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A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

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O DESTINO DOS LIVROS

Pesquisa de Graça M. V. Anjos Jordão

Imagem de uma antiga tipografia. Clicar para ampliar.

Há um provérbio latino que diz: até os livros têm destino. O destino de um livro é por vezes mais estranho do que o de um ser humano!

Vejamos, por exemplo, a obra do poeta grego Alkman. O rolo de papiro com os seus poemas chegou até nós da maneira mais curiosa. Teria desaparecido há muito se não tivesse sido enterrado. Mas foi sepultado exactamente como uma pessoa.


Os antigos Egípcios tinham por hábito pôr, no túmulo, com a múmia, isto é, o corpo do homem embalsamado, todos os seus papéis e livros. Cartas, livros de ciência, poemas de pessoas que viveram há milhares de anos, descansaram, assim, no seio das múmias até aos nossos dias.

Os túmulos Egípcios conservaram muitos livros que as bibliotecas não teriam podido conservar!

A maior biblioteca Egípcia, a de Alexandria, foi incendiada quando da conquista pelas legiões de Júlio César. Quantos maravilhosos manuscritos desapareceram quando esses milhões de rolos que lá estavam foram queimados! Aquilo que conservamos dela, são apenas alguns fragmentos de catálogo. Destes livros que fizeram rir e chorar os seus leitores, apenas possuímos os títulos, como se fossem nomes escritos em campas de pessoas mortas e esquecidas.

Ainda mais espantoso é o destino dos livros que se salvaram porque tentaram destruí-los! Na verdade, não era o livro propriamente que se queria destruir, mas o texto. Na Idade Média, quando o pergaminho custava caro, raspava-se o texto original com uma faca e escreviam-se as vidas dos santos no sítio onde estavam escritos poemas gregos ímpios ou obras da história romana. Existiam especialistas de raspagem e destruição de livros.

A maioria dos livros teria perecido às mãos destes carrascos se não se tivesse encontrado maneira de restaurar os livros destruídos ou palimpsestos, como se chamam. A tinta tinha penetrado tão profundamente no pergaminho que mesmo a mais rigorosa raspagem não podia fazer desaparecer todo o vestígio do texto.

Mergulhando o manuscrito em certas matérias químicas, a sombra azul ou vermelha da antiga escrita torna a aparecer à superfície.

Mas não nos alegremos antes de tempo! Porque muitas vezes, depois deste tratamento, o manuscrito começa a enegrecer e, por fim, o texto torna-se tão impreciso que é impossível lê-lo. Era o que acontecia quando se empregava o ácido tirado da noz de galha para restaurar os palimpsesto. Em todas as bibliotecas há vários manuscritos que sofreram uma dupla morte!

Conta-se a história de um sábio que, restaurando um determinado palimpsesto, destruiu de propósito manuscritos para ocultar os erros que tinha feito na tradução.

De há tempos para cá, em vez do ácido tânico, utilizam-se outras substâncias que fazem sobressair a antiga escrita durante um período de tempo muito curto. Enquanto o texto está visível, fotografa-se e, depois, lavam-se os ácidos. E até, graças a descobertas mais recentes, consegue-se tirar fotografias aos palimpsestos sem qualquer preocupação química.

Mas se os livros têm os seus inimigos, também têm amigos, que os procuram nos túmulos egípcios, debaixo das cinzas de Herculano e de Pompeios, e nos arquivos dos mosteiros.

Conhece-se uma história interessante de um destes bibliófilos, Capitão Maffei, e das circunstâncias em que descobriu a biblioteca de Verona. Tudo quanto se sabia acerca desta biblioteca que tinha tido manuscritos latinos muito preciosos, havia sido descoberto nos apontamentos deixados por viajantes que tinham passado por Verona muito tempo antes de Maffei. Dois sábios célebres, Mabillon e Monte-Faucon, tinham andado à procura dela, mas não a haviam encontrado. O seu insucesso não fez desanimar Maffei. Embora não fosse paleógrafo, mas apenas apreciador de livros, pôs-se à procura com afinco. Encontrou, finalmente, a biblioteca no próprio sítio onde os predecessores a tinham procurado em vão, isto é, na própria biblioteca de Verona. Os livros não estavam dentro dos armários desta biblioteca, e ninguém antes de Maffei se tinha lembrado de trepar a uma escada e de procurá-los em cima dos armários, onde os preciosos manuscritos repousavam, havia muitos anos, na poeira e na desordem!

Maffei ia desmaiando de alegria! Diante dele estavam os mais antigos manuscritos latinos do mundo!

 Poder-se-iam escrever ainda muitas coisas sobre o destino dos livros: dos que desapareceram na biblioteca de Alexandria, dos que se perderam nas bibliotecas dos Mosteiros, dos que foram queimados nas fogueiras da Inquisição, dos que se perderam durante as guerras.

Do destino dos livros dependia muitas vezes o destino das pessoas, dos povos e mesmo dos países. Os livros não serviam só para contar histórias e para ensinar. Participaram nas guerras e nas revoluções, ajudaram a destronar os reis; os livros combateram tanto no campo dos vencedores como no campo dos vencidos. E, às vezes, à primeira vista se vê a que partido pertencia o livro.

Vi, numa biblioteca académica, livros franceses publicados antes da revolução de 1789. Um deles é um grande volume orgulhoso, com fechaduras de luxo e lindas gravuras. Era um livro de monárquicos, um livro do tempo dos reis soberbos. Outros livros eram tão pequenos que se podiam meter facilmente na algibeira, escondê-los na mão. Eram os livros dos revolucionários. Faziam-nos pequenos para poderem atravessar com eles as fronteiras e propagá-los em tempos de revolta.

Assim, o formato de um livro não é devido ao puro acaso! E porque a vida dos livros foi sempre inseparável da dos homens, os livros tomam a medida que convém a estes.

Faz-me lembrar a história de um homem e dos seus livros que morreram juntos na mesma fogueira! Isto passou-se em França, no século XVI. em 1546, os operários tipógrafos da cidade de Lião entraram em greve. Era a primeira greve dos operários tipógrafos! E uma greve que devia durar dois anos. Ora, um dos patrões, Estêvão Dolet, tomou o partido dos operários contra os patrões.

A greve terminou, mas os patrões tipógrafos não esqueceram a afronta. Cinco anos mais tarde foi apresentada uma queixa na faculdade de tecnologia na Universidade de Paris . Os mestres tipógrafos da cidade de Lião acusaram Estêvão Dolet de imprimir livros anti-religiosos. O julgamento foi rápido. Condenaram-no ao suplicio e queimaram-no, na praça Maubert, com todos os seus livros.

Acabo este último capitulo com pena de ter dito tão pouco sobre esta tão grande maravilha que é um livro.

 

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