David Paiva Martins, Aradas. Um olhar sobre a primeira metade do século XX (Da Junta de Parochia à Junta de Freguesia). 1ª ed., Aradas, Junta de Freguesia de Aradas, 2008, 268 pp.

5.1.2 – Inauguração das escolas de Verdemilho

 


Família Tavares Lebre. De pé, o segundo a contar da direita é o Dr. António Tavares Lebre, e o terceiro
a contar da esquerda é Duarte Tavares Lebre.

 

Na acta da sessão ordinária do dia 2 de Dezembro de 1934, anotou-se que “... foi deliberado: Relatar nesta acta, circunstanciadamente, a construção, conclusão e inauguração das Escolas Doutor José Lebre (Pai), em Verdemilho, uma das obras mais importantes do Distrito, quer higiénica, quer pedagogicamente falando.

 

Há muito se fazia sentir a grande necessidade de instalar em edifício próprio e condigno a população escolar desta encantadora localidade, arrancando-a, assim, do antro, sem luz, sem ar, sem conforto algum, onde, durante tantos anos esteve encerrada, e que, para maior desgraça, agora ameaçava ruína e talvez fatal para professores e alunos, se ali continuassem.

 

Para a realização de empreendimento de tão vasta importância, veio a esta Junta, uma comissão de paroquianos do lugar de Verdemilho, presidida pelo Exmo. Sr. Doutor António Lebre, solicitar a cooperação da Junta para essa obra de tanta importância para a terra e para as gerações futuras. Esta Junta prometeu contribuir quanto possível e nomeou logo a mesma comissão para consultar

todo o povo, um a um, daquele lugar, solicitando também do Estado, a sua cooperação.

 

O terreno foi generosamente cedido pela Exma. Senhora Dona Maria Tavares de Almeida Lebre, cujo valor excede quinze mil escudos; Cantaria, adobes e pedra para os alicerces, foram oferecidos pelo Exmo. Sr. Dr. António Lebre.

 

Tirada a planta, foi orçada a despesa total com esta construção, em setenta e cinco mil escudos. Solicitou-se ao Estado a cooperação de cinquenta por cento, no que fomos atendidos; e mãos à obra.

 

Meses depois, estava este edifício concluído e pronto a funcionar. Marcado o dia para a sua inauguração, feitos os respectivos convites, transcrevo o que a isso dizem os jornais locais e a imprensa diária da capital do sul e capital do norte:

 

“Do Democrata de 13 de Outubro de 1934.

 

Pelo ensino. A inauguração das Escolas de Verdemilho é revestida de grande imponência. Uma homenagem póstuma e merecida ao Dr. José Tavares de Almeida Lebre.

 

Esteve no domingo, sete do corrente, de parabéns o ridente lugar de Verdemilho, onde, por virtude da inauguração das novas escolas, se realizou uma imponente festa, presidida pelo Sr. Governador Civil do Distrito, major Gaspar Ferreira.

 

O dia amanheceu formoso, radiante de sol, espelhado de luz, que mais fazia realçar, no local escolhido para a sua construção, o magnífico edifício com que a Junta de Freguesia das Aradas, composta pelos cidadãos Senhores, José dos Santos Capela, João Maria Simões de Oliveira e José Maria Resende Bastos, e secretariada pelo professor primário Manuel Estudante, dotou a vizinha aldeia, na ânsia de a engrandecer pela instrução dos seus filhos, que tanto lhe querem, e para ela devem trabalhar como bons patriotas, auxiliando todas as boas iniciativas, concorrendo para todos os melhoramentos, indo ao encontro de tudo que representa adiantamento, civilização, progresso.

 

Eram quinze horas e meia quando o Sr. Governador Civil chegou, sendo recebido pelos membros da Junta, pelo professorado e pelas crianças, que o cobriram de flores, dando logo entrada numa das amplas salas, onde presidiu à sessão solene, secretariado pelos Senhores Doutor Melo Freitas, juiz da comarca; Coronel Joaquim Torres, presidente da Junta Geral do Distrito; Raul Martins Leite, inspector escolar; D. Pompília da Rocha Martins, professora e Dr. Lourenço Peixinho, presidente do Município.

 

Como as escolas tomassem o nome do Sr. Dr. José Lebre (Pai), desta ilustre família estavam presentes as Sras. D. Regina Lebre, D. Maria Lebre, D. Camila Lebre Canelas e marido e os Srs. Dr. Abílio Tavares Justiça, Dr. Amadeu Tavares da Silva e esposa; Duarte Tavares Lebre; capitão veterinário Dr. António Lebre e Carlos Tavares Lebre.

 

 A sala achava-se literalmente cheia, iniciando-se a sessão solene pela leitura do expediente, feita pelo Sr. Manuel Estudante, secretário da Junta, que dá conta de um ofício enviado ao Sr. Dr. António Lebre, comunicando-lhe a deliberação tomada de dar o seu nome às escolas, como prova de reconhecimento pelos serviços prestados à instrução e também ao desenvolvimento da terra que lhe foi berço, o que provocou esta resposta:

 

 

 
 

Escolas Primárias Dr. José Lebre (Pai), em Verdemilho

 

 

Excelentíssimo Senhor: Acusando a recepção do ofício de V.Exa. nº 43, venho profundamente reconhecido agradecer à digna Junta da vossa presidência, a resolução tomada na sessão ordinária de ontem, 26 de Agosto, pela qual se propõem envidar todos os esforços junto das instâncias superiores, para que às novas escolas de Verdemilho seja dado o nome do signatário: Escolas Dr. António Lebre.

