Como fecho da nossa modesta digressão
linguística, não achamos desarrazoado o darmos algumas notas históricas
acerca de Mourão nossa terra natal, a cujo falar fomos extrair o
material que serviu para a urdidura das nótulas.
Mourão, cabeça de concelho, do distrito
de Évora e comarca de Reguengos de Monsaraz, está situada a cerca de 5
quilómetros da margem esquerda do Guadiana. O concelho é constituído
pelas freguesias da vila, da Granja, da Luz, e de S. Leonardo, esta
última anexada à da vila. A população desta é de cerca de três mil
almas; em 1527, no Cadastro da População do Reino, publicado pelo
falecido professor da Faculdade de Direito, Dr. João Teles de Magalhães
Colaço, figura com 305 fogos e mais 48 no termo, figurando também no
mesmo documento a aldeia da Granja com 93 fogos e mais 8 no termo.
Parece haver sido conquistada aos mouros
no reinado de D. Afonso Henriques e haver sido ermada, até que, no
reinado de D. Sancho II foi repovoada por D. Gonçalo Egas, prior da
ordem militar de S. João de Jerusalém. D. Diniz fez dela graça a D.
Tareja Gil, conforme consta do documento que transcrevemos da
Chancelaria do rei lavrador.
O mesmo D. Diniz
mandou construir o castelo de Mourão, deu-lhe foral, que, mais tarde,
foi confirmado por D. Manuel, e se encontra nos livros da Leitura Nova,
existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Tinha assento de
cortes no 4º banco, e nas lutas com Castela sofreu muitas vicissitudes,
ora conquistada, ora reconquistada, o que muito contribuiu para não se
desenvolver tanto como a fertilidade dos seus terrenos parecia prometer.
Nas guerras da Restauração, especialmente, foi alvo de muitas investidas
dos castelhanos que, no ano de 1657, a tiveram como sua, embora por
pouco tempo, pois nesse mesmo ano voltou para poder de Portugal. Das
forças portuguesas que, em 1657, recuperaram Mourão, fazia parte o
célebre capitão Bonina, António da Fonseca, que depois professou e tomou
o nome religioso de Fr. António das Chagas e foi fundador do convento do
Varatojo. O capitão Bonina, muito dado à poesia, em que notabilizou como
místico depois da profissão, compôs o poemeto Mourão restaurado em 29 de
Outubro de 1657, em 62 oitavas. Diligenciei haver às mãos esta obra, mas
baldadas foram minha diligências nesse sentido. Em compensação,
encontrei o 2º tomo de A Fénix Renascida, na página 28, o soneto seguinte,
da autoria de Francisco de Vasconcelos.
/ 75 /
«AO SENHOR JOANNE
MENDES DE VASCONCELLOS
TENENTE GENERAL,
RENDENDO A PRAÇA DE MOURÃO.»
Soneto
ESSE muro em ruínas desatado
Que hoje se prostra a esses pés rendido,
De haver injusto Império obedecido,
Se rebelde peccou, jaz castigado.
MAS tanto de seu dano acreditado,
Por se aver dessa espada combatido,
Que das mesmas ruínas presumido,
Quasi recusa o verse reparado:
COM ambição de eterno luzimento,
No mesmo estrago a tam famosa História,
Téplo vos fuda, & clama em língua ceto,
PORQUE dessa ruína à vossa glória,
Cada bocca vozea hum sentimento,
Cada pedra edifica huma memória.»
Mourão tem como brasão de armas cinco
escudos com as quinas postas em cruz sobre campo azul, tendo o escudo,
inferior de um lado, o sol de ouro, de outro a lua de prata.
Dois
documentos inéditos
«Carta de graça que elrey
fez a Dona Tareija gil
que teuesse essa vida a
vila Mourõ.»
Don Denys pela graça de deos Rey de
Portugal e do Algarue aquantos esta carta vire. Faço saber que Eu
querendo fazer graça e mercee, avos dona Tareija gil, douvos que
tenhades de my. por en todos vossos dias a vila de Mourõ; que he
terminho de Moura cõ todos seus dereitos e todos seus terminhos cõ todas
sas perteeças e aiadas ende as rrendas e todolos os outros dereitos assi
como os aviades.
/ 76 / quando tynhades esse
logar delRey dom Sancho.
E douvola en tal mãnra. que vos avidedes
dela ê vossa vida como dito he e avossa morte que fique amy e aacoroa do
Reyno de Portugal livre e quite cõ todas Ias melhorias que vos hy
fezerdes. En testemunho destoo dey ende avos esta mha carta. cõ meu
seelo pendente. Dât. en Salamaca. XV dias de julho. elRey o mandou per
johã Simhõ. lourenço estevez de (?) affez. E. M.CCCXXXVI annos.» (Chanc.
de D. Denis).
Foral
da villa de mourã dado per
EIRey
dom dinis.
Dom Manuel Ect.
Primeiramente avemos daver na dita villa
o terço dos dizimos das Igreias dei Ia na maneira que sempre atee ora se
costumou e levou sem nenhuna cõtradiçã. E assy mãdamos que se faça daquy
adiante sem outra innovaçam.
