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Luís Jordão, Palavras Ajuntadas,  Lisboa, Sociedade Agrícola Gabriel Francisco Dias e Irmãs, Ldª (Couteiro Mor) e Arte e Edições, 2005, 52 pp.

DUAS MÃOS CHEIAS DE POESIA

A Propósito de "Palavras Ajuntadas"

de Luís Jordão

Habituei-me a ver em Luís Jordão um indivíduo frontal e fraterno, que deu a cara e o coração pelo Alentejo e por um país novo, que infelizmente apodreceu depressa, no baile de máscaras da pós-revolução.

Na sua prosa encontrei sempre um alentejano solidário e leal à sua génese, à terra-mãe, e aos sonhos que ainda hoje gosta de partilhar à mesa das sílabas e dos sabores, deliciosa mesa da amizade e das palavras mais dignas e consequentes.

Enquanto muitos trataram de se fazer à vidinha, ele permaneceu, resistindo à traiçoeira ingratidão e à ignorância arrogante dos que conspiraram um mundo moderno, cujo horizonte não ultrapassa a dimensão do umbigo.

Faz já algum tempo que o Luís me ofereceu duas mãos cheias de poesia, desafiando-me a escrever um prefácio para estas "Palavras Ajuntadas".

Aceitei fazer a viagem a um passado de pesadelo, que ele e tantos de nós, dessa geração agrilhoada, suportámos, idealizando o tempo novo, da libertação.

Há uma tristeza desmedida, lusitana, que transborda nestes versos chorados em forçado exílio.

Em vez do Alentejo, da charneca mar de calor, há uma África de sofrimento que o mar da baía de Luanda separa.

Em vez da mulher amada do doce sorriso e de Tejo mais azul surge uma paisagem escura, estranha e misteriosa, a sombra ameaçadora da guerra, e não é em vão que verbos como "vomitar", "destoar", "nublar", "chorar" e "atormentar" aparecem nestes textos, que são páginas de uma descida aos infernos.

São versos incisivos, ásperos gritos de uma esperança inocente, enredada em teias de dor, poemas de uma simplicidade lancinante, libelo acusatório contra a morte da paz, para que nunca mais aconteça.

E contudo pertencemos a um planeta onde a vergonha nos é servida maquiavelicamente como espectáculo, à hora da sopa, dia após dia, pelo que estes poemas de Luís Jordão se mantêm actuais.

Deste livro que li duma assentada, sem me conseguir alhear do percurso angustiante de milhares de jovens, condenados à pantanosa e armadilhada realidade de um tempo injusto, destaco os poemas "Baía de Luanda", "Pai", "Verde Destoante" e "Fim de Página", pela magoada beleza com que retratam a alma de um rapaz português, obrigado a enfrentar os caminhos do absurdo e os cornos do mais indesejado destino.

Realizada a intensa viagem, apercebemo-nos da irremediável contaminação da melancolia.

Verificando o quotidiano mediático, as discursatas, a demagogia, as feridas tantas da cavalgada insana da humanidade, apetece perguntar: – Onde está a democracia que sonhámos?

Quão longe me soa o verso de Ary "Isto vai, camaradas, isto vai". Dá vontade de chamar Mário Sacramento: "Não me obriguem cá a voltar!"

Em nome dos nossos mártires, em nome da nossa terra, é preciso agradecer a respiração deste alentejano corajoso, de seu nome Luís Jordão, que entre nostalgia e mágoa tornou a provar, desta vez com "Palavras Ajuntadas" como truculento, afinal pode rimar com ternurento.

 

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