A acta da sessão ordinária de 4 de Novembro de 1934 é a mais
longa que se encontrou até aqui. É, também, invulgar e curiosa. Deixando
de lado os assuntos correntes, transcreve-se o essencial dela:
“Mais foi deliberado exarar nesta acta a inauguração do Cais
do Eirô. A notável remodelação do Cais do Eirô, que nesta data foi
inaugurada solenemente, partiu da iniciativa desta Comissão
Administrativa, como se verifica pelos ofícios registados no respectivo
livro I com o número 17 e o segundo com o nº 37, que constam do arquivo
desta Junta, e foi realizada pela Junta Autónoma da Ria e Barra de
Aveiro.
Esta Comissão Administrativa, logo que teve conhecimento do
acabamento das obras, pôs-se em comunicação verbal com o Exmo. Sr.
Engenheiro Director da referida Junta Autónoma e de comum acordo foi
fixado o dia para a inauguração, resolvendo, logo, esta Comissão,
elaborar o programa das festas a realizar, para comemorar a data da
inauguração de melhoramento de tão transcendente importância para esta
freguesia. Tendo tido logo de início o oferecimento gratuito da Música
Nova de Ílhavo, para abrilhantar o acto inaugural do Cais do Eirô, fez
publicar e distribuir profusamente a proclamação seguinte: “Junta da
Freguesia de S. Pedro das Aradas (Aveiro) Cais do Eirô. Encontram-se
concluídos os trabalhos de reparação do Cais do Eirô, de Verdemilho.
Constitui o trabalho realizado, um empreendimento de grande valor e de
notável alcance económico para toda a freguesia de S. Pedro das Aradas e
povos circunvizinhos. Obra monumental, empreendida e levada a cabo pela
Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro. A abertura da água para o canal
tem lugar em 4 de Novembro, pelas 15 e meia horas, prefixas. A este
acto, de excepcional importância, assistem, além da Junta Autónoma,
individualidades de destaque no Concelho de Aveiro e no Concelho de
Ílhavo, ao qual, este melhoramento também beneficiará. Assim, a Junta da
minha presidência, interpretando o sentir do povo desta laboriosa
freguesia de S. Pedro das Aradas, tem a honra de convidar toda a
população a assistir ao significativo acto da abertura da água para o
Cais do Eirô, que vai marcar, para a economia dos povos da Região, uma
nova era de progresso e prosperidades. A abertura da água para o Cais do
Eirô, será anunciada por uma salva de 21 tiros, sendo o acto da
inauguração abrilhantado pela Música Nova de Ílhavo, que muito
gentilmente se ofereceu. Freguesia de S. Pedro das Aradas, 29 de Outubro
de 1934. O Presidente da Comissão Administrativa, José dos Santos
Capela.”
Simultaneamente com a publicação desta proclamação, fez-se
imprimir o convite para o “Porto de Honra”, que se transcreve: “Junta da
Freguesia de S. Pedro das Aradas. Convite. A Junta da Freguesia de S.
Pedro das Aradas, tem a honra de convidar V. Exa. a assistir ao “Porto
de Honra”, que tem lugar na sede desta Junta, após a abertura da água
para o Cais do Eirô, de Verdemilho, no dia 4 de Novembro, pelas quinze e
meia horas, prefixas. O Presidente da Comissão Administrativa, José dos
Santos Capela”, e nomeou-se Delegado desta Comissão Administrativa, para
a representar como orador, no acto inaugural, o Exmo. Sr. Doutor António
Lebre, ilustre capitão Médico Veterinário.
O dia havia amanhecido sombrio, chovendo amiudadas vezes.
Cerca das doze horas ainda as bátegas de água se faziam sentir, de forma
mais desanimadora. Após, porém, uma mais forte descarga de água, o dia
começou a aclarar, o céu tornou-se límpido a pouco e pouco começando a
nascer em todos a esperança da efectivação do acto inaugural do Cais do
Eirô. O povo dos vários lugares da freguesia, da Coutada e Corgo Comum,
não sem receio de se ver surpreendido por novas bátegas de chuva,
começou a encaminhar-se para o Cais do Eirô, onde, pelas quinze horas e
meia, chegavam também as autoridades e mais elementos oficiais, cujos
nomes aqui registamos: Exmo. Sr. Governador Civil do Distrito de Aveiro;
Presidente e vogais da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro,
Engenheiros da mesma Junta, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro,
Presidente da Câmara Municipal do concelho de Ílhavo, Comandante Casal
Ribeiro, Dr. Querubim do Vale Guimarães, Dr. Alberto Souto, jornalistas
e mais individualidades de destaque.
Em estrado levantado junto da comporta do Cais do Eirô, no
seu extremo oeste, rodeado das autoridades e grande número de
convidados, o Delegado desta Comissão Administrativa leu a brilhante
mensagem, depois do expediente que se acha no arquivo desta Junta.
Segue-se a mensagem:
Exmo. Sr. Presidente e Vogais da Junta Autónoma da Ria e
Barra de Aveiro. Minhas senhoras e meus senhores. Uma série de
circunstâncias, um conjunto de factos, aos quais não é estranha, também,
a nossa vontade, determinaram que fossemos nós, como filho desta terra,
freguesia de S. Pedro das Aradas, o delegado, eleito pela sua Comissão
Administrativa, para vir perante vós, perante esta notabilíssima
assembleia popular, falar neste acto inaugural, na abertura da água para
o Cais do Eirô, da obra realizada e de outras a que urge dar execução.
