Sérgio
Paulo Silva, O tiro errado de Alvarinho Vapor, 1ª ed., Estarreja,
Novembro 2007,
13 pp. |
Disseram-me que a escola que me ensinou a ler e a escrever estava a
fazer 100 anos e resolvi ir visitá-la, estar um bocadinho com ela, para
lhe agradecer e para a felicitar. Talvez pudesse aprender ainda mais
alguma coisa com ela, porque os velhos têm sempre qualquer coisa mais
para nos ensinar, uma revelação, uma história, qualquer coisa. Os
velhos, mesmo que não sejam pessoas. Sim, pode ser uma casa, um
utensílio de lavoura enferrujado ou o casco dum navio, que viajou tudo
quanto as incontáveis marés lhe permitiram que viajasse até ficar
carcomido. As ruínas que os séculos esconderam sob as areias ou sob os
gelos continuam a ensinar-nos, porque tudo nos ensina continuamente,
mesmo que estejamos, por vezes, distraídos. O nosso caminhar ensina-nos
a distância; e a distância revela-nos o mundo inteiro, como a sombra nos
ensina o sol e este todo o seu reino. Quanto pesa uma sombra?
Perguntava-se um velho poeta. E a pergunta, para além da poesia, é um
desafio. A escola, qualquer escola, é o pátio de todos os desafios, de
todas as perguntas. Se as sombras têm peso, na visita que fiz à minha
velha escola, eu fiquei a saber, nessa tarde em que lá fui felicitá-la,
o peso da minha sombra.
Dentro
de uma das salas, um enxame de crianças esperava-me para me contar uma
história; e eu fui sentar-me no fundo da sala, escutando as palavras com
que se atropelavam uns aos outros, a luz iluminando-os como se o sol
também tivesse sido convidado, maravilhado com os desafios que lhes
crepitavam nos olhos.
Eis a
história que me contaram nessa tarde, uma história de vida a que
poderíamos talvez chamar "O tiro errado de Alvarinho Vapor" tal e qual
aconteceu. |