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A LUZ NA SOMBRA
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António Galvão |
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Tinha que resolver o mais rápido possível a situação insuportável de dependência filial de um Pai anacrónico, que bate na Esposa, tem amantes em barda e é rico que nem um Rei do Petróleo.
Acabara recentemente o Sétimo Ano Liceal, mas mesmo que a vocação fosse as Belas Artes, não podia aguentar mais o comportamento familiar do lar e decidiu partir rumo ao Sul.
Levou apenas o essencial de sobrevivência: uma mala de viagem com roupa necessária para o que desse e viesse, o cavalete, mais uma caixa de tintas, e no bolso do casaco a quantia da mesada paternal actualizada.
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Era doente, padecia de Epilepsia, com ataques frequentes, mas controlados com os medicamentos regulares que teria de suportar para o resto da vida.
O Comboio iria partir dentro de poucas horas. Era só despedir-se da Mãe, que ficaria a chorar baba e ranho desmedidamente, a sofrer, mas que por outro lado até ficaria aliviada, pois era como que a ausência do filho fosse castigar o marido.
Bilhete comprado, destino Porto-Lisboa e, chegado à Capital, talvez escolhesse outra caminhada, dependendo daquela voz interior que o entusiasmava.
Tinha uma alma de artista: escrevia poemas, normalmente dedicados à Mãe, e sempre julgou que habitava dentro dele o espírito sofredor do célebre pintor Van Gogh, pois os primeiros quadros a óleo que pintou, que, tanto pelos motivos, assim como pela técnica, apresentavam semelhanças impressionantes com a Obra dele, mas faltavam-lhe a luz, os temas figurativos, que nunca encontrou no Norte da sua nascença.
Lia com frequência os belos sonetos de Florbela Espanca e, sob a influência desse mundo poético, ficava-lhe cada vez mais avolumado o apetite de vagabundear pelos espaços
“…das horas dos mágicos cansaços…”
, como ela tão bem soube retratar.
Assim a estadia por Lisboa foi bem curta e, novamente ansioso, encontrava-se agora metido no Comboio que o levaria do Barreiro para Beja.
Em Beja, já a sentir a beleza de um clima mais de acordo com as suas divagações, acabou optando por outro destino que os sonhos lhe pediam e, como ia partir a Automotora do Ramal de Moura, depressa comprou o bilhete e, ao som do velho motor a Diesel das duas carruagens foi-se embrenhando no coração do Alentejo profundo.
Era Agosto. Ao longe, na imensa paisagem amarelada da Planície, como que estivesse na bigorna do Sol, sentiu-se realizado: Acabava por descobrir o verdadeiro sentido da Pintura que até agora o tinha
frustrado:
Ali estava a Luz
viajando na Sombra.
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