David Paiva Martins, Aradas. Um olhar sobre a primeira metade do século XX (Da Junta de Parochia à Junta de Freguesia). 1ª ed., Aradas, Junta de Freguesia de Aradas, 2008, 268 pp.

5.1.1 – Inauguração do cais do Eirô

 

A acta da sessão ordinária de 4 de Novembro de 1934  é a mais longa que se encontrou até aqui. É, também, invulgar e curiosa. Deixando de lado os assuntos correntes,  transcreve-se o essencial dela:

 

“Mais foi deliberado exarar nesta acta a inauguração do Cais do Eirô. A notável remodelação do Cais do Eirô, que nesta data foi inaugurada solenemente, partiu da iniciativa desta Comissão Administrativa, como se verifica pelos ofícios registados no respectivo livro I com o número 17 e o segundo com o nº 37, que constam do arquivo desta Junta, e foi realizada pela Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro.

 

Esta Comissão Administrativa, logo que teve conhecimento do acabamento das obras, pôs-se em comunicação verbal com o Exmo. Sr. Engenheiro Director da referida Junta Autónoma e de comum acordo foi fixado o dia para a inauguração, resolvendo, logo, esta Comissão, elaborar o programa das festas a realizar, para comemorar a data da inauguração de melhoramento de tão transcendente importância para esta freguesia. Tendo tido logo de início o oferecimento gratuito da Música Nova de Ílhavo, para abrilhantar o acto inaugural do Cais do Eirô, fez publicar e distribuir profusamente a proclamação seguinte: “Junta da Freguesia de S. Pedro das Aradas (Aveiro) Cais do Eirô. Encontram-se concluídos os trabalhos de reparação do Cais do Eirô, de Verdemilho. Constitui o trabalho realizado, um empreendimento de grande valor e de notável alcance económico para toda a freguesia de S. Pedro das Aradas e povos circunvizinhos. Obra monumental, empreendida e levada a cabo pela Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro. A abertura da água para o canal tem lugar em 4 de Novembro, pelas 15 e meia horas, prefixas. A este acto, de excepcional importância, assistem, além da Junta Autónoma, individualidades de destaque no Concelho de Aveiro e no Concelho de Ílhavo, ao qual, este melhoramento também beneficiará. Assim, a Junta da minha presidência, interpretando o sentir do povo desta laboriosa freguesia de S. Pedro das Aradas, tem a honra de convidar toda a população a assistir ao significativo acto da abertura da água para o Cais do Eirô, que vai marcar, para a economia dos povos da Região, uma nova era de progresso e prosperidades. A abertura da água para o Cais do Eirô, será anunciada por uma salva de 21 tiros, sendo o acto da inauguração abrilhantado pela Música Nova de Ílhavo, que muito gentilmente se ofereceu. Freguesia de S. Pedro das Aradas, 29 de Outubro de 1934. O Presidente da Comissão Administrativa, José dos Santos Capela.”

 

Simultaneamente com a publicação desta proclamação, fez-se imprimir o convite para o “Porto de Honra”, que se transcreve: “Junta da Freguesia de S. Pedro das Aradas. Convite. A Junta da Freguesia de S. Pedro das Aradas, tem a honra de convidar V. Exa.  a assistir ao “Porto de Honra”, que tem lugar na sede desta Junta, após a abertura da água para o Cais do Eirô, de Verdemilho, no dia 4 de Novembro, pelas quinze e meia horas, prefixas. O Presidente da Comissão Administrativa, José dos Santos Capela”, e nomeou-se Delegado desta Comissão Administrativa, para a representar como orador, no acto inaugural, o Exmo. Sr. Doutor António Lebre, ilustre capitão Médico Veterinário.

