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AGRICULTURA TRANSGÉNICA
VERSUS AGRICULTURA BIOLÓGICA
A MIRAGEM DE UMA COEXISTÊNCIA
 

Isabel Carvalho

A notícia da destruição de quase um hectare de milho transgénico na Herdade da Lameira, em Silves, poderia ter sido o mote para um rigoroso e alargado debate sobre os transgénicos, ou seja, sobre o organismos geneticamente modificados, vulgarmente ditos OGM e a sua coexistência com as produções agrícolas convencional e biológica. Mas, não.

O evento que mobilizou a atenção do País, incluindo a dos governantes nacionais, apagou-se ao confinar-se ao aspecto criminal da acção.

Talvez por isso, não me tenha sido indiferente a opinião de um agricultor biológico há 17 anos radicado no Algarve, divulgada num vespertino nacional, para quem «tal como o ruído e o silêncio não conseguem coexistir, também a agricultura transgénica inevitavelmente exclui todas as outras formas de produção».

Para este homem a coexistência não passa de uma miragem, de uma «manobra que permite a algumas empresas apropriarem-se do património genético que pertencia a toda a humanidade... e tudo isto para aumentarem os seus lucros de curto prazo, quando a sustentabilidade da terra é o capital de que os nossos filhos e netos vão ter de viver, e não está à venda».

Outro episódio noticioso digno de registo aconteceu a 5 de Abril de 2006, quarta-feira. Nesse dia, os portugueses, ­os que lêem jornais, — tomam conhecimento de que «a generalização do cultivo de plantas geneticamente modificadas (OGM) em Espanha está a causar a contaminação generalizada das culturas não transgénicas, colocando em risco tanto os agricultores convencionais como os biológicos, além de pôr em causa o direito à escolha dos consumidores».

A citada notícia tinha na sua base o relatório 'Coexistência Impossível', publicado pela Greenpeace aquando do arranque da conferência da Comissão Europeia sobre coexistência entre culturas transgénicas e não transgénicas, que decorreu em Viena.

O relatório evocado fundamentava-se em investigação pormenorizada, que incluía testes laboratoriais de amostras recolhidas nos campos de milho de 40 produtores biológicos e convencionais de Aragão e da Catalunha. E, os resultados obtidos não deixavam dúvidas: com os transgénicos por perto / p. 48 / não há agricultura convencional ou biológica que resista.

No documento aparece registada a presença indesejada de milho transgénico «num quarto dos casos estudados», atingindo a contaminação o extraordinário valor de 12,6 por cento, o que, para um número alargado de agricultores biológicos teve, logicamente, consequências nefastas e avultados prejuízos.

Em três casos concretos — divulgados no relatório — o património que se perdeu não tem preço, na medida em que «foram destruídas variedades regionais de milho seleccionadas ao longo de várias décadas».

Assim, neste como em outros casos de contaminação, o que está em risco de se perder é, em primeira instância, a biodiversidade agrícola e, em última análise, toda a biodiversidade.

Aliás, a falta de debate deste tema na sociedade portuguesa, para não dizer o silêncio que o rodeia é de tal ordem que a desinformação atinge proporções preocupantes.

A Comissão Europeia, porém, em 2005, autorizou o cultivo de 30 variedades de milho transgénico em toda a União. Só em Espanha cultivaram-se cerca de 100 mil ha. Em Portugal, o maior importador de milho espanhol (66 mil toneladas em 2005), o cultivo deste milho estendeu-se por mais de 700 ha, embora o Poder Local vá dando sinais de não querer pactuar com os transgénicos.

É, aliás de recordar, ainda a propósito do milho transgénico de Silves, que 12 municípios nacionais e a região do Algarve, oportunamente, aprovaram e declaram-se Zonas Livres de Transgénicos. O mais recente exemplo, que vem aqui ao caso, pertence exactamente ao território algarvio, onde o concelho de Lagos viu reconhecida, em Diário da República, a sua pretensão de permanecer Zona Livre. Mas, apesar de tudo, o caso de Silves abre a porta à dúvida: Quem poderá garantir aos consumidores portugueses que os transgénicos ficam fora do prato?

«Transgénicos Fora do Prato» é a designação de uma associação liderada por Margarida Silva (bióloga e docente universitária), que integra diferentes entidades não-governamentais da área do ambiente e da agricultura, que a propósito desta matéria têm produzido informação rigorosa e diversificada, além de promoverem o seu debate.

