descendentes do
autor. E tenho até a certeza que eles não se oporão e ficarão
satisfeitos por saberem que a memória do familiar irá ser preservada no
espaço «Aveiro e Cultura.»
Dias depois, no dia 18 de Maio deste ano (2024), recebo
por e-mail as informações pretendidas relativas ao dono do livro, que
transcrevo tal como recebi:
«Já tenho o nome. Estava para
lho enviar amanhã. Mando já agora, apesar da hora. Chama-se Silvério
Marques de Bastos. Foi Chefe da Carpintaria da Empresa Bóia & Irmão,
Lda. Está aposentado há vários anos, visto que entrou para a fábrica com
14 anos, em 1948, antes do falecimento do meu sogro, Manuel Maria
Pereira Bóia.
Quanto à família do Sr. João Evangelista, a quem pedi
permissão para ser divulgado o livro no “Aveiro e Cultura”, é sua neta e
chama-se Maria do Cardal Gadim.
Já li o texto corrigido sobre a empresa, o Pai, o Manel e
o irmão António, e, mais uma vez, só tenho que lhe agradecer tanto
trabalho e esforço dispendidos.
E sim, apesar de já conhecer essa informação dos artigos
do LITORAL,
…»
A mensagem recebida continua para além das reticências;
mais um parágrafo de âmbito familiar, revelador da satisfação pela
preservação destas memórias, que seria incorrecto aqui divulgar.
Antes de falarmos acerca desta versão digital das
«Achegas», não podemos deixar de referir a minuciosa trabalheira do
amigo
Rui
Jorge Pinto Teixeira, que se deu ao trabalho não só de rever todo o texto
do livro, como também de o cotejar, isto é, comparar com as versões
surgidas durante um largo período de tempo no jornal aveirense
“Litoral”. E foi graças a essas verificações que conseguimos eliminar da
versão digital um razoável número de imprecisões da versão impressa em
1988, que, para mal dos leitores, não deve ter tido quem fizesse uma
revisão cuidadosa das provas tipográficas antes do livro ser impresso.
Para não pensarem que estamos a exagerar e também para não ocupar
demasiado tempo, apresentamos apenas uma das muitas incorrecções
eliminadas. Se fôssemos indicá-las todas, correríamos o risco de vos
ocupar demasiado tempo. Fiquemo-nos pela troca dos nomes. Na «Achega 95»
(pp. 214-217) intitulada «Mulheres polícias», estas, a certa altura,
aparecem com a indicação de «Polícias de Trânsito», quando na revista
«Ao Cantar do Galo» se trata de um «Corpo das Polícias de Turismo»,
correctamente referidas na edição efectuada no jornal “Litoral”. Outro
caso é o de José Fiúza, que aparece rebaptizado como José Fluza.
Na permuta de mensagens com o rigoroso revisor de provas,
a certa altura disse-lhe que este livro era um excelente espevitador
de memórias, por me ter feito recuar à minha infância na cidade de
Aveiro. E a minha suposição foi confirmada por Rui Teixeira, que
permutou as minhas com as dele, memórias que não resisto a parcialmente
transcrever, dado que constituem uma espécie de complemento de tudo
quanto João Evangelista de Campos nos legou.
«Um testemunho muito interessante! (Referindo-se
R. T. às memórias que lhe transmiti, suscitadas pela leitura do livro)
Eu recordo (de miúdo) alguns lugares, da "mina" à "ilha
do Canastro". Em grupo, principalmente nas férias, andávamos por todo o
lado. Na mina tivemos medo e arranjámos desculpas para terminar a
"viagem de exploração". Era um morro, mas tinha uma fachada com alguns
ornamentos e uma entrada pequena. Nem sei se estivemos mesmo no suposto
local, acho que sim. Na tal "ilha" em Sá demorámos pouco tempo. Era um
espaço confinado, um caminho ou pequena rua com casitas baixas e os
miúdos de lá estavam com ar de poucos amigos, desconfiados. Foi entrar e
sair, pelo único acesso. De resto, recordo o Poço de Santiago, o
"Barreiro" que ficava nas traseiras da Fábrica Campos, etc. Também
andávamos sempre em cima dos barcos e lanchas estacionados no Canal de
São Roque e também naqueles caminhos labirínticos nas salinas, do outro
lado. Gostávamos de ir à lota atravessando a ponte dos Carcavelos e
seguindo junto à ria. O perigo era encontrar os "Moles", os "nativos" do
lado de lá da ria. Viviam nuns casebres de madeira, tinham umas cabras,
acho que também pescavam. Nunca soube qual o enquadramento
"antropológico" daquela gente. Os miúdos tinham um ar sujito,
acastanhado e sisudo. Alguns também andavam lá na escola primária da
Vera-Cruz, no "adro". Mas eram uns "malfeitores" que roubavam a bola,
ameaçavam e até cuspiam. O pior era um tal "Manel dos Moles" que furava
os pneus das nossas bicicletas! Fugia da escola e nem as professoras o
conseguiam agarrar. Acho que fiquei traumatizado!»
