Sérgio
Paulo Silva, Que Saudades do Mar, 1ª ed., Estarreja,
1998,
16 pp. |
Um ano o Verão demorou-se muito,
estendeu-se com preguiça pelo Outono e o Inverno chegou sem que a chuva
engordasse os rios e enchesse de cinza os dias tristes de Novembro.
Quando, enfim, as nuvens chegaram e se abriram, a chuva caiu, soltando
aromas da terra.
Muitos animais iniciaram então a sua
viagem. O rugoso sapo caminhou horas e horas pela negra estrada; a
salamandra foi fazer outra cama sob as raízes dos lírios; e uma família
inteirinha de caracóis atravessou a estrada e, enquanto a noite durava,
subiram pelo muro, descendo depois para o jardim. Com a sua casinha às
costas, pareciam-se muito com os ciganos que, de pinhal em pinhal, de
adro em adro, arrastam a sua vida sempre, sempre deserdada.
Entre eles ia um caracol pequenino.
Mal chegou ao jardim, procurou um buraco num tijolo partido. A mãe
tinha-lhe falado, antes da grande viagem, dos perigos e das ratoeiras de
que o mundo está cheio. Por isso, escondeu-se no buraco do tijolo. Desse
modo já o jardineiro não o calcaria, fazendo-o em mil pedaços, nem o
melro, que acordava a madrugada com as suas belas melodias, o comeria...
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