 

O dia havia amanhecido sombrio, chovendo amiudadas vezes. Cerca das doze horas ainda as bátegas de água se faziam sentir, de forma mais desanimadora. Após, porém, uma mais forte descarga de água, o dia começou a aclarar, o céu tornou-se límpido a pouco e pouco começando a nascer em todos a esperança da efectivação do acto inaugural do Cais do Eirô. O povo dos vários lugares da freguesia, da Coutada e Corgo Comum, não sem receio de se ver surpreendido por novas bátegas de chuva, começou a encaminhar-se para o Cais do Eirô, onde, pelas quinze horas e meia, chegavam também as autoridades e mais elementos oficiais, cujos nomes aqui registamos: Exmo. Sr. Governador Civil do Distrito de Aveiro; Presidente e vogais da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, Engenheiros da mesma Junta, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Presidente da Câmara Municipal do concelho de Ílhavo, Comandante Casal Ribeiro, Dr. Querubim do Vale Guimarães, Dr. Alberto Souto, jornalistas e mais individualidades de destaque.

 

Em estrado levantado junto da comporta do Cais do Eirô, no seu extremo oeste, rodeado das autoridades e grande número de convidados, o Delegado desta Comissão Administrativa leu a brilhante mensagem, depois do expediente que se acha no arquivo desta Junta. Segue-se a mensagem:

 

Exmo. Sr. Presidente e Vogais da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro. Minhas senhoras e meus senhores. Uma série de circunstâncias, um conjunto de factos, aos quais não é estranha, também, a nossa vontade, determinaram que fossemos nós, como filho desta terra, freguesia de S. Pedro das Aradas, o delegado, eleito pela sua Comissão Administrativa, para vir perante vós, perante esta notabilíssima assembleia popular, falar neste acto inaugural, na abertura da água para o Cais do Eirô, da obra realizada e de outras a que urge dar execução.

 

A abertura da água para o Cais do Eirô, constitui um facto simples na sua essência, mas emocionante e grandioso no seu significado, nas suas consequências económicas para esta linda região, bela dentre as mais belas, fértil dentre as mais produtivas zonas agrárias do nosso país. Um tal acontecimento, vai marcar para os povos desta ridente região, uma era de progresso e prosperidade, e assim, um maior bem-estar para todos nós. Ao delinear a alocução que perante vós vamos pronunciar, fácil nos foi verificar a falta de beleza de forma, de elegância no arquitectado das suas palavras e ausência de brilho das suas frases e dos seus conceitos. Mas nem por isso hesitamos um momento; nem por tal facto deixamos de vir a esta jornada, a todos os títulos notável, para vos falar, para constatar com todos vós, pois contávamos e contamos com a vossa benevolência e com a vossa inteligência, que certamente vos levará a atender mais ao significado das nossas palavras, e aos factos que as determinaram, do que ao nosso estilo, à nossa prosa, a que falta brilho e elevação.

 

Assim, confortados com os raios da nossa inteligência, e certos da vossa benevolência, vamos navegar com monção, com vento favorável, ao longo do Cais do Eirô, da sua história presente e das suas tradições.

 

Era outrora, este hoje amplo e sólido Cais do Eirô, conhecido por Malhada do mesmo nome, onde a afluência dos característicos e donairosos moliceiros, tão celebrados em ricas telas, pelos nossos mais eminentes pintores, afluíam às dezenas, diariamente, com a suas enfunadas e brancas velas, transportando delicadas e finas, mas fertilizantes algas – os moliços. Ali atracavam, carregados, a rudimentares cais de estacas de pinheiro, os graciosos barcos da nossa, sem rival, Ria de Aveiro. As suas descargas eram rápidas, porque possantes mancebos, de amplos peitos, músculos fortes e rija têmpera, a tal faina se dedicavam, em troca dos exíguos lastros dos barcos, das varreduras, as quais, amontoadas, em alinhadas medas, constituíam as chamadas marés, que os varredores, (nome porque aqueles eram designados) ou vendiam, ou levavam a fertilizar as suas próprias terras, ou as terras que traziam de renda.