 

Uma tal proposta desvaneceu-me sobremaneira e ficamos para todo o sempre inteiramente reconhecidos a V.Exa., e aos dignos delegados seus cooperadores nessa Comissão Administrativa da Junta de Freguesia de S. Pedro das Aradas.

 

Acontece, porém, não encontrarmos motivo para tão honrosa homenagem, pois se alguma coisa venho fazendo a favor da instrução e das prosperidades da freguesia de S. Pedro das Aradas, mas especialmente de Verdemilho, não vai esse esforço além do dever que me compete. Filho desta terra, foi-nos permitido adquirir um certo grau de instrução dentro dos princípios da sã moral e dos da filantropia, que por uma questão de atavismo, herdámos dos nossos maiores – Dr. José Tavares de Almeida Lebre e D. Maria da Silva Ferreira Lebre.

 

Temos manifestado sempre, tendo-o feito já uma vez publicamente, sermos contrários a homenagens que visam a perpetuar o nome ou nomes em vida, por mais ilustres que sejam e por mais que o mereça a pessoa ou pessoas a quem a consagração seja prestada. Assim, se fizermos um exame retrospectivo à origem das actuais escolas, prestes a serem concluídas e inauguradas, verifica-se que estas não são senão a consequência, digamos mesmo, o fruto da semente lançada no campo da instrução, pela figura extremamente modesta, mas superiormente culta e progressiva do Dr. José Tavares de Almeida Lebre, que, antevendo todos os problemas, mesmo os mais transcendentes, via na instrução a base fundamental em que, deveria assentar o progresso e felicidade da Nação Portuguesa.

 

É certo que somos suspeitos para poder falar nestes termos, dos nossos antepassados mais próximos, dos nossos progenitores, mas os factos são de tal maneira palpáveis, que não precisam de amparo, de palavras especiais, ou frases moldadas expressamente para os comprovar. Excessivamente modesto, familiar como poucos, o Sr. Dr. José Tavares de Almeida Lebre fazia a sua propaganda pró-instrução sem alardes nem reclamos, no lar doméstico, perante o caseiro e junto de todos os seus conterrâneos, em cada um dos quais contava um amigo. Esta simpática propaganda que durante uma vida inteira realizou sem os actuais reclamos jornalísticos, teve por cúpula a construção das Escolas Primárias de Verdemilho, há pouco demolidas, que mandou edificar por cerca de 1900 numa época em que nem os governos pensavam a sério na Instrução Primária, base de toda a instrução superior, nem os jornais quebravam lanças por esta tão simpática dama – A Instrução.

 

Estava, também, para construir a Escola Primária da Quinta do Picado, quando a morte, prematura bastante, o impediu de realizar o seu pensamento.

 

As Escolas de Verdemilho, que o seu fundador mandou construir a expensas suas, sem sugestão de quem quer que fosse e sem a mira em interesse de qualquer natureza, contribuíram, durante três dezenas e tal de anos, para a instrução e educação de uma série de gerações que, hoje, usufruem na metrópole, em S. Francisco da Califórnia, França e Brasil, os frutos abençoados ali recebidos e que uma família de professores, dedicados em extremo à causa da Instrução – professor António da Rocha Martins e suas Exmas três filhas, ministraram, tendo sido estas escolas consideradas, durante algumas dezenas de anos, como as melhores do distrito.

 

À instrução difundida nestas Escolas não é estranha, também a acção do professor Ramos, que seguiu a actuação do professor Rocha Martins.

 

 Não seria justo esquecer, neste momento, o precursor da instrução primária em Verdemilho, relíquia simpática do magistério primário de outras épocas, professor Catarino, ainda vivo, e que esperamos, temos confiança em Deus, presidirá à inauguração das Novas Escolas.

 

Acontece ainda dar-se a coincidência curiosa de terem sido os terrenos, onde se encontram as duas novas escolas, pertença do Sr. Dr. José Tavares de Almeida Lebre, e que sua filha, minha irmã, D. Maria Tavares de Almeida Lebre, gostosamente cedeu, agora, para a construção, já por um tal facto ser agradável aos seus sentimentos altruístas e maneiras de encarar os problemas do ensino, já por saber que uma tal atitude seria de notável satisfação para o seu progenitor, Dr. José Tavares de Almeida Lebre, e ainda por reconhecer que o local que as novas escolas ficam ocupando, era o único lugar de eleição e superior, portanto, ao terreno que primeiramente havia sido cedido por outrem.

 

Alongámos, certamente, de mais, esta exposição de factos, tendentes a demonstrar um direito de prioridade, que, em verdade, não carece de demonstração.

 

Em face do exposto, entendemos que às novas Escolas de Verdemilho, não deve ser dado o nosso nome, por nada o justificar, mas sim o do Dr. José Tavares de Almeida Lebre. Como, porém, este nome é excessivamente longo, propomos que a ser aceite esta ideia pela digna Comissão a que V.Exa, preside, ele fique assim consagrado: Escolas Primárias de Verdemilho, Dr. José Lebre (Pai).

 

 Certo de que V.Exas. concordarão com esta substituição de nome, ao qual assiste um direito de mera justiça, eu, que me subscrevo, ficarei imensamente reconhecido.

 

 Este alvitre, porém, poderá ser posto inteiramente de parte se a V.Exas. sugerir qualquer outro nome da nossa mui simpática e progressiva aldeia de Verdemilho, ou da freguesia de S. Pedro das Aradas, que mais se imponha no campo da Instrução.

 

Subscrevo-me de V.Exas. Atº, Ven. e grato. Quinta da Senhora das Dores em Verdemilho, 27-8-934 (a) António Lebre.

