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Sérgio Paulo Silva, Memórias da Feira de St.º Amaro, 2ª ed., Estarreja, C. M. Estarreja, 2008, 84 págs.

As Feiras

"...As feiras são cartazes anunciadores do que há para vender, comprar ou trocar.

Em Portugal esta espécie de comércio remonta ao século XII explicando-se, então, pela dificuldade de meios de comunicação entre os centros de produção e dos lugares de consumo. Durante largos anos beneficiaram de especiais privilégios concedidos pelos Soberanos, que as protegiam e fomentavam. Presentemente não são mais do que uma reminiscência, uma tradição que ficou no tocante ao sistema de negócio popular, caracterizado pela exposição de produtos ao ar livre, regulamentada pelo calendário.

Na generalidade a sua instalação pressupõe um espaço vasto, possivelmente arborizado, nas próprias povoações ou seu limite, quase sempre próximo de capela ou igreja.

A ela concorre larga afluência de interessados, – os que oferecem e os que procuram – parte dos quais se desloca de muitas léguas em redor, galgando colinas, vencendo os montes, atravessando rios e ribeiros, transpondo a pé ou, possivelmente em carros, distâncias sem medida, e tudo isto para vender ou comprar, trazer ou levar.

Indiferentes às condições do tempo, nada impede este objectivo de tão longas caminhadas; deslocam-se enorme baús em carros de bois, ajouja-se a pé sob pesados volumes dos mais variados artigos, esvaziam-se os lares, vestem-se os trajas melhores, / 23 / animam-se as almas, percorrem-se veredas, atalhos, caminhos ou estradas que o povo avassala e transpõe para vencer o caminho da fiira, de madrugada ou de noite conforme a distância. Se não fora notável pela deligência, seria admirável pela sujeição.

Mediante um pequeno imposto camarário cada qual pode ali abrir os seus baús, ornamentar as suas barracas ou terrados, expor livremente os seus produtos e fazer o melhor que puder, e souber, o seu negócio.

De tudo ali aparece. O instrumento agrícola, músico ou industrial, o utensílio de uso doméstico, o objecto de adorno pessoal, os produtos de alimentação, o gado de vária espécie, a cerâmica, a vidraria, o tecido e o calçado, o objecto de vime, a ferragem, a cordoaria, enfim, todo esse mundo de coisas diversas susceptível de interessar compradores e remunerar vendedores.

Desde a simples candeia de folha até ao mais pesado cordão de oiro de lei, do púcaro de barro ao xale precioso de merino, que infinita variedade de tentações que a oferta sugere e a bolsa poderá permitir. Nem faltam, sequer, as barracas de "comes e bebes" com os bons "petiscos" e o "vinhão" regional, a "boroa de milho" e a fruta madura para conforto e alegria de feirantes e forasteiros.

Feiras e Romarias, andam, na roda do ano, muitas das vezes a par.

As que, assim, continuam a coincidir com as festividades do agiológio católico

promovidas sempre por devoção popular, atingem por sua extraordinária concorrência as proporções de acontecimento local, e a sua duração neste caso varia conforme a conveniência, ou preceito.

O improviso das barracas, e terrados simples, o ambiente rústico local, o movimento das gentes que ali acodem, as danças e folganças com seu foguete de permeio a invadir o espaço com o estoirar barulhento, os acordes das cantigas populares, as gaitas de foles e bombos de festa, as vigílias dos romeiros, – e dos namorados todo esse conjunto de animação e de colorido imprimem nestas fiiras especiais um carácter pinturesco que nos atrai pela curiosidade e desperta a simpatia.

São as feiras, deste modo, um pretexto para expor o que há.

Come-se e bebe-se. E a rir e a folgar, cumprido o voto, namora-se a jeito e faz-se negócio.

Mas, além destas, que são as mais movimentadas e luzidas, outras há ainda que se limitam ao carácter propriamente comercial e, consequentemente, mais frequentes na sua periodicidade..."

Domingos José de Castro – Estudos Etnográficos,

Tomo V – 2.ª parte – Feiras e Mercados, 1945

 
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