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Sérgio Paulo Silva, Palavras de trazer por casa, 1ª ed., Estarreja, 2007,146 págs.

Palavras de trazer por casa

 

Tenho a sorte de ter um pequeno quintal onde me entretenho mais do que trabalho, já que nada do que lá cultivo e faço representa sacrifício mas se torna antes numa fonte de prazeres. Seja plantar beterrabas ou couves com que crio o porquinho, seja cuidar das minhas abelhas, cortar lenha, produzir macieiras ou cuidar das roseiras... Vergo a mola, como se diz, mas lavo o espírito enquanto peno. E, ao contrário do que pensam alguns, não sinto que nesses afazeres desperdice o pouco tempo que tenho, que roube à leitura ou à escrita. Há um tempo para apanhar pedras e outro para as atirar, como consta no Eclesiastes, como já se sabe.

Quando ando mergulhado nessas minhas descuidadas lides, gosto de vestir roupas velhas e de calçar sapatos gastos. Posso assim sujar-me, posso conviver com os meus cães, atender ao que é simples e natural sem que me ensombrem outros cuidados que, de ordinário, tornam as pessoas infelizes.

O que entrego neste livreco é um pouco isso, uma compilação de artigos publicados ao longo dos anos nos nossos jornais a que apenas dei alguns golpes, benévolos, pouco reflectidos golpes de tesoura de podar. Por entre as hastes sem préstimo ou fanadas deixei escapar algumas coisas que saíram fora de portas, no “Diário de Aveiro” ou no “Nova Guarda”, p. ex., na presunção que pudessem compor o ramalhete. São tudo coisas muito datadas, muito localizadas, treino de mão, recreação de discreto artista de charanga. E isso explica o número de exemplares da edição. Porque não pode aspirar a melhor terreiro quem se apresenta mal vestido, sujo, impróprio. Por muito que se não queira, o hábito ainda faz muito monge.

Perdoarão os mais íntimos, os que já não ligam e aceitam as minhas maneiras de estar e os meus escritos. Pode ser que (na vaga presunção de que leiam) a caprichosa fortuna lhes dê o perfume duma maçã, o travo do mel ou os espinhos das minhas roseiras, uma vez que a vestimenta já só encontra derradeiro préstimo no ninho dos meus cães, que por muito tomam o nada e continuam meus amigos.

Nem tudo meti para o saco. Há coisas que não sei onde param e também já se sabe que, quanto maior é a nau, maior é a tormenta. Não tive cuidados na ordem, fosse por publicações, fosse por datas. A melhor ordem... (lembram-se do que dizia Breton?). A Bicicleta é o único inédito e vou ver se me dedico mais à caça e à pesca, nem que seja só por uma questão de economia...

 

 
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