 

À volta de 1890, deveriam andar na faina da apanha do moliço, cerca de 50 barcos, desta freguesia, com alguns do concelho de Ílhavo, que a este cais aportavam carregados, com as algas fertilizantes. Andar ao Rio se chamava à profissão, dos que à faina da apanha dos moliços se dedicavam; gente moça, a quem não faltava alegria, alegria comunicativa, que manifestavam por expansões várias, e entre estas, por saborosos dichotes, só peculiares à “gente do rio”. Compreende-se, assim, os enormes benefícios que de uma tal prática resultavam, em cada safra, em cada período anual, para os povos de Verdemilho, do Bonsucesso, Quinta do Picado e Coutada, que para transporte dos produtivos moliços, empregavam os seus carros de bois, formando com eles, verdadeiros comboios. E, como aqueles não possuíam outrora, garridas de ferro, faziam, quando carregados, enorme chiadeira, ao longo das estradas e caminhos vicinais, e ainda através das terras campesinas, que produzem o louro trigo, o milho, pão dos menos abastados, e a trabalhosa mas rica chicória, além doutros cereais, legumes vários, saborosas hortaliças e cobiçadas frutas. E se entre aquelas povoações não citamos o lugar de Arada, é porque este possui como que um cais privativo, uma malhada, que sendo de S. Pedro, é também de Arada, e sendo de Arada, é de todos nós, povos da freguesia do mesmo nome, a qual bem merece, ou melhor bem precisa de reparação idêntica à que este cais sofreu, o qual, pela sua perfeita realização, agora se impõe à admiração de todos nós, de todos quantos visitam a obra realizada, o Cais do Eirô.

 

A reforma deste cais, ou melhor, a sua profunda remodelação, veio dar a este esteiro, um cunho de tal magnitude, de tal grandeza, que até os próprios indivíduos, a quem um tal melhoramento mais directamente beneficia, entendem ser obra importante de mais, para este meio agrícola, para o seu comércio e para a sua indústria, tendo ficado surpresos com a sua realização e com o seu rápido acabamento, e perplexos se sentiram, ao verificarem que nem sequer lhes era exigida, atendam bem, em troca de tão grande benefício, como na velha usança, os seus votos de eleitores!... Na verdade, a Exma. Comissão Executiva da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, da qual fazem parte: o Exmo. Sr. Major Gaspar Ferreira, como presidente, e os vogais Exmo. Sr. Capitão do Porto, Capitão-de-Fragata José Vicente Casal Ribeiro; Delegado do Procurador da República, Dr. Celestino de Figueiredo Dias e o Exmo. Sr. João Ribeiro Coutinho de Lima, Director e vogal da Junta Autónoma, cônscios da Missão que lhes compete, não careceram de outro incentivo, além da sugestão que, em ofícios, a Comissão Administrativa da Junta desta Freguesia lhes fez, para, uma vez verificada a importância e urgência da obra, lhe dar começo e finalidade. Bem merece por tal facto, o corpo directivo, a Junta da Ria e Barra de Aveiro, da qual fazem parte, além dos membros da Comissão Executiva já citados, mais 14 individualidades, representativas de várias entidades, o reconhecimento muito sincero de todos nós; mas é justo destacar aqui, o nome do proficiente, culto e incansável engenheiro, Exmo. Sr. Doutor João Ribeiro Coutinho de Lima, Director Técnico da mesma Junta, que tem sido a alma desta e doutras obras de idêntica natureza, realizadas nesta Formosa Ria de Aveiro.

