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Esquema de Composição do Frontal de
Altar do catálogo ilustrado da exposição retrospectiva de Arte
Ornamental Portuguesa e Hespanhola celebrada em Lisboa em 1882 –
estampa 126. (Clicar na imagem para ampliar – pág. 26)) |
Nascido da perseverante vontade e esforço de duas jovens
viúvas, o Convento de Jesus apresentou desde a sua fundação um
distintivo "elitista", ainda que involuntário, que viria a marcar o
seu desenvolvimento. Atraídas pelo prestígio desta casa e pela
notoriedade de algumas das suas residentes, numerosas filhas dos
mais influentes nobres do País(1) deixaram os seus nomes ligados a
esta
casa, sem esquecer a Princesa Joana, filha de
D. Afonso V(2), cuja presença viria a influenciar
decisivamente o futuro do mosteiro. Assim se explica que o convento
de Jesus se viesse a constituir num importante foco cultural,
justificativo da saída de vários dos seus membros para fundar e
reformar um elevado numero de cenóbios domínicos femininos de norte
a sul do País(3). |
Para além do aspecto cultural, as inferências económicas
deste elitismo social sempre se fizeram sentir. Associada à
entrada de um novo membro para o convento estava geralmente
o seu dote, no qual eram incluídos os mais variados bens,
desde terras a foros, padroados, objectos de arte, jóias,
entre outros. Quanto maiores as possibilidades económicas
das famílias das noviças mais vultosos seriam os respectivos
dotes. A nenhum religioso era deixada a posse ou
administração livre dos seus bens, a menos que fosse obtida
uma autorização especial, pelo que a administração desses
bens passava de imediato para as mãos dos superiores
monásticos dentro do princípio quid monachus acquiri,
monasterio acquiritor
(4).
Não subestimando o peso dos bens dotais na administração do
convento, outro tipo de rendimentos garantia o sustento da
comunidade e das suas práticas cultuais. Consentâneas com o
espírito da época, as doações constituíam uma forma de
enriquecimento tendo como contrapartida para o doador poder
participar directamente dos bens espirituais da comunidade,
garantindo a salvação da alma. Assim, eram frequentes não só
as doações em dinheiro, mas em foros, padroados, enfiteuses,
entre outros(5).
Grande peso económico tinham ainda os rendimentos obtidos
pela exploração das propriedades agrícolas, marinhas e
outros bens imobiliários bem como as esmolas dos devotos,
estas especialmente ligadas ao culto dos santos e ao
sustento das capelas.
A vida conventual feminina, exemplarmente regulamentada(6),
previa tempos destinados à oração, ao trabalho e ao
descanso. Todas as horas do dia eram dedicadas a Deus, sendo
o trabalho, como os
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tempos
livres, inseridos nos ciclos de oração e, da mesma forma que
estes, consagrados a Cristo. Regra geral, nos conventos
femininos o bordado constituía uma forma de ocupação do
tempo. Assim acontecia no Convento de Jesus. A sala de
lavor, instituída na comunidade desde a primeira hora,
acolhia as religiosas que, nos intervalos da oração,
trabalhavam em silêncio realizando notáveis
peças bordadas destinadas ao serviço cultual(7). A respeito
dessa tradição, autores como Domingos Maurício, Marques
Gomes ou Rangel de Quadros chegaram a referir a existência
no séc. XVII de uma célebre escola de bordados que teria
dado fama ao convento, e cujas peças se destinavam não só ao
convento de Jesus, mas a satisfazer pedidos dos irmãos do
Convento Dominicano de Nª Sª da Misericórdia bem como de
outras igrejas, sobretudo dos seus padroados.
A existência de um ambiente de intensa religiosidade com
grande número de capelas, oratórios, tabernáculos, nichos e
mísulas a proliferarem pelo convento, criava a necessidade
de prover estes locais com alfaias têxteis, o que obrigava a
um constante trabalho de bastidores.
De entre os espaços de recolhimento e oração, o Claustro
constituía um lugar privilegiado para meditação, oração e
leitura. Em seu redor edificavam-se as capelas, dedicadas a
santos de especial devoção das religiosas. Era grande a
"concorrência" que se gerava no seu arranjo rivalizando
entre si em beleza e ostentação. Revestimentos azulejares e
armações têxteis cobriam as paredes, ricos altares com
retábulos eram ornamentados com belíssimas pinturas,
esculturas e alfaias litúrgicas. Paramentos bordados
conferiam solenidade ao conjunto.