 

 

 

Prosseguindo, o Sr. Manuel Estudante lê mais:

 

Bonsucesso, 7-X-934. Sr. José dos Santos Capela, digníssimo presidente da Junta de Freguesia de S. Pedro das Aradas e meu prezado amigo:

 

Particulares circunstâncias obstaram à minha presença na festa de inauguração oficial do edifício das escolas primárias de Verdemilho, que vão perpetuar o nome do nosso falecido e respeitável patrício Dr. José Tavares Lebre, progenitor duma família numerosa, distinta e prestimosa, que muito honra a nossa terra e de que, sem desdouro para seus irmãos, é hoje a figura de mais relevo o nosso querido amigo Dr. António Lebre.

 

Contrista-me esta forçada ausência, como sempre que os meus conterrâneos se reúnem para um acto que representa civismo ou altruísmo, progresso ou beleza, e me não é dada a alegria de compartilhar do seu júbilo. Associo-me, porém, à solenidade, juntando-me ao povo de Verdemilho na sua satisfação e sou presente em espírito para homenagear o nome do patrono das escolas, para agradecer a António Lebre o seu concurso generoso e decisivo neste melhoramento e para felicitar na sua pessoa, meu bom amigo, a Junta de freguesia por esta obra que tanto nos honra a todos nós.

 

 Nasci no Bonsucesso, mas fui criado em Verdemilho. Aí recebi grande parte da educação que me fez homem, daí era parte da minha família. Foi o ar lavado e prazenteiro desse encantador lugar, que me deu o ser espiritual e modelou algumas facetas da minha alma. Observando daí a Ria, o mar, a serra, Aveiro e os seus campos, arquitectei eu o meu ideal de estudo e amor da região, que tenho servido com modestas faculdades, mas entranhado afecto. Foram as tradições históricas de Verdemilho que me ensinaram a ser o liberal e democrata que me prezo de ser. E na alegria da luz deste recanto da terra beira-marinha, na gentileza da sua índole singularmente pacífica e bondosa, embora briosa e altiva, dos seus habitantes na ânsia progressiva que os tomou, nas virtudes de parcimónia e trabalho que cultivam, tenho eu um dos laços que prendem a minha existência à terra em que resido.

 

Nada valeria nessa festa se a ela assistisse em pessoa. Nada valho para esta freguesia, conservando nela a minha vivenda e dedicando-lhe as minhas amizades. Mas o que sou é um amigo, um vizinho, um conterrâneo que aplaude todas as sãs e profícuas iniciativas como esta, todas as obras que dignificam e engrandecem o nosso meio e todos aqueles que se esforçam e sacrificam pelo progresso e pelo bem dos nossos e dos nossos vindouros.

 

Recebam as minhas saudações, os meus agradecimentos de aradense, o meu aplauso sinceríssimo, o meu incitamento efusivo para que prossigam e para que o seu exemplo frutifique.

 

Aos ilustres hóspedes que honram o acto com a sua presença, as minhas homenagens. Para as crianças a quem se destinam essas escolas, vai o meu beijo paternal, desejando-lhes alegria, ventura perfeita, felicidade plena. Sem instrução não se pode triunfar, não se pode ser feliz no meio social do Século XX, cada vez mais exigente em técnica, em conhecimentos, em organização. Que as novas gerações possam bendizer sempre as escolas que nós lhes deixamos e saibam comunicar às que se lhe seguirem, o espírito de altruísmo que esse acto solene representa. Amigo e patrício devotado, Alberto Souto.

 

 

Exmo. Sr. José dos Santos Capela Digmº. Presidente da Comissão Administrativa da Junta das Aradas.

 

Apresento a V. Exa. os meus respeitosos cumprimentos e com eles o meu profundo reconhecimento pelo convite que me foi feito para assistir à inauguração oficial da Escola Dr. José Lebre (Pai).

 

 Não posso, com grande mágoa, assistir à festa de consagração a um homem que, como o Dr. José Lebre, deve ser considerado um “Benemérito da Instrução”.

 

Se pudesse assistir, eu diria, que o povo de Verdemilho, na sua simplicidade, mas cioso da sua grandeza de sentimentos, prova com o acto mais generoso, que o homem pode ter a gratidão, que não esqueceu aquele que em vida se pôde considerar o pioneiro da emancipação dos pobres da região, cuidando da sua instrução num alto sentimento patriótico que muito o honrou e honra os seus descendentes.

 

Se pudesse assistir, diria também, que o Dr. António Lebre, continuador da obra de seu Pai, me merecia as referências mais lisonjeiras, obrigando-me a enaltecer a sua firmeza de carácter, a inteligência, o seu aprumo moral, que o tornam o perfeito cidadão moderno, que tudo sacrifica ao bem estar da colectividade, fazendo dele um instrumento útil ao serviço da Nação.

 

Eu diria, finalmente, que o povo de Verdemilho, num arranco de solidariedade com as belas intenções do Estado Novo, é merecedor do maior carinho, do melhor reconhecimento da parte desse Estado pela sua iniciativa, aumentando a riqueza pública com a inauguração da Escola Dr. José Lebre (Pai), abrindo, assim, mais um campo de instrução, que muito vem prestigiar o trabalho honrado e patriótico do Governo da Nação.

 

Finalmente, eu envio as minhas mais cordiais felicitações a V.Exa. e a todos que colaboraram na brilhante obra que vai ser levada a efeito, desejando que revista o brilhantismo que lhe é devido e de que V.Exas. são muito merecedores. De V.Exa. Mº Ag. Ven.º e Obgº Belém, 7 de Outubro de 1934. António Gonçalves Dias, capitão do R.C.7.

