«A povoação de Mértola está situada sobre um alto cabeço que se ergue
abruptamente sobre a confluência da ribeira de Oeiras com o rio
Guadiana. A sua posição era do mais alto valor militar, não só pelas
condições topográficas, que a tornavam quase inexpugnável por todos os
lados, à excepção do nascente, mas ainda por ser testa de navegação do
rio Guadiana, comandar a sua travessia, e ser o porto e ponto de
passagem natural e forçado das comunicações terrestres de todo o
Alentejo e o Algarve e o mar.
Até ao primeiro quartel do século actual, as comunicações terrestres
entre Lisboa e o Algarve faziam-se quase exclusivamente pela estrada de
Beja e Mértola, descendo-se depois o Guadiana até castro Marim, e mais
recentemente até Vila Real de Santo António.
A sua importância militar e valor político, comercial e económico, foram
sempre grandes, desde a mais remota antiguidade, mercê de estar situada
numa região de solo rico em produtos agrícolas e pecuários, e abundante
em jazigos minerais
(1), com saída para o mar.
A sua fundação perde-se na noite dos tempos e a primitiva fortaleza deve
ter consistido num castro neolítico ou de povoamento. Quando, muitos
séculos depois, ali chegaram os fenícios, já Mértola deveria constituir
uma forte e grande citânia.(2)
Quando os romanos invadiram pela primeira vez a Lusitânia, encontraram
em Myrtilis uma povoação florescente, digna de lhe ser concedida a honra
e o privilégio de cidade municipal do antigo direito latino, a tal ponto
que Júlio César lhe concedeu o título de Myrtilis Julia.
Ocupada a cidade de Mértola pelos romanos, era natural que a
fortaleza fosse completamente remodelada segundo a sua arte
castrense, transformando-se numa potente base de ocupação. Com a
invasão dos bárbaros do Norte, no princípio do século VIII, Mértola
ficou reduzida a um montão de ruínas. |
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Mértola – Planta da fortaleza |
Os árabes trataram depois de reconstruir a antiga Myrtilis que, embora
não ficasse com a vastidão e magnificência da nobre cidade romana, ficou
sendo uma povoação importante, devido à sua privilegiada situação.
As guerras entre mouros e cristãos, nos séculos VIII ao XIII, também
arruinaram muito a povoação de Mértola, que deixou de merecer o nome de
cidade.
Mértola foi conquistada aos mouros por D. Sancho II, em 1239, segundo
uns, e, segundo outros, tomada por D. Paio Peres Correia em 1242, o que
parece mais provável.
D. Sancho II mandou restaurar as suas fortificações em 1239, dando-lhe
foral com o título de Vila, e doando-a à ordem de S. Tiago nesse mesmo
ano, com a obrigação de a povoar e prover à sua defesa.
Pouco se desenvolveu a povoação até 1250, em que D. Afonso III expulsou
para sempre os mouros do Algarve. Foi então repovoada de novo.
D. Dinis mandou restaurar as muralhas, já muito arruinadas, e deu novo
foral à viola, em 1287, no qual confirmava os seus antigos privilégios.
D. Manuel deu-lhe foral em Lisboa em 1 de Julho de 1512, mandando também
reparar a fortaleza, que é a desenhada por Duarte Darmas.»
Mértola – Vista tirada da banda do
nordeste.
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(1)
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A vasta zona mineira que se estende desde o Rio Tinto, em Espanha,
outrora pertença da Lusitânia e passa por S. Domingos, Aljustrel e Canal-Caveira até mergulhar no Atlântico, vem sendo explorada, embora
com largas intermitências, desde os primórdios da idade dos metais. Nas
várias vezes que percorremos a região compreendida entre os rios
Guadiana e Chança até à serra de Ficalho, tivemos ocasião de encontrar
abundantíssimos restos de explorações mineiras, especialmente de cobre,
desde as mais simples e rudimentares até às mais completas e modernas,
como são as de S. Domingos.
(2) –
Corre a versão que Mértola foi fundada pelos fenícios, à qual teriam
dado o nome de Myrtilis. Ora Mértola já tinha muitos séculos de
existência, e sofrido os embates da civilização de gregos e
cartagineses, quando uma forte armada de fenícios fugidos de Tyro, por
causa da tomada desta cidade por Alexandre Magno (História de Alexandre
Magno por J. C. Droysen) aportou em 318 a. C. à embocadura do Guadiana,
e, porque não lhe foi permitido ali estabelecer-se, subiu este rio, e
veio fixar-se às vistas de Mértola, onde fundou uma colónia, que reatou
momentaneamente as antigas relações económicas com os povos da Fenícia. |