Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

A Mina

O artigo «A MINA», publicado no Litoral n.º 1112, de 4 de Junho findo, sugeriu-me o seguinte:

– Ignoro que qualquer tradição afirme – e, se tal tradição existe, é evidente que ninguém aceita que os mouros andassem por aqui... antes do dilúvio. O autor do artigo colocou, cautamente, esta afirmação entre aspas, nitidamente responsabilizando a lenda pelo disparate – e nas lendas, todos o sabemos, os disparates são comuns; a não ser assim, seria caso para perguntar se, antes do dilúvio, haveria mouros por aqui – ou por outras paragens.

– A história da senhora parteira, no mesmo artigo referida, parece-me inverosímil: não era possível que alguém que vivesse em Aveiro de então (que não seria de área muito extensa) fosse levado a um local desconhecido e sem saber por onde tinha andado.

– Nunca ouvi falar de outra mina que não seja aquela situada nas Agras do Norte, sendo certo que, quanto a esta, havia, com efeito, lendas e historietas, que, alguns, alimentavam, como aconteceu com o sapateiro conhecido por «Besugo», que morava na Rua do Gravito e era emérito em pregar partidas, o qual propalou – e muito boa gente acreditou – que, dentro da mina, vivia um urso e que, para o ver, era necessário levar comida à boca da mina, para o atrair…

O urso – segundo propalou o «Besugo» – só à noitinha (e não sempre) se chegava à boca da mina e era possível, então, ver-lhe uma pata ou o rabo, conforme a sua posição.

E houve muita gente – mesmo muita – que acreditou na balela; e, durante muitos dias, fez-se corrupio para a mina com comida que o «Besugo» (que, cedo, se ia meter na mina) recolhia e ia levar para casa logo que, de lá, se podia raspar, a coberto da noite.

Um dia, porém, foi descoberto – e lá se foi por água abaixo a história do urso e, assim, a comida do «Besugo».

Também, para a mina, eram encaminhados os espertos, a fim de, à meia-noite, e nos esteiros daquele local, apanharem gambozinos, com um saco… sendo assoreados quando, fartos de gritar... pelos gambozinos, verificavam terem sido intrujados…

E, para fins bem diferentes, as miroas – quando tinham de esperar que as bateiras trouxessem o peixe de que necessitavam para o seu negócio – por lá estagiavam… / 10 /

O resultado das investigações feitas pelo autor do artigo, na galeria da mina, corresponde ao conhecimento que eu tinha a tal respeito, pois que, nos meus tempos de rapaz, um grupo de jovens também tentou descobrir a entrada da mina que – era voz corrente – se situava em Esgueira no local onde, hoje, se situa a paragem dos autocarros.

Então, as dificuldades foram maiores, porque a viagem tinha de ser feita à luz de velas que, de vez em quando, eram apagadas pelos morcegos, e em todo o comprimento aproveitável, o que exigia um maior número de aventureiros.

Verificou-se, tal como agora, que a galeria, a certa altura, estava entaipada.

– Aceito, perfeitamente, que a mina se destinava a recolher a água transportada por aquela, e, possivelmente, outras galerias de menor dimensão, a fim de regar a quinta de que a referida mina devia fazer parte. A existência do tanque dá-nos essa convicção.

– Quanto às galerias, encontradas nas Ruas do Dr. Alberto Souto e do Engenheiro Oudinot e, também, aquela que o autor do artigo diz saber que existe por baixo da estátua do Dr. Alberto Souto, suponho que não há mistério e segredo algum.

Sabe-se que Aveiro, devido à constituição geológica do seu subsolo era, e é, escassa em água ao nível normal; tanto assim que, para o seu abastecimento, foi necessário ir captá-la ao Vale das Maias por não ser possível, com os recursos técnicos então existentes, obtê-la mais próximo.

Os conventos, com o seu grande consumo de água, tiveram necessidade de assegurar o abastecimento privativo; e, assim, devem ter feito as suas pesquisas e explorações naquele sentido.

Estou convencido de que, para o Convento de Jesus, a água vinha da mesma nascente que alimenta a fonte de S. Tomás de Aquino, que se situa nos terrenos que, hoje, pertencem às Fábricas Campos, Filhos, pois que, antes da construção do Bairro do Dr. Álvaro Sampaio, se via uma grande parte de uma conduta, coberta com lajes de pedra, que seguia a direcção acima indicada e se dirigia àquele Convento. E até o falecido Abílio Campos (que foi o último carpinteiro do Convento) me falou, algumas vezes, de tal conduta.

Mas, sobre a água, em Aveiro, não vale a pena falar mais, pois, há muito tempo, uns jovens estudiosos publicaram, em "O Litoral", um estudo sobre o assunto.

Quanto aos tijolos partidos, no sentido do comprimento, não oferece dúvida a razão de ser de tal facto, pois, com o tijolo de 0,10 de largura (não o havia doutras medidas), não se podiam fazer condutas com o diâmetro de 0,20.

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