Cada capela possuía as suas devotas ou mordomas. Era sua
função zelar para que o esplendor destes espaços
contribuísse para a elevação do estado de alma. Com o
intuito de assegurar tais demonstrações de piedade, o
convento desde cedo optou por garantir o financiamento dos
custos através de rendimentos fixos directamente ligados a
estas. Neste sentido estabeleceram foros e tenças, quer
dentro quer fora da comunidade, garantindo um património
privativo para cada capela.
De entre a diversidade de elementos que "vestiam" as
capelas, a paramentaria ocupava certamente um lugar de
destaque. Dentro desta, os frontais de altar sempre foram
alvo de um empenhamento especial.
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27 /
O altar constitui, ontem como hoje, a peça mais importante
do local de culto. Ele representa o próprio Cristo, o local
onde o sagrado se condensa mais intensamente. Aí se cumpre o
sacrifício, no qual Cristo se oferece aos homens como
alimento eucarístico, recordando a celebração da Última
Ceia. É para o altar que convergem todos os gestos
litúrgicos e toda a atenção dos crentes. À semelhança da
prática comum em que o celebrante enverga a casula antes do
início da missa, simbolizando a personificação do Cristo
vivo, também o altar é revestido com um paramento solene, a
que se dá o nome de frontal, uma vez que inicialmente cobria
apenas a parte da frente do altar.
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Frontal de
Altar pertencente à Capela de Nª Srª da Assunção (?).
Convento de Jesus de Aveiro. (p. 27) |
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Dos numerosos frontais de altar que incorporaram a colecção
do Museu de Aveiro, quatro, do séc. XVII, merecem particular
destaque, não só pela riqueza estética e qualidade técnica
que exibem, mas pelo valor documental que possuem.
Corresponderão estas peças, como até aqui tem sido afirmado,
a quatro das invocações escolhidas para formar o panteão de
Santos com representação no espaço claustral? É questão para
a qual os estudos em curso procurarão dar resposta.
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Pormenor
do frontal da Capela de Nª Srª da Assunção (p. 27). |
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Em frente ao portal de acesso ao claustro encontra-se a
primitiva Sala do Capítulo, transformada, ainda na centúria
de quinhentos, em capela dedicada a Nossa Senhora da
Assunção. De entre todas as invocações a Maria esta é a mais
gloriosa já que celebra simultaneamente o Seu trânsito
(quando alma se despede do corpo), a Sua ressurreição
(quando o corpo se volta a unir à alma), e a Sua coroação
como Rainha dos Anjos e Senhora de todo o Universo(8).
Em conformidade com a importância do culto associado a este
espaço, esta capela seria certamente uma das mais ricas do
convento. Conservam-se ainda hoje testemunhos do seu aspecto
primitivo. O tecto entalhado, outrora revestido a folha de
ouro, emoldurava telas pintadas evocativas de Maria (hoje
conservadas em reserva). Outros elementos como o retábulo, o
revestimento parietal e o próprio cadeiral seriam certamente
diferentes. Não obstante os estragos infligidos pela incúria
do Homem e pela acção nefasta do tempo, um importante
testemunho resistiu apesar da fragilidade do material, o seu
frontal de altar.
Trata-se de uma peça de extraordinária beleza: a
frontaleira, faixas e sebastos de veludo carmesim são
bordados a pontos de ouro e prata relevados, os campos, em
seda com prata estirada apresentam motivos de influencia
indiana bordados a pontos de seda e de ouro. Ao centro da
frontaleira destaca-se uma aplicação em chapa com um sol.