 

 

 

 

Exmo. Senhor: Ausente e distante de casa, por necessidade de saúde com muita mágoa me vejo privado de assistir à inauguração das Escolas Primárias de Verdemilho, Doutor José Lebre (Pai), como eu quereria e deveria, obedecendo ao convite para esse efeito com que V.Exa. me honra e sumamente me penhora. Muito me pesa semelhante impedimento pelo respeito que me preso de tributar às ordens de V.Exa., pela fé com que creio nos superiores destinos da Instrução popular que aí vai ser dotada com tão claro benefício e ainda e altamente porque as novas escolas invocam o nome do Doutor José Lebre, cuja dignidade, honestidade e bondade, foi brasão da terra que o criou e eu tive o ensejo de experimentar de perto, por longos anos de amizade que nos uniu.

 

Mas, pois que tenho de ceder ao império de circunstâncias superiores às minhas tão minguadas forças, rogo a V.Exa. e à Comissão da sua digna presidência que me perdoem a falta, havendo por legítimos os motivos que a determinaram e comunicando à muito ilustre assembleia que vai reunir-se em 7 do corrente mês, as razões que me impedem de comparecer pessoalmente e juntar ao nobre cumprimento da sua missão e aplauso, sem reserva, da minha humilde mas fervorosa devoção. A Bem da Nação. Sever do Vouga, 4-10-934. Jaime de Magalhães Lima.

 

 

 

 

Vão agora principiar os discursos.

 

O primeiro orador a usar da palavra é o Senhor Doutor António Lebre, a quem, a assistência recebe com uma calorosa salva de palmas. Descreve, a traços largos, a evolução da instrução primária na freguesia de S. Pedro das Aradas, que vem de 1871, pouco mais ou menos. Desde essa data até 1892 mudou a escola nada menos de sete vezes, a seis das quais presidiu o professor Júlio Alfredo Catarino, relíquia do magistério primário. Foi então, aí por alturas de 1900, que o Sr. Doutor José Tavares de Almeida Lebre mandou construir, a expensas suas um edifício escolar para os dois sexos, nas melhores condições higiénicas e de conforto, considerado como dos melhores do distrito, nessa época.

 

 Fala, com elogio, da maneira como todas as pretensões da Junta foram acolhidas pelos senhores ministro das Obras Públicas, engenheiro Gomes da Silva, engenheiro Afonso Lucas, que ao Distrito tem prestado relevantíssimos serviços, major Gaspar Ferreira, Doutor Lourenço Peixinho e engenheiro Moniz de Freitas; refere-se à Junta anterior, da presidência do Sr. António Lopes dos Santos, que deu os primeiros passos para a realização do grande melhoramento, e por último, falando daqueles que mais concorreram para levar por diante o empreendimento, que também era uma necessidade, diz:

 

No primeiro plano aparece-nos José dos Santos Capela, presidente da Comissão Administrativa da Junta de Freguesia, com os seus companheiros e a que não deve ser estranha a cooperação altruísta da Fábrica de Cimento Liz. Mas José dos Santos Capela, nome que se impõe à consideração de quantos o conhecem, foi mais além do que lhe era exigido pela sua situação de presidente da Comissão: tendo-se lançado de alma e coração neste empreendimento, despendeu nele, não somente o seu esforço pessoal, o seu trabalho, mas ainda o seu valor profissional e os seus recursos materiais, fornecendo, a par de tudo isto, sem prévio pagamento, todas as madeiras e outros materiais da sua fábrica, bem como a manufactura de tudo quanto foi preciso.

 

 

E Manuel das Neves Deus? Esse deve ter de nós, de todos os filhos desta simpática aldeia de Verdemilho, o reconhecimento perpétuo, porque, com inexcedível dedicação acompanhou e removeu todas as dificuldades que surgiram, patenteando igualmente, todos os elementos de que podia dispor, para os trabalhos seguirem até ao fim sem parar, fazendo-o – quantas vezes? – com prejuízo das suas casas, particular e comercial, pois assim o observou não poucas vezes.

 

E a concluir José de Almeida Vidal, esse revelou, mais uma vez, as suas qualidades de inteligência e saber, tendo-nos dado, em cooperação com José Capela, esta obra solidamente construída, de rara elegância e perfeitíssimo acabamento.

 

Ei-la, aí fica. Orgulhemo-nos e congratulemo-nos.

 

 

 

 

Segue-se o Sr. Dr. Melo Freitas que, depois de se dirigir à assembleia, a quem explica o valor da instrução, pondo em destaque os seus pioneiros, exorta os miúdos, as crianças, os que principiam a aprender, a conduzir-se de forma a não incorrerem em faltas condenáveis que possam dar origem a castigos escusados.

 

 

 

 

Por sua vez o advogado Dr. António de Pinho enalteceu a escola primária e, referindo-se ao velho Júlio Catarino, que, apesar dos seus 88 anos, não quis faltar à festa, diz: Sábio e cristão, o professor Catarino tem sido pela vida fora um verdadeiro apóstolo a pregar, cheio de fé e esperança, o evangelho da ciência e da virtude. Com inexcedível zelo derramou a instrução ao mesmo tempo que, fundindo as tendências, as qualidades e os defeitos dos alunos, lhes ia modelando o carácter.

 

Sobre a dívida de gratidão aos que contribuíram para o melhoramento: Verdemilho só terá feito o pagamento integral dessa dívida, no dia em que não tiver nem uma só criança, que, por desleixo dos pais, não saiba ler, escrever e contar.