 

 Não vai longe o tempo, em que deitar um barco moliceiro à água, constituía para os povos desta freguesia um verdadeiro acontecimento. A população do respectivo lugar, da povoação à qual o barco pertencia, acompanhava-o, radiante de alegria, ou nele navegava por terra, desde o seu improvisado estaleiro, até à antiga Malhada, onde a nova unidade vagarosamente descia dos carros que o transportavam, até deslizar nas águas vivas, na maré cheia. Dadas as comodidades que este cais agora oferece à navegação da Ria, tudo leva a crer que aqueles tempos voltarão, e que novos moliceiros sulcarão as profundas águas deste amplo Cais do Eirô, e outros transportes fluviais e marítimos nos trarão, os juncos, os balastros, os paralelipípedos de granito e madeiras para serrar. A exportação de produtos regionais, madeiras serradas, telha, tijolos, adobos e outros produtos, realizar-se-á também por este cais em larga escala. E, se tal acontecer, como tudo leva a crer, é mais um argumento a justificar a grandeza da obra realizada.

 

 Esta expressão, encomiástica, nada tem de exagerada; e, para o demonstrar, bastar-nos-á citar alguns números, a par da enumeração dos materiais empregados, das várias dimensões que há a considerar, dias de trabalho efectivo e número de homens empregados na realização deste melhoramento. Todo este vasto empreendimento, toda esta obra que agora se nos patenteia, teve realização no limitado espaço de 104 dias, pois que, tendo sido iniciada em 23 de Julho, tem a sua conclusão, neste memorável dia - 4 de Novembro. O número de homens, que a esta obra deram finalidade e começo, foram 92 em média, por dia de trabalho útil. Os metros cúbicos de lodo removidos, elevaram-se a 9.500. As placas de cimento armado, que revestem as paredes do Cais, atingem a cifra de 470, elevando-se o número de estacas do mesmo material, a 123. Uns e outros destes elementos de suporte, constituem um total de 65 metros cúbicos de cimento armado!... O comprimento total do cais acostável , abrange a notável extensão de 230 metros. Só o cais do lado de S. Pedro, atracável das duas margens, oferece-nos o comprimento de 55 metros.

 

O cais de Verdemilho, propriamente dito, atracável duma só margem, apresenta-nos a apreciável extensão de 125 metros. Cada um destes dois cais, mede em qualquer ponto da sua extensão, 11 metros de largura. O cais do lado de S. Pedro, é servido por um canal de 8 metros de largura, acusando o canal que dá acesso ao cais de Verdemilho, 350 metros de comprimento, por 10 metros de largura. A totalidade de torrões empregado no revestimento das margens dos cais de acesso, elevam-se ao bonito número de vinte mil!...A profundidade no máximo baixa-mar, em todos os três canais, não é nunca inferior a um metro.

 

Os barcos, ao atingirem a ligação do canal de S. Pedro com o de Verdemilho, fazem inversão, de forma a atracarem aos cais em posição de proa voltada ao mar, prontos a largar para nova rota. Podem contar-se por dezenas os barcos que d’ora avante, podem atracar e descarregar ao mesmo tempo neste magnífico cais.

 

Estes simples dados, justificam bem, não obstante o seu laconismo, a expressão de grandeza com que apelidamos esta obra, este melhoramento de vital importância para a zona agrícola, industrial e comercial que fica servindo.

 

Mas esta obra, não obstante a largueza de vistas com que foi delineada, e o seu perfeito acabamento, não está completa. Parece um contra-senso, mas é mesmo assim. Para sua completa finalidade, para que ela não resulte como que inútil, torna-se indispensável conseguir, que o canal que atravessa o largo do Paraíso, seja dragado, desde a extremidade oeste do canal que dá acesso ao Cais do Eirô, até à Veia de Arada, visto que os barcos navegam, com assaz dificuldade, através do largo daquele nome. A Junta Autónoma, a sua Comissão Executiva, elemento dirigente de superior critério, dispõe de várias dragas e outros elementos concorrentes a trabalhos desta natureza, além de boa vontade e conhecimento de causa, e, por isso, é natural que já tenha apontado, na relação das obras a realizar, este projecto, pois não deseja ver incompleta, certamente, obra de tanta monta, como esta a que vai dar agora plena finalidade com a abertura da água para o Cais do Eirô.