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28 / |
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Pormenor da
Frontaleira do Frontal pertencente à Capela de S. João
Evangelista. Convento de Jesus de Aveiro. (p. 28) |
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Para além da originalidade, diríamos quase profana, dos
motivos dos campos, a configuração actual da peça levanta
algumas questões. Pormenores de montagem como a sobreposição
dos sebastos laterais ao bordado dos campos, ocultando parte
do debuxo, ou da frontal eira sobre os enrolamentos dos
sebastos indicam tratar-se de um arranjo posterior. Os
campos da peça terão sido provavelmente adaptados
subsequentemente(9). Não deixa de ser curioso o facto de
autores como Rangel de Quadros, Marques Gomes ou Domingos
Maurício afirmarem sem sombra de dúvida que este frontal se
destinaria à capela de Nª
Srª da Assunção baseados apenas numa descrição de Frei Luís
de Sousa segundo a qual teria sido Soror Luísa da
Anunciação, (professa em 1594), quem "...de esmolas e do que
lhe dava a comunidade teve indústria para ornar a Capela de
Nª Srª da Assunção (...) deixando-a rica de pratas e
ornamentos dos mais custosos e asseados que tem hoje
o
Mosteiro"(10). Se a descrição não é peremptória, a
iconografia também não é conclusiva já que, embora o sol
possa realmente ser associado a um símbolo Mariano, é também
atributo de Santo Agostinho. Neste caso os corações
trespassados que se apresentam nos campos teriam
inclusivamente uma explicação mais plausível(11). Não nos
parece, desde já, possível estabelecer com certeza o espaço
a que se destinava este frontal.
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Campos do
Frontal de Altar de S. João Evangelista. (p. 29) |
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Na extremidade oposta do claustro ergue-se a capela de S.
João Evangelista. Domingos Maurício faz referência às duas
correntes que pautavam a história ascética do convento: a
das Baptistas, simpatizantes do caminho da austeridade, e
cujo culto se desenvolvia em volta da capela de S. João
Baptista e a das Evangelistas, que seguiam os caminhos da
caridade reunindo-se em tomo da capela de S. João
Evangelista(12).
De todas as capelas claustrais, esta será a que conserva um
aspecto mais aproximado do original. Também neste caso se
conservou o seu frontal de altar, facilmente identificado
pelo símbolo iconográfico.
Central da frontaleira: uma cartela vegetalista ovalada que
insere a representação de uma águia coroada segurando no
bico uma pena; sobre um fundo celeste, desenham-se o Sol, a
Lua, onze Estrelas e um círculo formado por doze pérolas; no
chão, um tinteiro e vários objectos complementares de
escrita.
Sempre com uma função identificativa
mas simultaneamente didáctica, os elementos iconográficos
ligam-se invariavelmente a episódios da vida do Santo
invocado(13).
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29 /
Lembremos a este propósito que as novas regras tridentinas
haviam reforçado a utilização das imagens com o objectivo de
lembrar o exemplo de vida deixado por aqueles que mais se
haviam aproximado de Deus.
Neste frontal, a frontaleira, sebastos e fachas de veludo
carmesim exibem motivos vegetalistas bordados a pontos de
ouro e prata, sendo os campos de um rico brocatel, com
motivo em pinha, certamente anteriores à data da sua
confecção. É curioso notar a coincidência existente entre o
debuxo da frontal eira e sebastos deste frontal e o de um
outro pertencente à igreja de S. Roque de
Lisboa (inv. MT 199). Esta semelhança vem realçar o
aparecimento, sobretudo a partir de final do séc. XVI, de
novos esquemas decorativos que viriam substituir o bordado
de imaginária. Embora nalguns casos os debuxos pudessem ser,
como outrora, desenhados por artistas para satisfazer uma
determinada encomenda, passaram a ser, na sua maioria,
tirados de tratados de ornamentação ou de
cartões de debuxo, que circulavam por todos os países,
originando uma repetição de motivos que nos dificulta a
identificação da sua proveniência. Os mesmos cartões eram
assim utilizados repetidamente na confecção de frontaleiras
e sebastos, num tipo de trabalho quase estandardizado. No
caso dos frontais de altar, os ornatos vegetalistas e
brutescos
tomam o lugar da imaginária que fica confinada a um
medalhão central ou eventualmente aos sebastos.
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Medalhão
central pertencente ao frontal de altar da Capela de S.
João Baptista. Convento de Jesus de Aveiro. (p. 29) |
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Os próprios materiais e técnicas sofreram uma natural
evolução(14). O fio de ouro cai definitivamente em desuso, não
só pelos custos, mas pelo facto de não consentir a
maleabilidade necessária à variedade de
pontos empregues. Os pontos de seda, que permitiam no
bordado de imaginária, uma
variedade cromática impressionante, concorrente com a
própria pintura, vão dando primazia ao bordado em ouro nos
novos debuxos vegetalistas, utilizando sobretudo o fio
laminado. Uma técnica específica de enchimento do bordado
conferia-lhe volume e uma maior riqueza aparente.