 

A respeito da generosidade do Governo: O Doutor Oliveira Salazar é também do povo, é também professor, e dos melhores, sendo talvez por isso que a instrução do povo português tem nele um verdadeiro apóstolo.

 

E, altivamente: Vim aqui, verdemilhenses, ouvir convosco esta primeira lição da nova escola e aprender nela, como, decerto, vós nela aprendeste, a ter cada vez mais fé e esperança nos destinos da Pátria que veremos engrandecida sob o signo do Estado Novo, se, de futuro, como neste exemplo de hoje, à vontade do chefe se unirem, sem quebrantamento, as vontades decididas daqueles que no peito sentem entranhado e verdadeiro amor pela terra onde nasceram. Tenhamos, pois, fé e esperança. Inquebrantável fé; esperança forte. Salazar anda a curar os males da Nação… e a esperança é meia cura.

 

 Mostra, por último, o seu apreço e gratidão pelo Dr. António Lebre, a alma devotada, o propulsor entusiasta de todos os melhoramentos que nos últimos anos têm enriquecido a sua aldeia.

 

 

 

 

 

Falam ainda os senhores Inspector Escolar, que também representava o Director Geral de Instrução Pública, Sr. Dr. Braga Paixão e major Gaspar Ferreira, tendo a menina Maria Helena Lebre Canelas descerrado os retratos de seu avô, Dr. José Lebre; de seu tio, Dr. António Lebre e dos senhores Presidente da República e Dr. Oliveira Salazar que ficarão a atestar, na sala, o testemunho da gratidão dum povo, por essas solenes figuras, e cuja cerimónia a assistência acolheu com estrepitosas palmas e sucessivos vivas.

 

Por último foi servido, no primeiro andar, um fino “copo de água” aos numerosos convidados, em que predominaram vinhos de Valade, espumantes da Quinta do Outeiro, que José Mostardinha, seu proprietário, amavelmente ofereceu, terminando a festa com dois concertos musicais: o primeiro pela banda de Infantaria 19 e o segundo, que durou até às 24 horas, pela banda do Sr. José Soares de Melo, de Ílhavo, que atraíram ao recinto destinado a recreio das crianças, todo engalanado e profusamente iluminado, à noite, a electricidade, extraordinária multidão.

 

“O Democrata”, congratulando-se com a homenagem prestada, no domingo, à família Lebre, felicita a Junta de Freguesia das Aradas, e, em geral, todos quantos concorreram para levar à prática a grandiosa obra de que actualmente Verdemilho tanto se ufana e desvanece.

 

 Foi ainda tirada uma subscrição entre os habitantes do lugar de Verdemilho, cuja importância será exarada em acta, quando estiver em cofre todo o dinheiro subscrito, e bem assim o dinheiro duma subscrição aberta em S. Francisco da Califórnia, cuja importância ainda não deu entrada no cofre desta Junta. (…)”.

 

 

 

 

Esta acta é uma peça verdadeiramente extraordinária. Muito bela e inteligente, no sentido de que se aproveita da notícia do jornal “O Democrata”, transcrevendo-a, para relatar um acontecimento importantíssimo para a nossa terra: a inauguração das Escolas Primárias de Verdemilho, Dr. José Lebre (Pai).

 

Actualmente, mesmo arruinado como está, vitimado por mais de trinta anos de abandono, o edifício mostra certa dignidade e imponência. Imagine-se a impressão que não faria nas pessoas daquele tempo!...

 

Voltando à acta, não deve haver em Verdemilho, ainda hoje, quem possa lê-la sem sentir um frémito de orgulho! Esta viagem pelo passado da nossa terra acaba por nos proporcionar alguns momentos emocionantes...

 

Notável foi o discurso do Major Lebre, como era conhecido na freguesia. Aqui, ao contrário do que iria fazer cerca de um mês depois, no discurso da inauguração do Cais do Eirô, prima pela clareza e extrema simplicidade de linguagem. Mas o que parece mais extraordinário é aquela carta em que declina a honra de ter o seu nome nas novas escolas e sugere o de seu Pai.

 

Que lindo documento é esta carta! Provavelmente o melhor que terá escrito! Conhecendo-se diversos textos de sua autoria, não se imaginaria mesmo que pudesse escrever algum com tal qualidade!

 

 

 

Nas sessões ordinárias de 16 e 30 de Dezembro nada de especial se passou.

 

A sessão extraordinária de 26 de Dezembro foi exclusivamente destinada a nomear, como habitualmente, os juízes das diversas irmandades da paróquia.

 

Na sessão de 13 de Janeiro de 1935 foi aprovado o orçamento ordinário para o ano de 1935, cujo montante global, tanto da receita como da despesa, é de 3.286$05.

 

Nas sessões ordinárias de 27 de Janeiro e 10 de Fevereiro só se tratou de assuntos rotineiros.

 

Contudo, na sessão ordinária do dia 24 de Fevereiro de 1935, além dos assuntos de rotina “ foi deliberado: pedir ao Exmo. Sr. Inspector do Distrito Escolar de Aveiro, a criação dum posto de ensino, para os alunos dos lugares de Verdemilho e Bonsucesso, comprometendo-se a Junta a fornecer casa e mobília, e indicando para a sua regência o nome de Maria Estudante da Rocha, solteira, de 18 anos de idade, aluna inscrita no quinto ano do Liceu”.