E a mensagem que recebi em troca das minhas memórias
termina com uma informação que revela o rigor de J. Evangelista de
Campos: «Quanto ao Temporal devastador de 16 de Janeiro de 1922, o
nosso autor (na achega "Fontes de energia...") estava certíssimo!
Verifiquei no "Campeão das Províncias" (anexo, v. pp. 2-3).»
Já dissemos bastante, mas falta-nos, para conclusão,
referir as alterações desta versão digital relativamente ao original das
«Achegas para a Historiografia Aveirense».
Além da interactividade, esta versão apresenta dois
índices inexistentes na versão impressa: Índice Alfabético de
Conteúdos e Índice Onomástico. Creio que todos saberão o
que isto significa.
Outra grande diferença é a inclusão de imagens
relacionadas com os conteúdos. Na compilação das «Achegas» de 1988, além
da fotografia de João Evangelista de Campos, nada mais existe. Na versão
digital procurámos completar as informações escritas com imagens da
época, existentes no espaço «Aveiro e Cultura», atendendo a que, por
exemplo, o espólio fotográfico de Lívio Salgueiro, um quase
contemporâneo dele, dizem respeito à mesma época.
Talvez a
maior diferença em relação ao original seja a reorganização por nós
introduzida e que deveria
ter sido feita na altura da compilação de todas as «Achegas». São
103, que foram recolhidas do jornal aveirense "Litoral". A primeira
deveria naturalmente ter sido registada com o número 1. Foi publicada em 2 de Julho de
1976. Tem por título a «Mina», e é considerada na versão impressa como a
«Achega» 0. Ou seja, não terá sido considerada como uma achega
histórica, mas simplesmente como um artigo de memória histórica de um
passado aveirense. Isto o que nós deduzimos, fazendo fé no que nos diz Girão
Pereira no prefácio. Aliás, na achega acerca das fábricas de cerâmica,
no dizer do próprio autor, esta nossa suposição confirma-se, porque ele
próprio nos diz que foi o primeiro artigo acerca da "Mina" que deu lugar
à série de «achegas». E «vários meses decorridos, João Evangelista de
Campos iniciaria com periodicidade regular os seus agradáveis escritos,
no referido semanário», sob a designação de «Achegas para
Historiografia Aveirense». E se a regularidade nunca falhou,
estendeu-se esta colaboração por 102 semanas, ou seja, até 1977 ou 1978.
Todavia, se consultarem a cronologia, verificarão que estes nossos
cálculos acabam por falhar, porque a última colaboração de João
Evangelista ocorre em Maio de 1985. Mas abstraindo desta avaliação
cronológica, o que temos na versão impressa é não um total de 102, mas de 103 capítulos.
E na actual reconversão (alguns
temas, pela sua extensão, foram repartidos na versão semanal por mais do
que uma achega) uma redução para 53. Igualmente eliminámos
as incorrecções informativas, das quais o autor foi devidamente
informado e por ele devidamente corrigidas na achega seguinte. Para que possamos saber a
correspondência entre os actuais capítulos e o número de «Achegas» que
cada tema ocupou, registamos no extremo esquerdo da barra de navegação
horizontal, em caracteres mais encorpados, os respectivos números. No
lado direito, na mesma barra de navegação, a correspondência com as
páginas da compilação efectuada pela Câmara Municipal de Aveiro em 1988.
No «Índice Geral», a seguir a cada tema, temos a indicação das páginas
correspondentes do livro.
Nos restantes aspectos, esta versão digital é idêntica ao que temos
vindo a fazer com outras publicações. O leitor pode escolher o capítulo
que lhe interesse e ir directamente para ele ou folhear a publicação,
tal como se da versão impressa se tratasse. Para isso apenas terá de
utilizar os botões de navegação colocados no final de cada página. O
cabeçalho funciona sempre como botão de retrocesso para a hierarquia
superior. E as imagens são interactivas. Clicando-se nelas, ter-se-á
acesso à imagem ampliada ou a outras informações.
Resta-nos desejar que esta trabalheira de várias semanas
possa também ajudar-vos a espevitar as memórias ou, relativamente
aos mais novos, a ficar com uma ideia de como era a vida no passado
aveirense.
Aveiro, 11 de Junho de 2024
Henrique J. C. de Oliveira |