Ainda percorrendo o espaço claustral, e imediatamente a
seguir, apresenta-se a capela
de S. João Baptista. Embora hoje totalmente descaracterizada
e adulterada, esta capela foi certamente uma das mais ricas
do convento. Chegou até nós o seu frontal de altar cujo
medalhão central ostenta o Cordeiro Místico nimbado (Agnus
Dei), segurando uma vara crucífera com flâmula. Trata-se do
atributo pessoal mais comum de S. João Baptista, directamente
relacionado com o episódio bíblico do Baptismo de Cristo.
Nesta
passagem, S. João saúda o Primo exclamando: "Eis o Cordeiro
de Deus que tira o pecado do Mundo". O cordeiro, como animal
dócil que se
/ 30 /
entrega ao sacrifício, simboliza Cristo sacrificado para
salvação dos Homens, sendo a cruz o símbolo da Morte, e a
flâmula a evocação da Ressurreição.
Com frontaleira, sebastos e
faixas de lhama de seda carmesim bordada a pontos ouro e
prata relevados, esta peça apresenta uma enorme graciosidade
e qualidade de confecção. Os campos são de brocatel de
tipologia idêntica ao do frontal anterior.
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Medalhão central do Frontal
de Altar pertencente à Capela dedicada ao Senhor Jesus.
Convento de Jesus de Aveiro. (p. 30) |
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Neste caso, como no
antecedente, o reconhecimento da capela a que pertenceu o
frontal é tarefa fácil, porém o mesmo não acontece com a
origem do seu fabrico. Terá sido; provavelmente, soror Maria
Jesus, professa em 1664, quem teria pago os paramentos
para esta capela e respectivas alfaias(15); contudo não nos
chegou qualquer informação sobre a identificação oficinal.
Por último destacamos o frontal
identificado na frontaleira pela inscrição "JHS"(16), à qual
foram associados os símbolos da Paixão.
Frontaleira, sebastos e faixas
são em veludo carmesim bordado a pontos de ouro e prata
relevados com efeitos de grande luminosidade. Os campos são
de lhama
lavrada de grande simplicidade e beleza,
reproduzindo um padrão difundido a partir de
Itália, na centúria
de quinhentos. A que capela se destinaria esta peça? Ao
denominado Capitulo Novo, capela claustral na qual se
desenvolveu o culto ao Senhor da Coluna? À capela mor da
Igreja dedicada ao Senhor Jesus? Qualquer um destes altares
poderia ser digno de uma peça com esta qualidade técnica
e, certamente, exigência financeira. A falta de
documentação não
nos permite resultados conclusivos e a sua origem oficinal
permanece uma incógnita.
Tendo essencialmente abordado este estudo com base em fontes
documentais já utilizadas pelos autores atrás mencionados, e
sendo nosso objectivo tentar identificar a origem oficinal
dos quatro frontais de altar, foram analisados três
aspectos que julgamos essenciais: fontes escritas,
características estilísticas e técnicas das peças em questão
e os meios que permitiriam às freiras se constituírem como
suas encomendantes.
Relativamente à questão da documentação, debatemo-nos com
uma enorme dificuldade resultante da escassez de fontes com
referências específicas à realização ou encomenda de
paramentos. Esta dificuldade
resulta tanto mais acrescida quanto as
expressões utilizadas como "ornamentos", "ornatos" ou
"alfaias" se apresentam demasiado abrangentes
inviabilizando a identificação do tipo de peça a que fazem
referência.
Mais esclarecedores poderão ser os resultados da apreciação
estilística e técnica dos paramentos. Nos exemplares a que
este
estudo se refere, o bordado apresenta-se com elevado nível
técnico, sendo confeccionado
/ 31 /
com fio laminado dourado e prateado com elevada percentagem
de metal precioso, o que se conclui observando o baixo
índice de oxidação do material, que se mantém em excelente
estado de conservação.
