"...As
feiras são cartazes anunciadores do que há para vender, comprar ou
trocar.
Em
Portugal esta espécie de comércio remonta ao século XII explicando-se,
então, pela dificuldade de meios de comunicação entre os centros de
produção e dos lugares de consumo. Durante largos anos beneficiaram de
especiais privilégios concedidos pelos Soberanos, que as protegiam e
fomentavam. Presentemente não são mais do que uma reminiscência, uma
tradição que ficou no tocante ao sistema de negócio popular,
caracterizado pela exposição de produtos ao ar livre, regulamentada pelo
calendário.
Na
generalidade a sua instalação pressupõe um espaço vasto, possivelmente
arborizado, nas próprias povoações ou seu limite, quase sempre próximo
de capela ou igreja.
A ela
concorre larga afluência de interessados, – os que oferecem e os que
procuram – parte dos quais se desloca de muitas léguas em redor,
galgando colinas, vencendo os montes, atravessando rios e ribeiros,
transpondo a pé ou, possivelmente em carros, distâncias sem medida, e
tudo isto para vender ou comprar, trazer ou levar.
Indiferentes às condições do tempo, nada impede este objectivo de tão
longas caminhadas; deslocam-se enorme baús em carros de bois, ajouja-se
a pé sob pesados volumes dos mais variados artigos, esvaziam-se os
lares, vestem-se os trajas melhores,
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animam-se as almas, percorrem-se veredas, atalhos, caminhos ou estradas
que o povo avassala e transpõe para vencer o caminho da fiira, de
madrugada ou de noite conforme a distância. Se não fora notável pela
deligência, seria admirável pela sujeição.
Mediante um pequeno imposto camarário cada qual pode ali abrir os seus
baús, ornamentar as suas barracas ou terrados, expor livremente os seus
produtos e fazer o melhor que puder, e souber, o seu negócio.
De
tudo ali aparece. O instrumento agrícola, músico ou industrial, o
utensílio de uso doméstico, o objecto de adorno pessoal, os produtos de
alimentação, o gado de vária espécie, a cerâmica, a vidraria, o tecido e
o calçado, o objecto de vime, a ferragem, a cordoaria, enfim, todo esse
mundo de coisas diversas susceptível de interessar compradores e
remunerar vendedores.
Desde
a simples candeia de folha até ao mais pesado cordão de oiro de lei, do
púcaro de barro ao xale precioso de merino, que infinita variedade de
tentações que a oferta sugere e a bolsa poderá permitir. Nem faltam,
sequer, as barracas de "comes e bebes" com os bons "petiscos" e o "vinhão"
regional, a "boroa de milho" e a fruta madura para conforto e alegria de
feirantes e forasteiros.
Feiras
e Romarias, andam, na roda do ano, muitas das vezes a par.
As
que, assim, continuam a coincidir com as festividades do agiológio
católico
promovidas sempre por devoção popular, atingem por sua extraordinária
concorrência as proporções de acontecimento local, e a sua duração neste
caso varia conforme a conveniência, ou preceito.
O
improviso das barracas, e terrados simples, o ambiente rústico local, o
movimento das gentes que ali acodem, as danças e folganças com seu
foguete de permeio a invadir o espaço com o estoirar barulhento, os
acordes das cantigas populares, as gaitas de foles e bombos de festa, as
vigílias dos romeiros, – e dos namorados
–
todo
esse conjunto de animação e de colorido imprimem nestas fiiras especiais
um carácter pinturesco que nos atrai pela curiosidade e desperta a
simpatia.
São as
feiras, deste modo, um pretexto para expor o que há.
Come-se e bebe-se. E a rir e a folgar, cumprido o voto, namora-se a
jeito e faz-se negócio.
Mas,
além destas, que são as mais movimentadas e luzidas, outras há ainda que
se limitam ao carácter propriamente comercial e, consequentemente, mais
frequentes na sua periodicidade..."
Domingos José de Castro – Estudos Etnográficos,
Tomo V
– 2.ª parte – Feiras e Mercados, 1945 |