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"Cegos guiando
cegos" de Pieter Bruegel, 1568 |
Uma das mais perigosas situações que hoje os povos enfrentam resulta da
grande disparidade entre os avanços tecnológicos dos últimos decénios e
a incapacidade para entender os perigos no seu manuseamento por parte
dos políticos responsáveis por questões vitais para a humanidade. Muitos
deles comportam-se como os cegos da parábola: cegos conduzindo outros
cegos à beira do abismo. Completamente alheados daqueles que lhes
confiaram uma boa parte da condução das suas vidas, pensam exclusivamente
em si e na sua gente. Sem avaliar as consequências dos seus actos, nem
para as maiorias que prometeram governar da melhor forma, nem para o
próprio planeta que, recorda-se, é o único que temos.
Vem esta alusão a propósito, mais uma vez, da catástrofe de Fukushima
(1) que tenho abordado em artigos anteriores. Volto ao assunto,
contrariando a promessa de não mais o fazer, porque a gravidade da
situação assim o obriga. Longe de estar resolvida como prometido pelos
responsáveis, começa a ficar totalmente fora de controlo, ameaçando
literalmente meio mundo. As últimas notícias (22/12/2013) apontam para
um nível recorde de radiação. A humanidade poderá estar à beira de uma
catástrofe de proporções nunca vistas e consequências inimagináveis:
“Uma guerra nuclear sem guerra”, na expressão de um escritor japonês,
Haruki Murakami (2). “Ninguém lançou nenhuma bomba sobre nós. Nós a
lançámos sobre nós próprios,” acrescenta.
As dificuldades na reparação/demolição da danificada central nuclear
japonesa têm aumentado de forma alarmante. Neste exacto momento, decorre
a remoção dos bastões radioactivos danificados. Segundo especialistas,
se algo correr mal ou se surgir outro tremor de terra de grau superior a
7, a catástrofe pode ainda aumentar, sendo dezenas de vezes superior à
de Chernobil. Pode, no extremo, tornar inabitável todo o hemisfério
Norte durante séculos. Estamos a falar de uma situação cuja radiação
equivale a cerca de 14 mil vezes a bomba lançada pelos americanos no fim
da 2ª guerra mundial na localidade também japonesa de Hiroshima (2).
Neste momento a nuvem radioactiva alastra pelo Japão, obrigando à
evacuação das populações de zonas envolventes cada vez maiores. A costa
oeste dos EUA já foi atingida pelos ventos radioactivos que atravessam o
oceano Pacífico. As águas poluídas estão a caminho e aí chegarão em
breve. Ironicamente, serão os próprios EUA os primeiros, depois do Japão,
a sofrer os impactos da negligência da empresa exploradora, a
norte-americana Tepco. As delicadas tarefas de remover os destroços,
evitar as fugas de água radioactiva e selar a semi-destruída central
nuclear continuam a estar nas mãos dessa empresa, segundo alguns,
incompetente e corrupta. O governo japonês parece estar mais interessado
em criar um conflito militar com a China do que em resolver o problema.
Problema esse que já ultrapassou as fronteiras japonesas para se
transformar numa questão mundial. Cientistas de vários países apelam aos
responsáveis políticos mundiais para uma conjugação de esforços que
permita encontrar uma saída para esta situação extraordinária, que
requer, também ela, soluções extraordinárias (3). Mas esses dirigentes
em quem os povos delegaram a responsabilidade de bem gerir este planeta
parecem mais, como dizia um comentador político, um bando de
irresponsáveis chimpanzés brincando com granadas. Talvez com a excepção
da Alemanha, que está a tomar medidas para impedir novas centrais,
embora apenas no seu território, nenhum responsável político parece
importar-se com o futuro (4).
Estes casos espelham bem os perigos a que pode estar exposta a
humanidade quando os mais altos responsáveis políticos se comportam como
os cegos da parábola, conduzindo os povos na direcção do abismo. Os
cegos conduzindo outros cegos é cada vez menos uma parábola e mais uma
terrível realidade. A dificuldade em compreender as tecnologias
perigosas aumenta com o acentuar da crise moral e a ascensão de
dirigentes ignorantes e mentalmente perturbados ao poder. É urgente agir
antes que a cegueira destes dirigentes nos atire para o abismo. Os
técnicos e cientistas responsáveis de todo o mundo têm o dever de
intervir tecnicamente para evitar o desastre total (5). Aos povos
compete afastar do poder os inconscientes dirigentes mundiais que os (des)governam.
O número e a intensidade das catástrofes naturais aumenta em cada ano
que passa. É impossível não relacionar esses factos com o acentuar da
depredação provocada pelo homem no ambiente. Crescem os acidentes
provocados pela negligência e a sede do lucro. A fila dos cegos é
interminável e Fukushima está aí, ao virar da esquina.
__________________________
NOTAS
(1) –
A catástrofe de Fukushima, na costa oriental do Japão, ocorreu na
central nuclear do mesmo nome, às 14h45 de 11de Março de 2011, na
sequência dos danos causados nos reactores por um sismo ao largo do
Japão, seguido de tsunami, para os quais as instalações não estavam
preparadas para resistir. Os trabalhos de reparação têm merecido as
críticas da comunidade científica, que os considera deficientes e
perigosos.
(2
–
Citado por Michel Chossudovski – (Global Research)
(3) –
Neste momento decorre uma “Petição apelando para uma acção imediata
sobre as incontroladas descargas radioactivas na central nuclear Tepco’s
de Fukushima”.
https://fs220.xbit.jp/n362/form2/
(4)
–
A teoria dos donos do poder no mundo, muitos, accionistas de
petrolíferas em diferentes continentes, ou donos de minas de carvão, ou
de montadoras, ou de siderúrgicas movidas a carvão, é que a tecnologia
resolverá o problema. E assim vão ganhando tempo. Que depois faltará,
certamente.
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Mudanca-climatica-a-insanidade-comanda-o-planeta/3/29541
(5)
Especialistas da ONU começaram recentemente a colaborar na inspecção dos
trabalhos de Fukushima. (Prensa Latina).
Obs.
–
Foram eliminadas as hiperligações inactivas. As que se mantêm poderão
eventualmente vir a deixar de funcionar.
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