Apetece-me falar dos Estaleiros Navais de São Jacinto. Estiveram sempre
ligados à E.P.A. e também a mim por razões familiares.
S.
Jacinto era para mim uma miragem. O meu Pai, embora civil, era o chefe
das oficinas mecânicas da Base Aérea. A minha mulher tinha em
S. Jacinto
uma tia/madrinha. Lembro-me de fazer reuniões com a administração da EPA,
onde estava presente o Sr. Moutela, como representante da “Fundação
Roeder”. Por tudo isto e não só, considero lamentável que Aveiro tenha
perdido uma Empresa desta dimensão, que chegou a empregar 700 pessoas.
O Sr.
Carlos Roeder, representante dos motores diesel “Guldner”, convenceu o
Sr. Egas a motorizar os lugres, já que começava a ficar obsoleta a pesca
do bacalhau à custa do vento! E fê-lo cedendo os motores a crédito. O
Sr. Egas Salgueiro retribui concedendo-lhe uma quota na E.P.A., na
qualidade de consultor técnico.
Em
1940, quando foram fundados os estaleiros em plena Segunda Grande
Guerra, a actividade não se confinou à construção naval. O Sr.
Carlos Roeder, que tinha cursado Engenharia na Alemanha, calculou ele
mesmo o hangar para a base militar de S. Jacinto, então pertencente à
Marinha, com um vão de 60 metros, destinado a abrigar os hidroaviões
instalados nesta base. Foi ele o introdutor em Portugal da soldadura
eléctrica.
Enquanto consultor da EPA, Carlos Roeder, em 1935, mandou construir
na Dinamarca,
para a
empresa de pesca, o arrastão de pesca à linha Santa Joana. Em 1939, foi
a São Pierre et Miquelon comprar como sucata o navio Spitzberg,
pertencente à empresa de pesca La Morue Française,
destruído por um incêndio.
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Vista aérea dos estaleiros navais
de São Jacinto em 1956. Na
carreira encontra-se o navio João Ferreira, construção número 26. Atracado ao cais, a
lancha da carreira de Aveiro-São Jacinto. Confrontar esta imagem com
a situação actual, documentada na reportagem fotográfica de 2013. →
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A situação de guerra que então se vivia, fez com que os estaleiros
navais só começassem a laborar plenamente após o final deste conflito,
ou seja, a partir de 1945. As primeiras grandes construções foram o
hangar de São Jacinto, anteriormente referido, e a recuperação dos
salvados do Spitzberg, que deram origem a uma nova embarcação baptizada
com o nome de «Santa Princesa».
Em
1951 executou, com 10 anos de avanço, o primeiro “ Jumboising” em
Portugal, que consistia em cortar um navio e aumentá-lo para incrementar
a sua capacidade de carga.
Construiu
em 1958
o Rio
Alfusqueiro, também como navio de pesca à linha, mas em aço,
posteriormente transformado para a pesca de arrasto lateral. Para a
pesca de arrasto costeiro, construiu em 1958 o Rio Cértima. Em 1964, embora
no cais da EPA na Gafanha e em colaboração com o nosso Chefe Teotónio
França Morte,
transformou o clássico Santa Mafalda, que tinha sido construído em
Itália.
Em 1965,
construiu dois navios gémeos, o Santa Isabel e o Santa Cristina,
projectados pelo arquitecto naval alemão Conrado Birkoff.
Mais
tarde, transformou o Santa Mafalda de popa, construído na Lisnave.
Em 1982,
foi o único estaleiro em Portugal a concretizar o projecto “Campbell” de
San Diego, com a construção de dois atuneiros oceânicos de alta
tecnologia, com helicóptero a bordo, para a pesca do cerco de atum,
sendo estes navios baptizados de Tuna Madeira e Tuna Açores, construções
respectivamente 142/143, para 11.200 toneladas, com um novo desafio, que
consistia em soldar uma parte do casco em ferro com parte estrutural
superior em alumínio. Para tal, foi necessário mandar vir do norte
da Europa barras bimetálicas para execução do trabalho.
Tal como
acontece com grande parte das Empresas, também os ESJ ficaram parados na
década de 1970, não acompanhando as evoluções
tecnológicas.
Continuaram a traçar navios à escala natural, numa Sala de Risco com 93
metros de comprimento, trabalho minucioso e rigoroso de quase
mestre-alfaiate, executando o trabalho a maçarico com uma mão certa que
não podia tremer, ao invés de outros estaleiros situados no norte do
país, que foram acompanhando as evoluções tecnológicas. Por exemplo, o
trabalho manual foi substituído por máquinas que, com um sistema de
pantógrafo e através de fotocélulas, efectuavam o corte do aço a
maçarico com elevado rigor. Foi o que eu pude presenciar, quando, em
1974, fomos para os estaleiros navais de Viana do Castelo, para a
construção dos navios polivalentes, onde a sala Sala de Risco não tinha
mais do que 30 m2, e aí eram cortados três navios de aço em
simultâneo.
Hoje,
o próprio sistema de corte é totalmente diferente, com máquinas de
plasma submersas. As chapas são colocadas debaixo de água e o plasma, um
sistema de corte de descarga eléctrica de ozono e água, faz o trabalho
muito mais rápido, limpo e silencioso.
Mais
evoluído ainda é o corte a laser. Todavia, pelo seu elevado custo, esta
tecnologia ainda não está acessível.
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