Por outro lado, o elevado número de capelas e oratórios no
espaço conventual, e de igrejas e capelas pertencentes aos
seus padroados, às quais as religiosas tinham por obrigação
prover de paramentos, obrigariam a um intenso trabalho de
bastidores. De notar
que, apesar de conhecermos um significativo número de ricas
capelas instituídas no
convento durante a centúria de seiscentos, não temos
conhecimento de terem existido mais do que estes quatro
frontais com esta qualidade de materiais, de tipologia de
debuxo e de perfeição do bordado. De facto, se é possível
que uma parte considerável do restante espólio têxtil deste
convento tenha saído da Sala de Lavor da Casa de Jesus, nada
se compara aos frontais em questão. Parece pois provável
tratar-se de peças encomendadas numa oficina (conventual ou
não) que, como vimos, recorria à utilização de cartões de
debuxo.
O terceiro aspecto a que fizemos alusão parte da constatação
lógica de que a uma superior qualidade técnica, artística e
material corresponderia um elevado custo de produção,
pressupondo um relativo desafogo económico do Convento para
tais aplicações.
Como se sabe, a situação da Vila de Aveiro deixara de ser a
de um importante entreposto comercial, com uma burguesia
responsável por um significativo desenvolvimento da região.
Fenómenos como a pirataria, as pestes e o progressivo
assoreamento que ocasionou o encerramento
da barra à navegação haviam provocado, a partir do séc. XVI,
o afastamento de Aveiro das principais rotas comerciais, e
uma crescente dificuldade de comunicação com as restantes
zonas desenvolvidas do país.
Esta quebra de poder económico seria, contudo, parcialmente
compensada pela fixação de uma nobreza provincial na
região, que, vivendo da exploração agrícola, investe parte dos
rendimentos em doações à igreja e a casas religiosas. Por
seu lado, durante o séc. XVII, as instituições religiosas
tentariam cumprir as exigências criadas a partir do Concílio
de Trento (1545/63), preconizando a reformulação dos.
espaços de modo a transformá-los em veículos cada vez
mais eficazes à propagação das doutrinas contra-reformistas.
Da conjugação dos
interesses da Nobreza e da Igreja resultaria uma fase de
grandes investimentos na arte religiosa.
O Convento de Jesus de Aveiro não
ficou alheio a este movimento, beneficiando também com esta
tendência. Embora usufruindo de numerosos privilégios,
doações e mesmo legados, a envergadura das obras de
remodelação do edifício, nomeadamente o revestimento de
algumas dependências a talha
dourada, azulejo e pintura, levariam as religiosas a uma
situação de controle dos gastos mais avultados. A despesa
que implicavam tais encomendas justificariam assim, que
estas se restringissem às capelas
claustrais e possivelmente ao altar da capela mor do
Convento. Benfeitores ou familiares mais abastados das
religiosas poderiam ter custeado as despesas, mas estas
poderiam ter sido igualmente asseguradas pelos rendimentos
que, como vimos, estavam geralmente associados a cada
capela.
Terminamos esta reflexão lançando
novas possibilidades sobre a autoria dos frontais, esperando
em breve poder confirmar as hipóteses aqui levantadas à luz
de nova documentação.
Maria João Mota
/ 32 /
BIBLIOGRAFIA
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nobre do Convento de Jesus de Aveiro, se deve instalar um
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Aveiro em 1882, Grémio Moderno, Porto,
1883.
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regeram o Mosteiro de Jesus de Aveiro, da ordem de S.
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Voragine, Santiago de la, La Leyenda dourada, vol. I, tradução do
latim de Fray José Manuel Macías, Alianza Editorial, Madrid, 1982.
_________________________________
(1) –
Memorial,
FoI. 29 r.
"E creceo a fama entanto que muitas molheres de grãde estado
se vierã meter ~e suas maãos e hobediencia."
(2) –
Memorial,
FoI. 116 v b.
(3) –
Costa (Júnior),
Arménio Alves, Mosteiro de Jesus de Aveiro. Tesouros
Musicais, voI. I, Universidade de Aveiro, 1996, p.82.
(4) –
Aquilo que o monge adquire,.o mosteiro adquire.