 

 

Ao ler a proposta que antecede, não se poderá deixar de pensar que o professor Estudante, chefe da secretaria da Junta, estava, outra vez, a usar o cargo para tirar vantagem pessoal indevida. E levava o colectivo da Junta a apoiar – quiçá ingenuamente - as suas pretensões! Porque, aparentemente, a proposta de criação do posto de ensino, quando as novas escolas de Verdemilho tinham sido inauguradas há escassos três meses,  só poderá entender-se como tentativa de arranjar emprego para a filha – que era quem a Junta propunha para o reger.

 

Se hoje se imagina que o professor estaria a instrumentalizar a Junta em favor do seu interesse pessoal... veja-se o que se passou na sessão ordinária a seguir, que foi a do dia 10 de Março de 1935, em cuja acta, além das decisões rotineiras do costume, figura a deliberação seguinte: “Demitir, Manuel Nunes de Paiva, do cargo de tesoureiro desta Junta, por ter sido menos conveniente em palavras ásperas e de pública censura a esta Junta, na presença do Exmo. Sr. Governador Civil deste Distrito e do Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, o que mereceu destes Exmos. Srs. reparo tal, que nos solicitou a sua imediata demissão”.

 

Ora, como a imagem deste homem sempre foi de pessoa correctíssima, honrada e de temperamento contido… algo de muito extraordinário teria de ocorrer para o levar a verbalizar publicamente a sua censura – que provavelmente terá sido denunciar o que se passava!

 

 

Houve depois uma série grande de sessões em que não se verificou nada que justificasse nota especial, a não ser o facto de, na sessão de 5 de Maio, ter sido decidido propor ao Inspector do Distrito Escolar a criação dum posto de ensino no lugar de Arada, onde o número de alunos excedia a capacidade das escolas, tendo indicado para reger esse posto o nome de Maria Helena Gonçalves, solteira, de 21 anos de idade, com o 2º ano da Escola Comercial.

 

 

Posteriormente, uma nota curiosa só voltou a verificar-se na sessão ordinária de 28 de Julho de 1935, cuja acta, por isso, se transcreve parcialmente: “… Em seguida, o secretário, apresentou dois livros intitulados: “África Desconhecida” e “Costumes gentílicos dos povos de além-Cunene”, da autoria do Exmo. Senhor Doutor António Lebre, Distinto Capitão Veterinário, ex-director dos Serviços Pecuários de Angola, de Estabelecimentos Zootécnicos e ex-chefe de missões de estudo e combate a zoonoses, etc., nosso ilustre patrício, semeados dum elevadíssimo número de curiosas fotografias dos povos e costumes de além-Cunene, amavelmente oferecidos à Junta da freguesia de S. Pedro das Aradas, como homenagem do seu autor.

 

A sua leitura despertou tanta curiosidade e interesse nos assistentes, que todos nos manifestaram desejo de os tornarem a ler, já pela autoridade que encerra o nome do seu autor, como pelos assuntos palpitantes que as referidas obras contêm. Pena é, que, todos os continentais não possam ter conhecimento directo da leitura destes livros, para se certificarem que as nossas colónias, isto é, o nosso Portugal Ultramarino, tudo produzem e com abundância, não sendo terras de degredados como muitos ainda julgam.

 

 

As suas descrições guerreiras, as construções das sanzalas, as suas habitações-labirintos (chilongos), a obediência aos chefes (sobas), as características dos seus casamentos, etc., etc., tudo isto o autor nos revela com elevada eloquência, motivo porque todos desejam e devem lê-los.

 

Guardaremos religiosamente estes exemplares na estante do arquivo desta Junta, patenteando-os a todas as pessoas que desejem conhecer o nosso torrão de além-mar.

 

Ao seu autor, agradecemos, penhoradíssimos, a oferta dos dois exemplares que teve a amabilidade de nos oferecer, exarando-lhe aqui um voto de louvor, e enviando ao oferente uma cópia desta acta, pela sua laureada oferta e dedicação ao desenvolvimento das nossas colónias, cuja cultura e povoamento farão a futura riqueza do nosso lindo Portugal.”

 

 

Seguiram-se mais cinco sessões quinzenais em que só foram tratados assuntos de rotina, salvo a circunstância – que  parece preocupante – de, nos últimos tempos, acontecer em todas as sessões aquilo que dantes só muito raramente se verificava, que é a Junta passar atestados de indigência a pessoas da freguesia - por vezes,  mesmo mais de um atestado por sessão! É um sintoma grave de que havia miséria a espalhar-se crescentemente no seio da nossa população. 

 

 

Entretanto, na sessão ordinária do dia 20 de Outubro de 1935, surgiu uma proposta inesperada e surpreendente: “Em seguida, o senhor presidente apresentou a seguinte proposta: que, conjuntamente com as contribuições do Estado, esta Junta cobre o adicional de 3%, cobrança esta que só pode ter lugar desde que todas as Juntas de freguesia deste concelho combinem simultaneamente fazer o respectivo pedido, pelo que, ele presidente, antes de apresentar esta proposta, teve o cuidado de ouvir as restantes, que lhe garantiram, estarem de pleno acordo, ficando assente definitivamente fazerem igual proposta; e, por intermédio da Direcção de Finanças deste Distrito, solicitar de Sua Exa. o Director Geral da Fazenda Pública, a necessária autorização para o lançamento do referido adicional. Esta proposta, devidamente apreciada, foi, por unanimidade, aprovada.” 

 

 

Criativo, não é?!...