 

As obras são, porém, como as cerejas; umas puxam as outras, dada a facilidade com que se encandeiam. Mas a realização das obras que, como complemento desta se impõe, não depende da entidade – Junta Autónoma – mas sim da Direcção da Hidráulica, que, como aquela, navega nas mesmas águas da actividade e do progresso.

 

Desejamos referir-nos ao canal, hoje arrasado pelo lodo, e infestado pela bajunça, que, partindo do cais de Verdemilho, se estende pela baixa da Coutada até à malhada do mesmo nome. A limpeza deste canal, outrora tão frequentado pelos barcos moliceiros da Coutada, torna-se indispensável, e a sua realização inadiável, sem o que, todas as valas que atravessam a Quinta da Medela e terras baixas que a circundam e se estendem pelo fértil vale do Eirô, estão condenadas a uma mais acentuada desvalorização, dado o estacionamento forçado das águas doces, que a falta de limpeza do esteiro da Coutada, ou Medela, provocam, de forma persistente e prejudicial.

 

Dadas as afinidades existentes entre a Junta Autónoma e a Direcção da Hidráulica e as facilidades daquela, em reunir elementos de trabalho, estamos certos que não será difícil alcançar um entendimento entre os dois corpos directivos, para a realização dum dos mais importantes complementos da obra grandiosa que a referida Junta dá por pronta nesta data. À Direcção da Hidráulica restaria o encargo da limpeza de todas as valas do vale do Eirô, cujo arrasamento põe em arriscado jogo a economia dos proprietários do fértil vale, e assim, a economia de uma parcela importante das terras baixas, da progressiva e encantadora aldeia de Verdemilho.

 

Além das duas citadas entidades, às quais os povos da região estão profundamente reconhecidos, mais duas outras de notável acção realizadora, vão cooperar, certamente, em dois complementos da obra já levada a bom termo, para que a finalidade da mesma, possa ser atingida tão completamente como o merece, e se torna necessário. É às Câmaras Municipais de Aveiro e Ílhavo que nos queremos referir, e às quais, os povos das duas zonas concelhias, solicitam a reforma da calçada que, partindo do Eirô, se prolonga até à estrada distrital que atravessa a povoação de Verdemilho, e do caminho vicinal que, partindo do mesmo canal, se dirige para a povoação da Coutada. Activos e inteligentemente progressivos, os Exmos. Srs. Presidentes das Comissões Administrativas de Aveiro e Ílhavo, respectivamente Doutor Lourenço Simões Peixinho e Deniz Gomes, prontamente anuirão, disso estamos certos, a este nosso apelo, que traduz bem o pensamento dos povos desta fértil região que administram, e que bem precisam, para que o número de desempregados não aumente, da abertura de novas obras.

 

A estes Exmos. Senhores e à ilustre Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, em nome das laboriosas populações concelhias circunvizinhas desta grandiosa obra – Cais do Eirô – prestes a receber a água que há-de constituir a sua base fundamental, apresentamos agradecimentos os mais sinceros, envoltos num expressivo voto de profunda e indelével gratidão. Tenho dito. Cais do Eirô, em Verdemilho, 4 de Novembro de 1934. (a) António Lebre.

 

Terminada a leitura desta bem burilada alocução, que foi coroada com uma prolongada salva de palmas, segue-se no uso da palavra o Exmo. Sr. Presidente da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, Governador Civil Major Gaspar Ferreira que, como diz o jornal “O Democrata” e o “Correio do Vouga”, começou por agradecer os elogios que lhe eram feitos, descreveu a boa vontade e aspiração do Estado Novo, em dotar dos melhoramentos indispensáveis e urgentes todas as povoações, ainda as mais pequenas, e prometeu que, os melhoramentos citados pelo Sr. Doutor António Lebre iam ser realizados imediatamente, pois os acha justos.

