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Agostinho Fortes, Nótulas acerca dum falar da margem esquerda do Guadiana, acompanhadas de algumas notícias folclóricas, Cadernos CA, N.º 4, 1ª ed., Lisboa, Casa do Alentejo, 2000, 80 pp.


Notas históricas e Documentos inéditos

 

Como fecho da nossa modesta digressão linguística, não achamos desarrazoado o darmos algumas notas históricas acerca de Mourão nossa terra natal, a cujo falar fomos extrair o material que serviu para a urdidura das nótulas.

Mourão, cabeça de concelho, do distrito de Évora e comarca de Reguengos de Monsaraz, está situada a cerca de 5 quilómetros da margem esquerda do Guadiana. O concelho é constituído pelas freguesias da vila, da Granja, da Luz, e de S. Leonardo, esta última anexada à da vila. A população desta é de cerca de três mil almas; em 1527, no Cadastro da População do Reino, publicado pelo falecido professor da Faculdade de Direito, Dr. João Teles de Magalhães Colaço, figura com 305 fogos e mais 48 no termo, figurando também no mesmo documento a aldeia da Granja com 93 fogos e mais 8 no termo.

Parece haver sido conquistada aos mouros no reinado de D. Afonso Henriques e haver sido ermada, até que, no reinado de D. Sancho II foi repovoada por D. Gonçalo Egas, prior da ordem militar de S. João de Jerusalém. D. Diniz fez dela graça a D. Tareja Gil, conforme consta do documento que transcrevemos da Chancelaria do rei lavrador.

O mesmo D. Diniz mandou construir o castelo de Mourão, deu-lhe foral, que, mais tarde, foi confirmado por D. Manuel, e se encontra nos livros da Leitura Nova, existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Tinha assento de cortes no 4º banco, e nas lutas com Castela sofreu muitas vicissitudes, ora conquistada, ora reconquistada, o que muito contribuiu para não se desenvolver tanto como a fertilidade dos seus terrenos parecia prometer. Nas guerras da Restauração, especialmente, foi alvo de muitas investidas dos castelhanos que, no ano de 1657, a tiveram como sua, embora por pouco tempo, pois nesse mesmo ano voltou para poder de Portugal. Das forças portuguesas que, em 1657, recuperaram Mourão, fazia parte o célebre capitão Bonina, António da Fonseca, que depois professou e tomou o nome religioso de Fr. António das Chagas e foi fundador do convento do Varatojo. O capitão Bonina, muito dado à poesia, em que notabilizou como místico depois da profissão, compôs o poemeto Mourão restaurado em 29 de Outubro de 1657, em 62 oitavas. Diligenciei haver às mãos esta obra, mas baldadas foram minha diligências nesse sentido. Em compensação, encontrei o 2º tomo de A Fénix Renascida, na página 28, o soneto seguinte, da autoria de Francisco de Vasconcelos. / 75 /

 

«AO SENHOR JOANNE MENDES DE VASCONCELLOS

TENENTE GENERAL, RENDENDO A PRAÇA DE MOURÃO.»

                                                Soneto

ESSE muro em ruínas desatado

Que hoje se prostra a esses pés rendido,

De haver injusto Império obedecido,

Se rebelde peccou, jaz castigado.

 

MAS tanto de seu dano acreditado,

Por se aver dessa espada combatido,

Que das mesmas ruínas presumido,

Quasi recusa o verse reparado:

 

COM ambição de eterno luzimento,

No mesmo estrago a tam famosa História,

Téplo vos fuda, & clama em língua ceto,

 

PORQUE dessa ruína à vossa glória,

Cada bocca vozea hum sentimento,

Cada pedra edifica huma memória.»

Mourão tem como brasão de armas cinco escudos com as quinas postas em cruz sobre campo azul, tendo o escudo, inferior de um lado, o sol de ouro, de outro a lua de prata.

 

Dois documentos inéditos

«Carta de graça que elrey fez a Dona Tareija gil

que teuesse essa vida a vila Mourõ.»

Don Denys pela graça de deos Rey de Portugal e do Algarue aquantos esta carta vire. Faço saber que Eu querendo fazer graça e mercee, avos dona Tareija gil, douvos que tenhades de my. por en todos vossos dias a vila de Mourõ; que he terminho de Moura cõ todos seus dereitos e todos seus terminhos cõ todas sas perteeças e aiadas ende as rrendas e todolos os outros dereitos assi como os aviades. / 76 / quando tynhades esse logar delRey dom Sancho.

E douvola en tal mãnra. que vos avidedes dela ê vossa vida como dito he e avossa morte que fique amy e aacoroa do Reyno de Portugal livre e quite cõ todas Ias melhorias que vos hy fezerdes. En testemunho destoo dey ende avos esta mha carta. cõ meu seelo pendente. Dât. en Salamaca. XV dias de julho. elRey o mandou per johã Simhõ. lourenço estevez de (?) affez. E. M.CCCXXXVI annos.» (Chanc. de D. Denis).

 

Foral da villa de mourã dado per

EIRey dom dinis.

Dom Manuel Ect.