 

Nada de relevante se passou nas restantes sessões do ano de 1935.  Na primeira sessão do ano de 1936, que ocorreu em 12 de Janeiro, o único facto relevante foi ter-se aprovado o orçamento ordinário para esse ano. Para que se tenha noção do valor do dinheiro nessa altura, transcreve-se aqui esse orçamento:

 

 

ORÇAMENTO ORDINÁRIO PARA O ANO DE 1936:

 

 

RECEITA:

Saldo da Gerência de 1935                      1.897$80

Juro de inscrições nº 13.360 a 4,5%             45$00

Foros da Junta                                             102$00

Aluguer das cruzes                                        80$00

Taxas de covatos                                         600$00

Venda de terreno no cemitério                     500$00

Imposto de trabalho                                   1.500$00

Receitas imprevistas                                       50$00

Receitas da electricidade                         13.678$45

TOTAL DA RECEITA                     18.453$25

 

DESPESA:

Gratificação ao secretário                             360$00

         “           “   tesoureiro                            100$00

         “           “   encarregado do relógio       100$00

Ordenado do coveiro                                    500$00

Limpeza do edifício e cemitério                    200$00

Expediente da secretaria                              600$00

Litígio a advogados                                       200$00

Para a beneficência                                      200$00

Reparação de caminhos e fontes              1.500$00

Guias mensais                                              180$00

Despesas imprevistas                                   834$80

Despesa da electricidade                         13.678$45

TOTAL DA DESPESA                   18.453$25

 

 

 

Nada de especial se passou em todas as sessões que ocorreram até 5 de Abril de 1936. Porém, na sessão ordinária desse dia, além dos assuntos rotineiros, foi tomada uma deliberação curiosa: “ Passar atestado a António dos Santos Furão, de Arada, para efeitos de ser alimentado pelo Estado, na Cadeia de Aveiro, onde se encontra cumprindo prisão, atestando que tem alguns bens imóveis, cujo rendimento não será possivelmente suficiente para o sustentar na cadeia”. Donde se conclui que, ao contrário do que hoje se passa, nesse tempo o Estado não alimentava automaticamente quem estivesse preso.

 

 

Na sessão ordinária do dia 19 de Abril de 1936, além doutros assuntos, foi deliberado “oficiar ao Exmo. Sr. Director Escolar do Distrito de Aveiro, dizendo o seguinte: Tendo esta Junta solicitado a V.Exa. em ofícios nºs 118 e 150, a criação de Postos de Ensino mistos no lugar de Arada e Bonsucesso, desta freguesia, para o que se comprometia a fornecer casa e mobília para o seu funcionamento; e, tendo ainda indicado para a sua regência, respectivamente Maria Helena Gonçalves e Maria Estudante da Rocha, por se acharem habilitadas com o exame de aptidão à regência de Postos de Ensino; e, como até esta data não fossem ainda criados os referidos Postos, venho, muito respeitosamente pedir a V.Exa. para que envide os seus valiosíssimos esforços no sentido de promover a criação e imediato funcionamento dos referidos Postos”.

 

 

Também nas sessões seguintes nada de relevante se passou, até que, em 28 de Junho, foi deliberado oficiar à Câmara de Aveiro a pedir a reparação da fonte do Eirô, conforme fora solicitado por uma Comissão de habitantes de Verdemilho. Também foi posto em arrematação um baldio no Eirô, com a base de licitação de 60$00, conforme editais oportunamente afixados, o qual foi vendido a Manuel Vieira pelo maior lanço oferecido, que foi de 130$00. Graças a essa venda, o referido Manuel Vieira fez o alinhamento duma sua propriedade, com a qual o baldio confinava. 

 

 

Seguiu-se outro conjunto de sessões rotineiras, sem história. Mas - como se viu em algumas actas anteriores – por esta época, o Estado Novo procurava afirmar-se politicamente no seio do nosso bom povo, e, por isso, todos os pretextos eram bons para fazer a sua propaganda. Veja-se, a esse propósito, esta passagem transcrita da acta da sessão ordinária do dia 9 de Agosto de 1936: “Mais foi deliberado, em virtude da determinação superior, ir esta Junta em viagem oficial ao Mosteiro da Batalha, no próximo dia 14, visto ser este dia destinado à comemoração da Batalha de Aljubarrota onde mais uma vez os nossos antepassados demonstraram o seu amor patriótico, lutando pela defesa da nossa independência e vencendo, à custa de inúmeros sacrifícios, apesar da enorme desigualdade numérica, material e monetária, os espanhóis que nos pretendiam aniquilar.

 

Esta comemoração tem um fim patriótico e justo, incitando não só o povo português, como a juventude, pois ali se reunirão crianças de todos os concelhos do país, a não esquecerem o quanto fizeram os nossos avós em prol da defesa do torrão que nos legaram e indicando-nos o caminho que devemos seguir, quando povos estranhos tentarem pôr o pé nas pequenas terras onde colhemos o nosso pão.

 

Assim como os nossos antepassados se uniram, acatando as ordens dum só chefe que foi D. Nuno Álvares Pereira, e venceram, também nós, quando chegar o momento de perigar a nossa independência, nos devemos unir, cumprindo rigorosamente as ordens dum só chefe, para podermos também vencer. É uma manifestação que ficará inesquecível na memória de quantos ali forem venerar os dirigentes da Batalha de Aljubarrota”.

 

 

Para se entender completamente o significado do que antecede, tem de se recordar o seu enquadramento na época: em Espanha tinha estalado havia um mês a guerra civil, acontecimento terrível, fonte de indizíveis atrocidades que durou até 1938, cuja finalidade era combater e derrotar o regime comunista que a República emergente tinha instituído naquele País. Salazar, vendo as barbas do vizinho a arder, tratava de pôr as suas de molho... Assim se compreende o porquê do apelo ao nacionalismo e à obediência ao chefe.

