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          Arlindo Vicente 
          nasceu no Troviscal, concelho de Oliveira do Bairro, no dia 5 de Março 
          de 1906. 
          
          Tendo sido 
          apresentada certidão de exame de instrução primária, com a 
          classificação de “Distinto”, foi matriculado na 1.ª Classe do Liceu de 
          Aveiro, em 30 de Setembro de 1918. Transitou para a 5.ª Classe do 
          mesmo estabelecimento de ensino em 1 de Julho de 1923, constando do 
          seu caderno escolar o registo das suas notas da 4.ª classe, das quais 
          se destaca a sua classificação a Desenho: 20 valores! 
          
          Afiançam-me que, da 
          sua passagem pelo liceu aveirense, terão aqui ficado guardados 
          trabalhos seus, como testemunho do meritório talento de jovem artista 
          plástico. 
          
            
              
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          Fama desse talento 
          indubitavelmente ficou no espírito de seus professores e, prova disso, 
          é a capa da LABOR, «revista bimestral do Liceu de José Estêvão e órgão 
          provisório do professorado liceal...», na sua edição de Março de 1930, com 
          o n.º 24, dirigida pelos saudosos professores José Tavares e Álvaro 
          Sampaio. Essa capa reproduz um desenho de Arlindo Vicente, de 
          excelente factura, datado de l929, com dois homens em vigoroso esforço 
          de sirga.  
          
          Nos seus 18 anos de 
          idade integra, nas férias, uma “Jazz Band do Troviscal” que animou as 
          noites da Costa Nova no mês de Setembro de 1924. Assim reza a crónica 
          da folha “Alma Popular”, que mais nos dá conta da sua estadia no 
          palheiro de Jaime de Oliveira e das suas habilidades culinárias como 
          fazedor de um arroz de enguias, enriquecido com dois coelhos, que 
          ficou célebre. 
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          Foi sempre um 
          apaixonado pela nossa terra e pelas nossas praias, paixão que soube 
          transmitir à sua descendência. Prova acabada disso mesmo está no seu 
          filho, Professor Doutor António Pedro Vicente que, sempre que a sua 
          vida o consente, se refugia na nossa praia da Barra. 
          
          Depois de ter feito 
          o Liceu em Aveiro, começa por se inscrever em Medicina; mas é em 
          Direito que se forma pela Universidade de Coimbra, em 1932, depois de 
          ter frequentado o mesmo curso na Universidade de Lisboa. Nunca deixou 
          de desenhar e pintar.  
          
          No livro do seu 4.º 
          ano jurídico, 1930/31, pode ler-se:                
          
          
                                               “Eis 
          um artista formado 
                                                E, em breve, um formado-artista, 
                                                O que ‘inda não está em voga; 
                                                Mas deve ser engraçado 
                                                Ver o Arlindo Vicente 
                                                A servir ao seu cliente: 
                                                Paleta, lápis ou 
          toga…                                       
          
                                                
          E, sendo amigo das gentes, 
                                                É orgulhoso na altura: 
                                                Até mesmo na pintura 
                                                Só vai aos “Independentes”… 
          
          
                                                 /…/ 
          
                                               
           Por isso, está destinado, 
                                                Que tão insigne … senhor, 
                                                Será um bom advogado,  
                                                Mas sempre melhor pintor.” 
          
          Com efeito, tendo 
          começado por exercer advocacia no Troviscal e em Anadia, cedo se 
          transferiu para Lisboa (1936), “empenhando os seus méritos de 
          causídico brilhante na defesa dos presos políticos”, sem abandonar o 
          cultivo intensivo do seu talento natural para as artes plásticas. 
          Participou da 1.ª à 7.ª EGAP (Exposição Geral de Artes Plásticas) da 
          Sociedade Nacional de Belas Artes (de 1946 a 1953) e na 10.ª EGAP 
          (1956), tendo sido um dos organizadores dessas exposições. Esteve 
          presente na I Exposição de Pintura Moderna, Coimbra, Vértice, 
          Delegação de “O Primeiro de Janeiro”; e, em 1957 e 1963, nos Salões da 
          Primavera, promovidos pela Sociedade Nacional de Belas Artes. Nesta 
          desempenhou cargos directivos. O seu autodidactismo permite-lhe uma 
          liberdade formal que o afirma no meio artístico como excelente pintor 
          e, quanto a nós, um dos mais representativos desenhistas do nosso 
          neo-realismo. Dirigiu artisticamente o quinzenário de caricatura 
          “Pena, Lápis e Veneno” e colaborou com ilustrações de sua lavra em 
          periódicos como a “Presença”, a “Vértice”, “O Diabo”, a já referida 
          “Labor”, a revista “Eva”... Ilustrou escritos de Ferreira de Castro. É 
          de destacar o conjunto de desenhos feitos para o livro de Eduardo 
          Brazão Filho, “Maria do Mar”. Como “designer” gráfico concebeu capas 
          de livros e cartazes. É também brilhante articulista com colaboração 
          dispersa pelos periódicos “República”, “Diário de Lisboa” e “Ler”. 
          Privando de perto com inúmeras personalidades da intelectualidade do 
          seu tempo, fez de muitas delas retratos. Destacam-se os de Adolfo 
          Casais Monteiro, António Pedro (seu grande amigo a quem foi buscar o 
          nome para o dar a um dos seus filhos…), José Régio, João Gaspar 
          Simões… 
          
