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BOLORES

O meu amigo Girão

Os ares ainda andavam revoltos por conta dos eflúvios do 25 de Abril de 1974. Mas as previsões do tempo já apontavam para a realização de eleições autárquicas. As perspectivas de normalidade democrática iam-se definindo e, no horizonte, já se vislumbravam poentes de acalmia.

 Por essas alturas eu tinha uma vida profissional muito activa ligada ao sector da pesca industrial, com deslocações constantes ao estrangeiro por conta do desempenho de funções associativas para que tinha sido eleito.

Certo dia, à hora do almoço, vinha eu de carro a passar em frente da cadeia, paredes meias com o bairro da Gulbenkian, quando vislumbro de supetão o meu amigo Girão Pereira a fazer-me sinal para parar. Ele morava, então, ali mesmo no bairro.  Saí do carro para o saudar, para saber como ia a família, enfim, para fazer o que é habitual entre amigos que a vida levou a seguir caminhos diferentes. Que estava tudo bem, me disse ele. E foi acrescentando que a razão do seu pedido para eu parar era um desabafo, mais pedido de opinião que outra coisa qualquer. Que tinha sido abordado pelo Dr. Mário Gaioso para encabeçar uma lista do CDS candidata à Câmara de Aveiro nas eleições que se avizinhavam e ainda não se tinha decidido quanto à resposta urgente que ficara de dar.

Eu conhecia o Girão desde os seus tempos de professor primário na Costa Nova. Éramos os dois estudantes voluntários na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e aí começara a argamassa da nossa amizade. Troca de ideias sobre as cadeiras que íamos estudando conforme os nossos trabalhos permitiam levava-nos a encontros de relativa frequência. As dificuldades sentidas pelo voluntariado nos estudos transvasavam para os problemas das nossas vidas profissionais e tal favorecia uma certa cumplicidade nos nossos desabafos.

O pedido de opinião que me pedia quanto à sua candidatura à nossa Câmara era mais uma prova disso mesmo.

Lembro-me como se hoje fora a resposta que lhe dei de pronto:

“Tu não és de Aveiro. Portanto não irás sofrer de nenhuma atitude mesquinha que te possa atacar. És um jovem impoluto, que se fez a si mesmo, trabalhador. Desempenhas uma função de Delegado do Ministério Público na Magistratura do Trabalho que te garante uma isenção plena. Não estás ligado a nenhum grupo económico. Quanto a mim deves avançar, pois o povo de Aveiro admira pessoas como tu. Aliás, não tens nada a perder.”

E o Girão avançou e ganhou a Câmara. Fiquei feliz por ele, pela Silvandira, sua esposa e também professora primária, colega da minha saudosa Claudette, minha mulher.

E o Girão fez sucessivos mandatos que transformaram a minha cidade. Sempre com um enorme sentido de equilíbrio financeiro, por certo herdado de seus pais, pequenos proprietários agrícolas de Cambra, habituado desde miúdo a saber quanto custa a vida.

A sua passada para o progresso de Aveiro nunca foi maior do que a sua perna. Ele sempre soube medir as dificuldades, ponderá-las, por certo com muitas noites não dormidas para que Aveiro se fosse transformando harmoniosamente.

Tanto quanto sei, e eu sou um aveirense interessado nas coisas da minha terra, os rácios de solvavibilidade financeira que ele deixou no Município quando foi para Bruxelas para desempenhar funções de euro-deputado nunca foram objecto de qualquer apreciação negativa. Bem pelo contrário.

A História fala por si.

A mim só me resta dizer: “Obrigado, Girão, pelo que fizeste por Aveiro.”   

Ab imo,

 

Gaspar Albino
19 de Setembro de 2014

 

21-06-2014