Arecadesse isso mesmo a petiçã dos
taballiães da dita vila os quaaes pagarã como sempre pagaram sem nenhüa
ennovaçãm nem contradiçam.
Outro sy a barqua da passagem da dita
villa he nossa no Rio do diana na qual passãge nõ poderá nenhüa pessoa
fazer nenhüa barca nê batel. Salvo nos ou por nosso
mandado. a qual passage he livre aos
moradores da dita villa e seu termo por hum soldo que soomente nos darã
ou onze ceitys por elle em cada hum anno. E por esta liberdade de que
alli gozam todo o anno pera suas pessoas e cousas suas sam obrigados os
vezinhos da dita villa delallagar a barca e allagalla de cada vez que
comprir e pera isso forem requeridos sem por isso auerê por seu trabalho
nenhum pagamento. O qual custume aprovamos e mandamos que ao diante assy
sê faça se outra ennovaçam. E pera ao diante se nam fazer ennovaçam nem
acrecentamento da paga da dita passagê. Mandamos aos juízes e oficiais
da dita villa que com o nosso almoxerife e officiaes dos ditos drtos Nos
tirem Inquiriçam por homes àtygos e por
tal maneira per que verdadeiramente se
saiba o verdadeiro preço e cõtija que se pagava nos tempos passados de
passagem da dita barca e batel E os preços em que se todos ou a mayor
parte affirmarem e concordarem que se levava das ditas passagêes nos
tempos passados até a era de quinhentos essas mesmas conthyas soomente
se levaram nas ditas passages e nam outras sem embargo de agora por
outra mani.a e preços se levar. As quaaes somas farees poer na fim deste
foraI p.a agora e em todo o tempo se saber o que das ditas cousas se
ouver de pagar assi aos vezinhos como aos nam vezinhos e assy hindo o
Rio na madre como fora da madre
/ 77 / sem embargo de agora
por outra maneira se pagar.
Os maninhos sam do concelho dados pelos
sesmeiros em camara e ficam de sua propriedade aaquelas pessoas a que os
dam sem dessa pagarem foro nenhum.
Os montados sam do concelho e dos gaados
que vierem pastar aos seus termos sem terem sua vezinhança ou licença
que levem por rebanho de gaado grande ou pequeno sessenta reis por a
primeira vez e polia segunda dobrado e polia terceira o dobro de tudo. E
o Rebanho de gaado meudo seraa de Cem cabeças e dy para cima. E de
porcos cinquoenta. E de gaado mayor vacaril trinta e da dita soma para
báxo pagaram por cabeça de gado vacaril dez reis E por cabeça de porco a
quatro reis e do gaado meudo a dous Reis E adicta coyma se nam levaraa
aos que teverem Irmandade ou Vezinhança como dito he com o dito luguar
Nem se levaraa salvo des que o malham for todo descuberto e o gaado
andar todo dentro no dito termo E as ditas penas se nam entenderem na
coutada damarella porque de cada hum dos ditos Rebanhos de cima que for
achado que dormia na dita coutada pagaraa quinhentos soomente E se os
ditos gaados nam chegarem a Rebanho seg.o a cãtidade e numero sobredito
pagaram sendo achados de dia por cabeça mayor vinte reis e por porco dez
reis e polia miudo a quatro reis ate e chegar a dita contia dos mil Reis
e mais nam Esse forem achados de noite pagarã dobrados os ditos preços
segundo a cai idade de gaado que alli for achado.
E a dizima das sentenças se nam levaraa
na dita Villa mais em nenhum tempo polia dada delas seg.o se agora
levavam porquanto assy foy ora determinado geeralmente per nos com os do
nosso desembargo em Rellaçam por nam seer achado dereito nem Rezam pera
isso E soomente foy acordado se poderem levar as dizimas das sentenças
condenatorias quando soomente se derem aa execuçam E isto soomente nos
lugares em que foy posto por foraI ou ouver dello costume. Immemoryal
que se ally das ditas execuçoôes levassem as ditas dizimas e doutra
maneira nam.
E Ogaado do vento e a pena darma e a
liberdade e o Registo e as sacas e a passagem e aduana e assy a portagem
com todollos os capitullos ate e fim sam em tudo taaes como Olivença
Dada em a nossa villa de Sãtarem ao primeiro dia do mez de junho Anno do
naçimento do nosso Senhor jhu Xpo de mil e quinhentos e dez E vay
escrito o original em dezoito folhas sob escripto e assinado pello dito
fernã de pina.» – (leitura nova de D. Manuel).
Mais documentos,
embora não muitos, se encontram respeitantes a Mourão no Arquivo
Nacional da Tôrre do Tombo, mas não cabe na índole do nosso pequeno
trabalho dá-los aqui à estampa. Todavia, direi que há dois muito
curiosos, por ilustrativos dos costumes do tempo, do primêiro decénio do
século XIX, reinado de D. Maria I. Um é a acusação feita contra o juiz
de fora, chamado Borralho, que se deixava peitar pelos litigantes, outro
uma queixa dos moradores pobres contra os ricos, acusando-os de com seus
gados comecem toda a boleta dos montados do concelho, com grave ofensa
do foral e não maior prejuízo do gado dos pobres. |