          Reconhecido 
          oposicionista do regime, aceitara ser proposto para a Assembleia 
          Nacional em 1957. E, em 1958, foi designado candidato à presidência da 
          República pela Frente Democrática Nacional, tendo vindo a desistir 
          dessa candidatura a favor de Humberto Delgado. Em 1961, foi detido sob 
          acusação de actos subversivos e condenado a 20 meses de prisão 
          correccional e 5 anos de inibição de direitos políticos. De 19 de 
          Outubro a 10 de Novembro de 1963, participa, no Salão Nobre do Teatro 
          Aveirense, na I Exposição dos Artistas de Aveiro, promovida pelo então 
          recém-criado Círculo de Artes Plásticas do Clube dos Galitos, com três 
          trabalhos seus. Um, “Mães e Filhas”, da colecção do Dr. José Vieira 
          Gamelas; os outros dois, retratos de companheiros de sorte, pintados 
          em Caxias, enquanto preso. 
          
          Em 17 de Maio de 
          1967, foi Arlindo Vicente quem presidiu ao almoço de encerramento do 
          2.º Congresso Republicano realizado em Aveiro. 
          
          Em 1970, Arlindo 
          Vicente decide trocar a advocacia pela pintura, cumprindo, assim, o 
          seu verdadeiro destino. Estas são palavras suas, em declaração feita, 
          então, ao “Diário de Lisboa” de 31 de Maio do mesmo ano. E, assim, de 
          1 a 15 de Junho, tem patente uma exposição de trabalhos seus, na 
          Sociedade Nacional de Belas Artes, designada “Desenho e Pintura de 
          Arlindo Vicente”, que é merecedora de encomiásticas críticas. 
          
          O n.º 2 do 
          “Colóquio Letras” (Lisboa, Junho de 1971) reproduz um seu retrato do 
          poeta Carlos Queiroz, e trabalhos de sua autoria são, também, 
          integrados em “Exposições de Arte Portuguesa dos Séculos XIX e XX em 
          colecções particulares; Artistas Figurativos; Pintura e Desenho em 5 
          Colecções”, de Maio de 1972.  
          
          Entretanto, em 
          1971, integra o grupo fundador de AVEIROARTE, que lhe mereceu sempre 
          especial carinho. Trabalhando ininterruptamente, de 15 a 30 de 
          Novembro de 1974, volta a expor, na Sociedade Nacional de Belas Artes, 
          desenho e pintura, com renovado êxito. 
          
          Viria a falecer em 
          1977. 
          
          Dele escreveu 
          Ferreira de Castro: “Eis um grande pintor que é bem o símbolo dos 
          Artistas obrigados a sacrificar a extensão da sua obra à conquista 
          desse pão quotidiano que lhes sabe a fel e lhes envenena o sonho”. 
          
          Desde o ano do seu passamento que inúmeros trabalhos sobre a vida e obra de Arlindo 
          Vicente têm vindo a ser publicados. E das exposições póstumas com 
          obras de Arlindo Vicente, há que destacar a realizada no Museu 
          Nacional Soares dos Reis, Porto, em Outubro de 1990, com o título de 
          catálogo “Arlindo Vicente: Óleos, Aguarelas, Desenhos”. Vários têm 
          sido os actos públicos de homenagem, envolvendo as mais altas 
          personalidades do nosso País. O seu nome foi dado a importantes 
          artérias, em várias terras de Portugal, como em Coimbra e Lisboa.  
           
          
          AVEIROARTE foi 
          incumbida de organizar uma retrospectiva de Arlindo Vicente neste ano 
          comemorativo do centenário do seu nascimento. Será uma exposição 
          espalhada por vários lugares da nossa cidade de Aveiro. Pelas 18 horas 
          do próximo dia 21 de Setembro, será inaugurada uma mostra das suas 
          aguarelas, na Galeria dos Paços do Concelho; seguir-se-á, na Casa da 
          Cultura Fernando Távora, a abertura da exposição de seus desenhos; no 
          Teatro Aveirense, uma exposição documental; e, finalmente, na Galeria 
          dos Morgados da Pedricosa, iremos ver os seus óleos. Estas mostras 
          encerrarão a 11 de Outubro, estando depois prevista a sua itinerância 
          por várias terras. 
          
          Vamos ter a arte de 
          Arlindo Vicente dentro de nós, durante alguns dias. Assim honraremos a 
          sua memória. Mas eu gostaria de pedir à Comissão de Toponímia 
          aveirense que propusesse à nossa Câmara que a uma artéria ou praça de 
          Aveiro fosse dado o seu nome, lembrando o estudante do nosso Liceu, 
          lembrando o cidadão impoluto nascido no nosso Distrito, lembrando o 
          artista plástico que ajudou a fundar AVEIROARTE, lembrando o jurista 
          que soube defender os oprimidos, lembrando o homem que soube, como 
          poucos, pintar o povo e para ele reclamar Liberdade. 
          
          
          Gaspar Albino - 18 de Setembro de 2006 
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