boletim cultural e recreativo da tertúlia joão sarabando


No Centenário de João da Silva Correia
 

João da Silva Correia nasceu em S. João da Madeira, no lugar das Vendas, no dia 7 de Novembro de 1896. E aí viria a falecer em 17 de Maio de 1973, dia em que, no dizer feliz do seu biógrafo e conterrâneo Dr. Renato Figueiredo, "não foi só esta terra que se vestiu de negro; ficaram também de luto as letras nacionais".

Razões não escasseiam a S. João da Madeira para se poder muito legitimamente orgulhar deste seu tão ilustre filho, que, ainda na opinião do Dr. Renato Figueiredo, "um homem simples, modesto, sincero, leal, generoso, solidário com todos os infelizes, receptivo a todas as dores, íntegro, vertical; foi um homem simples: gostava de rosas e de melros, adorava a suavidade do verde, a música de Schubert".

De resto, e numa atitude que só nobilita quem a pensa, a promove e a decide, a figura aureolada de João da Silva Correia patroniza desde há tempos um dos estabelecimentos do ensino secundário sedeado na jovem e progressiva cidade.

Todavia — e sem que isto possa de qualquer modo constituir o mínimo propósito de "apropriamento" de tão venerada figura — acontece que João da Silva Correia estudou em Oliveira de Azeméis, no velho Colégio da Farrapa, do Padre Serôdio; viveu grande parte da vida primeiramente em Cucujães, depois em Santiago de Riba Ul, e aqui escreveu muita da sua obra; no verdor dos promissores dezassete ou dezoito anos assinou os primeiros escritos na extinta e saudosa "Opinião", e, já escritor feito, honrou repetidas vezes as colunas do "Correio de Azeméis", o que me permitiu saudosos e inesquecíveis momentos de convívio, ainda que num diálogo para mim por vezes doloroso, face aos estragos que a maldita doença de Parkinson lhe provocara na dicção: incomodava-me profundamente o penoso esforço que o pressentia fazer para se tornar mais perceptível, isto quando não dispunha da presença de sua filha, dedicada companheira e exímia intérprete.

Assim, também não me escasseiam razões para evocar aqui a figura de João da Silva Correia na celebração do seu primeiro centenário.

Pude já ler todas as suas obras: "Farândola", "Porta Aberta", "Unhas Negras","Os Outros" e "Um Minuto de Silêncio", foi um modelador primoroso da nossa língua. A ele se referiram vultos grandes do luso idioma.

"Unhas Negras", para muitos a obra-prima, retrata a odisseia dos operários chapeleiros seus conterrâneos.

Em modestíssima homenagem à memória deste cidadão impoluto, permito-me a transcrever um breve excerto do prefácio da magistral obra, escrito na casa de Caravelos em Outubro de 1953:

«Quem vir apenas em S. João da Madeira um burgo progressivo levantado dia-a-dia, mercê da tenacidade e do esforço, quem vir apenas, no sanjoanense nato, uma pessoa geralmente empreendedora, honrada e hospitaleira, mas algo tanto crédula também, quem apenas vir ali uma epopeia de trabalho e perseverança, regida pela morigeração dos sacrifícios, não viu tudo. É indispensável acender ainda a candeia da sensibilidade, meter-se a revolver a terra-mãe, para averiguar que muitos daqueles alicerces foram argamassados a sangue, sangue temperado pelas provações de uns poucos que triunfaram e de muitos que ficaram para trás, na lufa-lufa das esperanças e dos desenganos, ao grande vendaval das tribulações de todos os dias. Mas, cavando sempre, e sempre para mais fundo, há que descobrir também, lá mais abaixo, na sapata desses alicerces, o cimento forte de muito suor e muitas lágrimas dos sacrificados sem nome, daquela gente apagada e humilde que enxameia pelo mundo, e que, só de peregrinar na vida de joelhos, já cuida que viveu. É para estes que vai o sentido póstumo da minha piedade, ao publicar "Unhas Negras."

In: “Correio de Azemeis” de 29/11/1996


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