 

Terminada a cerimónia de inauguração, todo o elemento oficial e mais convidados, entre os quais se contava elevado número de paroquianos, especialmente filhos de Verdemilho, e a Junta da Freguesia, José dos Santos Capela, João Maria Simões de Oliveira e José Maria Resende Bastos, dirigiram-se todos para o solar da Quinta da Senhora das Dores, onde, pela Exma. Família Tavares Lebre foi servido um magnífico “Porto de Honra”, que a todos deixou maravilhados, sendo assim facilitados os propósitos desta Comissão Administrativa, que lutava com a falta dos serviços necessários a uma festa de tão elevado requinte e bom gosto e elegância e que os jornais, tanto locais, como diários da capital e do Porto se não pouparam a trabalho, relatando minuciosamente tudo quanto ali se disse enaltecendo a Junta de Freguesia das Aradas, a Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, o Sr. Capitão e Dr. António Lebre, o Estado Novo, o Sr. Dr. Oliveira Salazar e o Sr. Presidente da República.

 

Durante o decorrer desta encantadora festa, trocaram-se brindes da mais requintada elegância e de um finíssimo tacto político, usando em primeiro lugar da palavra o Exmo. Sr. Dr. Querubim do Vale Guimarães, que foi, como é hábito seu, de notável elegância e rara eloquência, pronunciando palavras de grande simpatia para com o Exmo. Sr. Dr. António Lebre, activo filho desta terra, para com toda a sua Exma. Família, pondo em relevo, com rara mestria, a arte com que a mesa se achava composta e a finura e delicadeza das iguarias servidas.

 

Foi Deniz Gomes, Presidente da Câmara Municipal de Ílhavo, que, seguidamente usou da palavra, começando por manifestar a sua grande simpatia pelo Exmo. Sr. Dr. António Lebre, de quem, se confessou velho amigo; frisou o facto do Chefe da Família Tavares Lebre, ter nascido em Ílhavo, sendo assim seu patrício, muito se honrando a vila de Ílhavo com tal facto. Fez elogiosas referências a esta Comissão Administrativa, pondo em relevo a cooperação que lhe tem prestado o Exmo. Sr. Dr. António Lebre, citando um a um os melhoramentos que vêm sendo realizados nesta freguesia. O seu discurso a que incutiu grande brilho, foi muito apreciado pela assistência.

 

Foi Arnaldo Ribeiro, Director do “Democrata”, que usou em seguida da palavra. Enaltecendo os predicados da família Tavares Lebre, pôs em relevo os empreendimentos levados a cabo pela Junta da Freguesia das Aradas, tecendo ao corpo directivo os maiores elogios. Disse seguidamente que tais melhoramentos não podiam ter sido realidade sem a moderna e honesta orientação do Estado Novo, sendo veemente nos seus ataques aos antigos partidos.

 

Brindou em seguida o Exmo. Sr. Comandante Casal Ribeiro, que disse ter tido oportunidade de se certificar em Angola, por onde passou alguns anos, os notáveis trabalhos realizados pelo Exmo. Sr. Dr. António Lebre, em prol do desenvolvimento da Pecuária angolana. Brindava, pois, em sua honra.

 

O Secretário da Junta da Freguesia, Manuel Estudante, elucidou a assistência da orientação seguida pela Junta para alcançar a importante remodelação do Cais do Eirô, realizada pela Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro.

 

O Exmo. Sr. Dr. António Lebre agradeceu as palavras amáveis que os vários oradores lhe haviam dirigido, manifestando o reconhecimento pela presença de todos.

 

 O Exmo. Sr. Dr. Alberto Souto, que havia sido focado por vários oradores, responde num magistral improviso, que a todos maravilhou.

 

 Fechou a série dos discursos o Exmo. Sr. Governador Civil, que, em feitos de grande oratória, focou a acção progressiva do Estado Novo, procurando atrair a nova orientação da política portuguesa, o Exmo. Sr. Dr. Alberto Souto, tendo-o feito com rara subtileza de maneiras e rodeios.