Primeiramente avemos daver na dita villa o terço dos dizimos das Igreias dei Ia na maneira que sempre atee ora se costumou e levou sem nenhuna cõtradiçã. E assy mãdamos que se faça daquy adiante sem outra innovaçam.

Arecadesse isso mesmo a petiçã dos taballiães da dita vila os quaaes pagarã como sempre pagaram sem nenhüa ennovaçãm nem contradiçam.

Outro sy a barqua da passagem da dita villa he nossa no Rio do diana na qual passãge nõ poderá nenhüa pessoa fazer nenhüa barca nê batel. Salvo nos ou por nosso

mandado. a qual passage he livre aos moradores da dita villa e seu termo por hum soldo que soomente nos darã ou onze ceitys por elle em cada hum anno. E por esta liberdade de que alli gozam todo o anno pera suas pessoas e cousas suas sam obrigados os vezinhos da dita villa delallagar a barca e allagalla de cada vez que comprir e pera isso forem requeridos sem por isso auerê por seu trabalho nenhum pagamento. O qual custume aprovamos e mandamos que ao diante assy sê faça se outra ennovaçam. E pera ao diante se nam fazer ennovaçam nem acrecentamento da paga da dita passagê. Mandamos aos juízes e oficiais da dita villa que com o nosso almoxerife e officiaes dos ditos drtos Nos tirem Inquiriçam por homes àtygos e por

tal maneira per que verdadeiramente se saiba o verdadeiro preço e cõtija que se pagava nos tempos passados de passagem da dita barca e batel E os preços em que se todos ou a mayor parte affirmarem e concordarem que se levava das ditas passagêes nos tempos passados até a era de quinhentos essas mesmas conthyas soomente se levaram nas ditas passages e nam outras sem embargo de agora por outra mani.a e preços se levar. As quaaes somas farees poer na fim deste foraI p.a agora e em todo o tempo se saber o que das ditas cousas se ouver de pagar assi aos vezinhos como aos nam vezinhos e assy hindo o Rio na madre como fora da madre / 77 / sem embargo de agora por outra maneira se pagar.

Os maninhos sam do concelho dados pelos sesmeiros em camara e ficam de sua propriedade aaquelas pessoas a que os dam sem dessa pagarem foro nenhum.

Os montados sam do concelho e dos gaados que vierem pastar aos seus termos sem terem sua vezinhança ou licença que levem por rebanho de gaado grande ou pequeno sessenta reis por a primeira vez e polia segunda dobrado e polia terceira o dobro de tudo. E o Rebanho de gaado meudo seraa de Cem cabeças e dy para cima. E de porcos cinquoenta. E de gaado mayor vacaril trinta e da dita soma para báxo pagaram por cabeça de gado vacaril dez reis E por cabeça de porco a quatro reis e do gaado meudo a dous Reis E adicta coyma se nam levaraa aos que teverem Irmandade ou Vezinhança como dito he com o dito luguar Nem se levaraa salvo des que o malham for todo descuberto e o gaado andar todo dentro no dito termo E as ditas penas se nam entenderem na coutada damarella porque de cada hum dos ditos Rebanhos de cima que for achado que dormia na dita coutada pagaraa quinhentos soomente E se os ditos gaados nam chegarem a Rebanho seg.o a cãtidade e numero sobredito pagaram sendo achados de dia por cabeça mayor vinte reis e por porco dez reis e polia miudo a quatro reis ate e chegar a dita contia dos mil Reis e mais nam Esse forem achados de noite pagarã dobrados os ditos preços segundo a cai idade de gaado que alli for achado.

E a dizima das sentenças se nam levaraa na dita Villa mais em nenhum tempo polia dada delas seg.o se agora levavam porquanto assy foy ora determinado geeralmente per nos com os do nosso desembargo em Rellaçam por nam seer achado dereito nem Rezam pera isso E soomente foy acordado se poderem levar as dizimas das sentenças condenatorias quando soomente se derem aa execuçam E isto soomente nos lugares em que foy posto por foraI ou ouver dello costume. Immemoryal que se ally das ditas execuçoôes levassem as ditas dizimas e doutra maneira nam.

E Ogaado do vento e a pena darma e a liberdade e o Registo e as sacas e a passagem e aduana e assy a portagem com todollos os capitullos ate e fim sam em tudo taaes como Olivença Dada em a nossa villa de Sãtarem ao primeiro dia do mez de junho Anno do naçimento do nosso Senhor jhu Xpo de mil e quinhentos e dez E vay escrito o original em dezoito folhas sob escripto e assinado pello dito fernã de pina.» – (leitura nova de D. Manuel).

Mais documentos, embora não muitos, se encontram respeitantes a Mourão no Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo, mas não cabe na índole do nosso pequeno trabalho dá-los aqui à estampa. Todavia, direi que há dois muito curiosos, por ilustrativos dos costumes do tempo, do primêiro decénio do século XIX, reinado de D. Maria I. Um é a acusação feita contra o juiz de fora, chamado Borralho, que se deixava peitar pelos litigantes, outro uma queixa dos moradores pobres contra os ricos, acusando-os de com seus gados comecem toda a boleta dos montados do concelho, com grave ofensa do foral e não maior prejuízo do gado dos pobres.

 

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