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João Gonçalves Gaspar, Os Museus e a Arte. In: "AMUSA", N.º 1, Outubro de 1999, pp. 12-13.


Os Museus e a Arte

 

Os povos da Antiguidade Greco-Romana chamaram Museu ao templo das Musas; mais tarde, esse nome viria a designar qualquer edifício consagrado às referidas divindades, ou seja ao estudo das Belas Artes, das Ciências e da Literatura. Contudo, já então, nessas épocas remotas, existiam colecções públicas de objectos de arte. Os templos e os túmulos dos faraós do Egipto e dos soberanos da Mesopotâmia continham colecções de objectos, que ainda hoje causam a nossa admiração. Um típico conjunto de objectos foi achado numa das residências de Nabucodonosor II da Babilónia. E não se esquece o recheio valiosíssimo do túmulo de Tutankhamon, que reinou no país do Nilo, nos meados do século XIV antes de Cristo – recheio esse que actualmente pode ser visto no Museu Nacional do Cairo.

A Acrópole, em Atenas, no seu complexo monumental, continha pinacotecas, onde existiam séries de notáveis pinturas sobre madeira; e em Alexandria foi célebre o museu construído por Ptolomeu Filadelfo, de que fazia parte a famosa biblioteca. Roma, por sua vez, instalou em edifícios públicos as pinturas e as esculturas, quer as espoliadas aos gregos, quer as executadas por artistas locais; o imperador Augusto mandaria também enriquecer alguns templos e lugares públicos. Além disso, os patrícios embelezavam as suas casas e vilas com tais objectos – uns autênticos, outros em cópia.

Durante a Idade Média, as abadias e igrejas cristãs mais importantes converteram-se, de facto, em verdadeiros museus de pinturas e de objectos artísticos, obedecendo embora às finalidades religiosas de tais construções; no seu próprio espólio, foram-se acumulando, ao longo dos séculos, preciosas alfaias litúrgicas, ricos paramentos sagrados e livros artisticamente decorados.

Depois, na época do Renascimento, recomeçou o gosto pelas colecções e galerias de arte; o exemplo dos Médicis em Florença e dos Papas em Roma seria seguido por outros príncipes e governantes, que também criaram os seus museus. A par deles, outros altos dignitários e ricos negociantes encomendaram obras a uma multidão de artistas, criando opulentos núcleos – studiolos, cabinets e gallerias – que, aliás, seriam dos primeiros museus da modernidade, cuja visita era franqueada a estudiosos e amadores. Por toda a Europa alastrou este culto faustoso, que outrossim chegaria a Portugal no século XVI, com D. Leonor, D. Manuel I e D. João III, nos paços reais de Lisboa.

O decreto da extinção das Ordens Religiosas, em Maio de 1834, expulsando dos conventos os frades que os habitavam, sem que deles pudessem levar qualquer objecto, provocou a dispersão - senão mesmo a rapina – de parte de um multissecular património artístico; por isso, logo se tomou urgente a obrigação de acautelar os bens que haviam pertencido, durante séculos, àquelas instituições da Igreja Católica. Nessa altura, as medidas estatais, que procuraram suster o desaparecimento ou a destruição desses bens, se trataram de salvaguardar uma boa parte, apenas conseguiram a abertura da Galeria Nacional de Pintura, em 1868, na Academia Real de Belas Artes, no antigo convento de S. Francisco (Lisboa), com as colecções aqui alojadas desde 1835; suceder-lhe-ia, em 1884, o Museu Nacional de Belas Artes (ou de Arte Antiga), no palácio das Janelas Verdes, ampliado após 1911 com novas construções, projectadas. para o sítio onde fora o cenóbio carmelita de Santo Alberto, cuja igreja se conservou. Depois, outros museus foram / 13 / surgindo em diversas localidades do País.

Quanto ao Museu Nacional de Aveiro, ele foi instalado no antigo Mosteiro de Jesus, cenóbio de freiras dominicanas desde 1465 até 1874 e, seguidamente, colégio de meninas até à implantação da República, em Outubro de 1910. Por decreto ministerial de 23 de Agosto de 1911, o histórico edifício conventual, com suas dependências, e ainda o das carmelitas foram cedidos à Câmara Municipal de Aveiro "a fim de neles instalar repartições públicas, escolas, tribunais e quartéis de polícia"; mais determinou o diploma que "a parte do convento de Jesus, contígua ao claustro e à igreja, a qual já foi declarada monumento nacional, será destinada à instalação de um museu de arte antiga e moderna, na medida do que for sendo necessário e sob a administração da Câmara Municipal". Contudo, a Edilidade ver-se-ia incapaz de levar por diante a iniciativa do museu, pelo que, em 7 de Junho de 1912, o Estado chamou a si a sua instalação e conservação.

Apesar das obras que sofreu para a sua adaptação à nova finalidade, conservou-se a zona monumental (igreja e claustro, com seus anexos, incluindo o coro de baixo, onde se encontra o túmulo de Santa Joana). Em extensão, o Museu de Aveiro é o segundo do País, com salas de exposição, colecções de pintura (de que se realça o importante núcleo quatrocentista, com a tábua da Princesa), imaginária sacra, paramentos litúrgicos, talha barroca dos séculos XVII e XVIII, etc.

Anexa ao Museu, mas dele separada, encontra-se a igreja do antigo convento das carmelitas, o qual fora construído no século XVII por D. Brites de Lara para sua habitação, que o legou ao sobrinho D. Raimundo de Lencastre, quinto duque de Aveiro, para nele ser instalado o dito convento. Aí também podemos admirar os belos retábulos dourados e os painéis azulejares da época setecentista.

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S. Domingos – Relicário – em madeira, séc. XVII. Pertenceu à Capela de S. Domingos e Santos da Ordem –  Convento de Jesus, Aveiro.

Ao rabiscar esta despretensiosa nota, apenas simplesmente quis evocar alguma coisa de história e de arte, em particular no que se refere a Aveiro. Talvez ela tenha o condão de criar maior interesse de muitos de nós pelos nossos valores de antanho.

João Gonçalves Gaspar
 

 

 

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