 

 

Segue-se mais um conjunto grande de sessões sem nada de especial a anotar, salvo o seguinte: como já se viu, o ordenado do secretário, que inicialmente era de 200$00 por ano, passou a ser de 360$00, segundo a verba que figura com tal finalidade no orçamento para 1936. Verifica-se no entanto que, além disso, a Junta lhe paga todos os meses uma gratificação de 60$00 – que devia corresponder aos 10% das receitas da electricidade, a que lhe dava direito o seu contracto inicial. Contudo, também lhe são pagos mais 25$00 por mês, alegadamente da leitura dos contadores. Ora: 85$00 por mês, são 1.020$00 por ano – o que, naquele tempo, era uma verdadeira fortuna; tal verba, paga supletivamente a alguém que tinha o ordenado anual de somente 360$00, parece um verdadeiro Brasil!

 

 

 

 Além doutras “manobras”  observadas, com que claramente procurava tirar partido da sua situação na Junta para obter acrescidas vantagens pessoais - seja na sua própria colocação de professor, seja na tentativa de “encaixar” também a filha -, não seria exactamente esse “Brasil”, e o que ele significa de domínio dos membros do Executivo da Junta a seu “bel prazer”, que terá levado o antigo tesoureiro, Manuel Nunes de Paiva, a “pôr a boca no trombone” frente ao Governador Civil e ao Presidente da Câmara, como se viu atrás? Certamente…

 

 E como é que a electricidade haveria de render para tanta despesa? É que, além do que o que o secretário recebia, ainda havia que pagar 15$00 por mês ao cobrador do Bonsucesso, Manuel Capela, e 20$00 mensais ao cobrador de Verdemilho, João Neves. Não só parece despesa excessiva (adiante comprovar-se-á que era!), como o aparente desequilíbrio que nela existia, em claro benefício do secretário, suscitava dúvidas sobre o rigor da gestão da Junta.

 

 

 

Na acta da sessão extraordinária do dia 8 de Novembro de 1936, diz-se que os elementos da Junta foram “… convocados exclusivamente para apreciarem a exposição de todos os lavradores, comerciantes, industriais, funcionários públicos, etc., os quais desejam que o Ramal da E.N. nº 50 – 2ª classe – Aveiro – Palhaça continue construída em paralelos até ao seu terminus, que é a Palhaça, visto só estar adjudicada nestas condições até ao lugar de Quintãs, e ser o solo dali até ao seu terminus, bastante roto, o que originará em pouco tempo a sua obstruição e, por conseguinte uma nova despesa acarretará para o Estado, com manifesto prejuízo dos povos que necessitam transitar por aquela tão central artéria. Esta Corporação Administrativa faz seu este benéfico e patriótico pedido, pois o acha inteiramente justo pelo que faz votos para que seja, sem demora, adjudicado, apoiando incondicionalmente esta exposição, cuja resolução foi aprovada por unanimidade e exarada na acta desta sessão extraordinária, convocada exclusivamente para este fim”.

 

 

 

Seguiu-se novo conjunto de sessões rotineiras, sem nada de especial a anotar, até que, na sessão ordinária de 10 de Janeiro de 1937, se aprovou o orçamento para esse ano, em que a receita e a despesa montavam ao total global de 21.254$10.

 

 

Na acta da sessão ordinária do dia 24 de Janeiro de 1937, além dos assuntos correntes, surgem duas decisões curiosas e com interesse. Uma é que “foi deliberado indemnizar os subscritores da secção eléctrica com menos de 500$00, caso não queiram perfazer aquela quantia; pelo que deixarão de ser sócios e usufruir o bónus que até esta data lhes era concedido”. A outra é que foi decidido “Passar editais proibindo o enterramento em terreno público, de cadáveres que estejam envoltos em urnas pintadas, visto que estas são de difícil consumo pela terra”.

 

 

Entre os diversos pagamentos rotineiros decididos na sessão ordinária seguinte, que foi em 7 de Fevereiro, surge, na sequência do deliberado na sessão de 24 de Janeiro, dois pagamentos, de 250$00 cada um, a sócios da secção eléctrica, que assim deixam de beneficiar do bónus. São, curiosamente, dois compadres: Ernesto Pedro, do Bonsucesso e António da Rosa Martins, de Verdemilho.

 

Na sessão ordinária de 2 de Maio de 1937 foi deliberado “nomear José da Silva Justiça, da Quinta do Picado, para dar corda e proceder às reparações necessárias do relógio da torre da igreja, vencendo a gratificação anual de 100$00, funções que deixa de exercer, nesta data, o Sr. António dos Santos Madaíl, visto não possuir habilitações para poder exercer aquele cargo”.

         

 

Na sessão ordinária de 8 de Agosto de 1937 a Junta deliberou “entregar ao Estado a capela e suas pertenças, sita no lugar de Arada, desta freguesia, que o cidadão José Lopes Ferraz da Gama doou a esta Junta, em virtude de nada render para a Junta e esta não ter dinheiro para poder pagar os direitos impostos pelo Estado, na importância de (3.333$50) três mil trezentos e trinta e três escudos e cinquenta centavos, conforme foi comunicado ao Exmo. Senhor Governador Civil deste Distrito, em ofício nº 42”.

 

 

E na acta da sessão ordinária de 19 de Setembro de 1937, diz-se: “Foi ainda, e finalmente, deliberado afixar editais anunciando as eleições da nova Junta, no dia 10 do próximo mês de Outubro, conforme determinação do Exmo. Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, os quais foram afixados nos lugares mais públicos e do costume”.

 

 
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