O privilégio e a honra que
sinto pelo facto de ter sido convidado para prefaciar esta obra,
misturam-se com a dificuldade em teorizar o que quer que seja, com
acerto, sobre a torrente emocional que jorra abundante para além destas
páginas e que vem ao encontro de quem as lê, como uma brisa fresca e
suave.
O título assim sugere.
"Entre o olhar e a alma" existe um enorme potencial interpretativo.
Porque os olhos são o espelho da alma, e a alma de cada um reflecte a
compilação dos olhares - retratos - tão diversos como a sua capacidade
de ver, de sentir, de sonhar...
O que os autores aqui
apresentam são apenas duas das muitas interpretações possíveis a cada
realidade. A fotográfica, que capta a sensibilidade do fotógrafo, e a
escrita, que transporta para o papel a visão do poeta. A escrita suave,
singela, acessível, associada à forma simples de retratar e apresentar
as imagens do quotidiano, permitem ao leitor embrenhar-se na
história-poema, deixando-lhe, ainda assim, espaço para criar a sua
própria legenda.
De Francisco José Rito,
reconhecemos o estilo muito próprio. Citando José Vieira, a propósito do
seu último livro, o poeta "é o fingidor de uma dor real, que o obriga a
escrever e assim imortalizar a sua vida e as tradições, que advém de
homens e mulheres que sangraram nos caminhos da vida e que sofreram na
alma o direito à existência".
Não poderia estar mais de
acordo. São visíveis nas suas obras o amor pela terra e pelas gentes,
pela família e por um passado que o orgulha. Sentimentos que o consomem,
impedindo-o de se desprender de um registo que o caracteriza, apesar de
aqui e ali se notarem influências de outras realidades. Quiçá de outras
vidas, que seja em sonho, porque nos fala ainda de um outro amor, vivido
ou sonhado, mas protegido, mantido no segredo dos deuses. Um amor
carnal, presente do princípio ao fim deste livro, por vezes assumido,
outras vezes disfarçado, mas nunca explicado, como se de um exercício à
imaginação do leitor se tratasse. Página a página e apesar da ausência
de um fio condutor, as ideias estão
interligadas pelo sentir nobre e sensível a que já nos acostumou.
Carlos Figueiredo estreia-se nesta obra e mostra-nos um valor (até aqui)
desperdiçado.
Nem todos temos a
capacidade de captar momentos assim, únicos, onde o preto e branco nos
mostra cores garridas e cheiros e vozes e movimento. As suas fotos, o
eternizar dos seus momentos, transportam-nos ao local, colocam-nos na
paisagem, permitindo-nos admirar raras belezas, através dos seus olhos.
E se alguma dificuldade
existisse, bastaria o cunho de Francisco José Rito, para nos integrar.
Para nos colocar dentro do barco atracado ao cais, sentados no tanque do
lavadouro, a ouvir a banda no coreto, a passear pela mão dos nossos
filhos, ou a brincar na rua da nossa meninice.
Julgo ser esse o segredo
para o sucesso desta dupla. E notória a cumplicidade entre os dois
autores, em que um se deixa transportar nos olhos do outro "leva-me nos
teus olhos, a ver o mundo por eles. A conhecer as cores que decifras. A
embriagar-me nos aromas que respiras.
A encarnar sentimentos. A
viver os momentos que testemunhas e transmites.
Como quem se deixa levar,
de olhos fechados. .. Só assim, com confiança, seria possível "parir"
uma obra desta magnitude.
Manuel de Oliveira e Costa |