Das leituras efectuadas e dos argumentos que escassamente chegam ao grande público resulta claro que nos antípodas da agricultura transgénica está a agricultura biológica, cada dia mais ameaçada.

Ora é socorrendo-me de um trabalho de Margarida Silva, intitulado «Alimentos Transgénicos — Um guia para consumidores cautelosos» que me apraz divulgar alguns aspectos que todos / p. 49 / devíamos conhecer para melhor decidir e orientar as nossas escolhas, pois ao contrário do que muita gente pensa este tema ou esta problemática não começou ontem.

Em rigor, conforme o supracitado trabalho, «a venda legal de sementes geneticamente modificadas para cultivo comercial iniciou-se em 1992, na China, com tabaco alterado para resistir a ataques de vírus; mais tarde, em 1994 foi o tomate resistente a vírus (na China) ou com amadurecimento retardado (nos Estados Unidos da América».

Estes foram de algum modo, os primórdios, porque, daí em diante, o mercado oferece cada vez mais versões de organismos geneticamente modificados, como é o caso da soja, milho, algodão, colza, abóbora, batata, linho, papaia, flores e sabe-se lá mais o quê.

Segundo Margarida Silva, «a nível mundial, apenas quatro países produzem 99 por cento de todos os OGM». E, nesta corrida, o pódio é ocupado pelos Estados Unidos da América (66 por cento), Argentina (23 por cento), Canadá (seis por cento), China (quatro por cento), além da África do Sul, Austrália,      México, Espanha e Roménia, entre outros países, que apresentam percentagens mais pequenas».

Seja como for, mesmo nestes países onde as percentagens são ainda baixas, os relatos de contaminações de explorações agrícolas não-transgénicas são uma realidade. E, é por esta e por mais um conjunto alargado de questões que cientistas, ambientalistas e cidadãos de vários pontos do planeta estão preocupados e consideram a questão dos OGM como uma das mais graves a nível ambiental.

Assim, não é descabido perguntarmos, se a intenção era conseguir uma agricultura limpa, porque não se optou por seguir e incentivar as práticas da agricultura biológica, que não necessita nem de pesticidas nem de OGM, para obter uma boa produtividade?

Aliás, a agricultura biológica é reconhecidamente uma forma de cultivar a terra que respeita o ambiente, a biodiversidade, o bem-estar animal e a saúde humana, apresentando-se desta forma como uma prática sustentável. E, o pior é que a proximidade dos transgénicos está a pôr em causa a sua existência.

Para ilustrar o alcance da reflexão que teci em tomo desta questão lembro aqui uma prosa de uma revista científica referida por Margarida Silva, onde somos informados que «um pomar de macieiras em produção biológica não só é mais produtivo, como protege melhor o ambiente (no curto e, em particular, no longo prazo) e ainda tem maçãs com sabor mais apurado do que um pomar equivalente em regime convencional».

 

/ p. 50 / Mas tudo isso será uma miragem. Tudo isso pertencerá ao passado se nada for feito para travar a ameaça das sementes geneticamente modificadas.

A ironia é que a verdade sempre vem ao cimo, sempre tarde demais.

Já a hipocrisia é uma constante diária. Veja-se por exemplo que num estudo encomendado pela Comissão Europeia se prevê o aumento dos custos de produção para os agricultores, convencionais e biológicos, num quadro em que coexistem os três tipos de práticas agrícolas. Mas, como? Se no mesmo documento se reconhece que a coexistência da agricultura biológica e da agricultura transgénica é impossível se se mantiverem com os actuais padrões.

Neste contexto a questão primordial subsiste e não há volta a dar-lhe, pois volvidos todos estes anos continuamos a não ter respostas concretas e rigorosas sobre quais serão, no futuro, os impactos dos OGM sobre o nosso mundo tal como o conhecemos e sobre nós próprios.

Estará algum cientista em condições de excluir a hipótese de que iniciámos um processo perigoso, que pode não ter retorno?

Estará algum iluminado capaz de assegurar que os perigos inerentes a esta caminhada não existem?

Haverá alguém que devidamente informado e consciente não comece a perspectivar a necessidade de se criarem bancos de todos os organismos hoje existentes à face da terra, incluindo dos nossos próprios genes?

É que, do mesmo modo que o passado se repercute no presente, também este irá determinar o futuro. Um futuro que muitos desejamos sustentável...

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