 

Os discursos que foram pronunciados todos com rara elevação, mantiveram a assistência enlevada, tendo-se passado horas de prazer espiritual inesquecível. Toda a imprensa se referiu desenvolvidamente à inauguração de tão importante obra, que ficou sendo o Cais do Eirô, com o seu novo reservatório, a obra mais profícua e da maior aspiração do povo desta freguesia e lugares circunvizinhos que jamais esquecerão as entidades que contribuíram para a sua efectivação.

 

 Foi deliberado exarar, nesta acta um voto de louvor ao Exmo. Sr. Dr. António Lebre, pela sua dedicação e incansável esforço que tem prestado para a concessão deste e outros melhoramentos, e ainda pela maneira hábil como tem orientado esta Junta, formada de homens do povo, sem experiência e sem cultura, guiando-os sempre para um porto seguro. (…)”.

 

 

 

 

Notável. Não só o discurso, mas toda a acta.

 

Do discurso do então capitão Dr. António Lebre, descontado um certo gongorismo e o tom algo hiperbólico, tão ao gosto da época, destacam-se algumas informações importantes: a espantosa quantidade de barcos originários da freguesia que andavam na faina do moliço na Ria, que cerca de 1890 se cifravam em mais de cinquenta; as características técnicas do cais, com a altura mínima de um metro de água mesmo no pico da maré baixa, o que o tornava permanentemente navegável; e a justeza das obras complementares que reivindica. É evidente a extrema importância económica e social que o Cais do Eirô tinha naquele tempo!

 

Porém, passados três quartos de século, a poluição tomou conta de toda a Malhada do Eirô, que praticamente já não tem movimento de barcos. Aliás, na maré baixa fica agora completamente sem água, com a lama toda ao sol.

 

 

 

 

Segundo informa a acta da sessão ordinária de 18 de Novembro de 1934, “ … foi deliberado: (…) Enviar ao Exmo. Sr. Governador Civil do Distrito de Aveiro a seguinte representação:

 

 “Exmo. Senhor: Sabedores de que a Instrução merece a V.Exa. os maiores desvelos e atenções, tomamos a liberdade de vir expor a V.Exa. um assunto de interesse público.

 

Foi criada, há já cerca de dois anos, uma Escola do sexo masculino no lugar do Bonsucesso, desta freguesia, onde funciona uma escola mista, que não comporta a população escolar masculina, do referido lugar.

 

Como a construção de um edifício escolar é obra dispendiosa e morosa até certo ponto, veio, perante esta Junta, uma Comissão de paroquianos, presidida pelo Exmo. Sr. Doutor António Lebre, para que esta Junta cedesse o salão principal da sede desta Comissão Administrativa, para funcionamento da Escola do sexo masculino do referido lugar.

 

Como o referido salão fica num ponto dos mais cómodos para a população escolar; satisfaz a todas as exigências da higiene e conforto; mede 10 metros de comprimento, 5,28 m. de largura e 3,75 m. de altura, com uma superfície luminosa de 9,5 m2, resolveu esta Comissão cedê-lo ao Estado para o fim em vista.

 

 Tem porém aquela Comissão e esta Junta, um especial empenho em que o lugar da referida escola seja preenchido pelo professor primário Manuel Estudante, pelo facto deste prestar a esta Comissão Administrativa relevantes serviços, ter família constituída no lugar do Bonsucesso, ser muito considerado, e vir exercendo o magistério com grande dedicação, proficiência e elogiado serviço, há já dezanove anos, estando actualmente regendo a Escola masculina da Freguesia de Ílhavo, Gafanha de Aquém.

 

Como esta Comissão Administrativa entende serem inteiramente justos os alvitres apresentados, espera de V. Exa. despachos favoráveis. (…)”.

 

 

 

Esta foi a primeira tentativa que o professor Estudante fez de aproveitar o seu lugar na Junta para conseguir colocação como professor na freguesia. Outras virão.

 

 
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