(5) –
No caso dos
padroados, embora estes constituíssem para o Mosteiro um
amparo substancial, acarretam consigo pesados encargos
inerentes às capelas, nomeadamente ligados à sua manutenção,
das suas alfaias e actos de culto. Estas obrigações
constituíram por várias vezes uma fonte de desentendimento
entre o Convento e as comissões fabriqueiras das igrejas. Cfr.: Santos, Domingos Maurício dos,
Mosteiros de Jesus de Aveiro, VoI. 1/2, Aveiro, 1963,
pp. 286; 289; 290.
(6) –
Constituições do Mosteiro de Jesus de Aveiro,
in: Arquivo
do Distrito de Aveiro, voI. XV, XVI, Aveiro.
(7)
– Nas Constituições do Mosteiro de Jesus, no capitulo
"Do Lauor.: xxvij.C", pode ler-se o seguinte: "porque ha
ociosidade he Jmjga da alma. mãay e criador dos peccados; /
njnhua Religiosa seis oucjosa: mas muy diligetementte
se goarde,
que afora as oras e os ttepos
da oracom e do oficjo divjno. ou outra accupacam
necessarea; toda as freyras com mujto tento Insistã segundo
q for ordenado. E entedam em obras e lauor das mãaos: pera o
proueyto cumuu. ح
E
ssera presete cõ as freyras em quãto estam no lauor. a
p'oressa ou sop'oressa, ou outra pera jsto per a prioressa
assynada ح Trabaalhem em silencio; E njnhua sse vaa
da casa comuu do lauor: se licenca e necessidade. ح E
a que assy sayr. conuem a ssaber, per necessi-// (Fl.
(103)v) dade: acabada a tal necessidade torne:." Idem,
ibidem.
(8) –
Um episódio bíblico refere este acontecimento: Quando
Maria se preparava para partir, vieram os Apóstolos de
várias províncias, onde se encontravam a pregar os
ensinamentos de Cristo, para assistir aos seus derradeiros
momentos. Ao último suspiro ouviram-se cânticos celestiais
que se prolongavam até ao seu corpo ser levado e sepultado
no túmulo, pelos Apóstolos.
Durante três dias se ouviram cânticos. Apenas Tomé não
acompanhara a Virgem. Tendo chegado três dias depois, pediu
que fosse aberto o túmulo para ver "sua mãe". Ao abrir a
sepultura encontraram apenas os lençóis que lhe envolviam o
corpo. Maria tinha sido elevada ao Céu de corpo e alma.
(9) –
Em fotografias
antigas surgem-nos diversas montagens deste mesmo frontal,
uma delas com galão franjado na frontaleira. Provavelmente
nenhuma corresponderá ao seu aspecto original.
(10) –
Sousa, Frei Luís de,
História de S. Domingos,
p. 746.
(11)
– Esta hipótese seria tanto mais possível quando sabemos ter
existido uma capela dedicada a Santo Agostinho, situada
anexa à igreja e com acesso directo ao exterior do convento,
com um rico retábulo maneirista em talha dourada.
(12) –
Cfr.: Santos,
Domingos Maurício dos, ob. cit., Lisboa, p. 28.
(13) –
Perseguido por ordem
do imperador Dominicano, S. João é condenado a morrer num
caldeirão de azeite a ferver. Sobrevivendo à tortura
infligida, o Discípulo reinicia a sua pregação sendo exilado
para a ilha de Patmos onde tem como única companheira uma
águia. Durante o seu exílio tem uma visão da Virgem coroada
de estrelas com o Menino Jesus nos braços. Voragine,
Santiago, La Leyenda Dourada,
tradução do latim de Fray José Macías, Madrid, Alianza
Editorial, 1982, pág. 6.
(14) –
Ibid.
(15) –
"Havendo herdado avultados haveres mandou que fossem
repartidos pelos familiares mais necessitados não querendo
mais que o correspondente ao capital da moderada tença com
que havia professado e que ela aplicou à decência do
culto divino, às alfaias da sacristia e aos ornatos da
capela de S. João Baptista. Sousa, Frei Luís de
ob. cit., p. 731.
(16) –
Actualmente são vários os significados atribuídos às
iniciais JHS, no entanto o seu significado original
abreviava tão somente as três primeiras letras do nome grego
de Jesus, ou seja, "JHSOUS". Só muito recentemente foi
associado às expressões "Jesus Hóstia Santa", ou "Jesus
Salvador dos Homens" (Seus hominum Salvator).
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