A abertura da água para o Cais do Eirô, constitui um facto
simples na sua essência, mas emocionante e grandioso no seu significado,
nas suas consequências económicas para esta linda região, bela dentre as
mais belas, fértil dentre as mais produtivas zonas agrárias do nosso
país. Um tal acontecimento, vai marcar para os povos desta ridente
região, uma era de progresso e prosperidade, e assim, um maior bem-estar
para todos nós. Ao delinear a alocução que perante vós vamos pronunciar,
fácil nos foi verificar a falta de beleza de forma, de elegância no
arquitectado das suas palavras e ausência de brilho das suas frases e
dos seus conceitos. Mas nem por isso hesitamos um momento; nem por tal
facto deixamos de vir a esta jornada, a todos os títulos notável, para
vos falar, para constatar com todos vós, pois contávamos e contamos com
a vossa benevolência e com a vossa inteligência, que certamente vos
levará a atender mais ao significado das nossas palavras, e aos factos
que as determinaram, do que ao nosso estilo, à nossa prosa, a que falta
brilho e elevação.
Assim, confortados com os raios da nossa inteligência, e
certos da vossa benevolência, vamos navegar com monção, com vento
favorável, ao longo do Cais do Eirô, da sua história presente e das suas
tradições.
Era outrora, este hoje amplo e sólido Cais do Eirô, conhecido
por Malhada do mesmo nome, onde a afluência dos característicos e
donairosos moliceiros, tão celebrados em ricas telas, pelos nossos mais
eminentes pintores, afluíam às dezenas, diariamente, com a suas
enfunadas e brancas velas, transportando delicadas e finas, mas
fertilizantes algas – os moliços. Ali atracavam, carregados, a
rudimentares cais de estacas de pinheiro, os graciosos barcos da nossa,
sem rival, Ria de Aveiro. As suas descargas eram rápidas, porque
possantes mancebos, de amplos peitos, músculos fortes e rija têmpera, a
tal faina se dedicavam, em troca dos exíguos lastros dos barcos, das
varreduras, as quais, amontoadas, em alinhadas medas, constituíam as
chamadas marés, que os varredores, (nome porque aqueles eram designados)
ou vendiam, ou levavam a fertilizar as suas próprias terras, ou as
terras que traziam de renda.
À volta de 1890, deveriam andar na faina da apanha do moliço,
cerca de 50 barcos, desta freguesia, com alguns do concelho de Ílhavo,
que a este cais aportavam carregados, com as algas fertilizantes. Andar
ao Rio se chamava à profissão, dos que à faina da apanha dos moliços se
dedicavam; gente moça, a quem não faltava alegria, alegria comunicativa,
que manifestavam por expansões várias, e entre estas, por saborosos
dichotes, só peculiares à “gente do rio”. Compreende-se, assim, os
enormes benefícios que de uma tal prática resultavam, em cada safra, em
cada período anual, para os povos de Verdemilho, do Bonsucesso, Quinta
do Picado e Coutada, que para transporte dos produtivos moliços,
empregavam os seus carros de bois, formando com eles, verdadeiros
comboios. E, como aqueles não possuíam outrora, garridas de ferro,
faziam, quando carregados, enorme chiadeira, ao longo das estradas e
caminhos vicinais, e ainda através das terras campesinas, que produzem o
louro trigo, o milho, pão dos menos abastados, e a trabalhosa mas rica
chicória, além doutros cereais, legumes vários, saborosas hortaliças e
cobiçadas frutas. E se entre aquelas povoações não citamos o lugar de
Arada, é porque este possui como que um cais privativo, uma malhada, que
sendo de S. Pedro, é também de Arada, e sendo de Arada, é de todos nós,
povos da freguesia do mesmo nome, a qual bem merece, ou melhor bem
precisa de reparação idêntica à que este cais sofreu, o qual, pela sua
perfeita realização, agora se impõe à admiração de todos nós, de todos
quantos visitam a obra realizada, o Cais do Eirô.
A reforma deste cais, ou melhor, a sua profunda remodelação,
veio dar a este esteiro, um cunho de tal magnitude, de tal grandeza, que
até os próprios indivíduos, a quem um tal melhoramento mais directamente
beneficia, entendem ser obra importante de mais, para este meio
agrícola, para o seu comércio e para a sua indústria, tendo ficado
surpresos com a sua realização e com o seu rápido acabamento, e
perplexos se sentiram, ao verificarem que nem sequer lhes era exigida,
atendam bem, em troca de tão grande benefício, como na velha usança, os
seus votos de eleitores!... Na verdade, a Exma. Comissão Executiva da
Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, da qual fazem parte: o Exmo.
Sr. Major Gaspar Ferreira, como presidente, e os vogais Exmo. Sr.
Capitão do Porto, Capitão-de-Fragata José Vicente Casal Ribeiro;
Delegado do Procurador da República, Dr. Celestino de Figueiredo Dias e
o Exmo. Sr. João Ribeiro Coutinho de Lima, Director e vogal da Junta
Autónoma, cônscios da Missão que lhes compete, não careceram de outro
incentivo, além da sugestão que, em ofícios, a Comissão Administrativa
da Junta desta Freguesia lhes fez, para, uma vez verificada a
importância e urgência da obra, lhe dar começo e finalidade. Bem merece
por tal facto, o corpo directivo, a Junta da Ria e Barra de Aveiro, da
qual fazem parte, além dos membros da Comissão Executiva já citados,
mais 14 individualidades, representativas de várias entidades, o
reconhecimento muito sincero de todos nós; mas é justo destacar aqui, o
nome do proficiente, culto e incansável engenheiro, Exmo. Sr. Doutor
João Ribeiro Coutinho de Lima, Director Técnico da mesma Junta, que tem
sido a alma desta e doutras obras de idêntica natureza, realizadas nesta
Formosa Ria de Aveiro.
Não vai longe o tempo, em que deitar um barco moliceiro à
água, constituía para os povos desta freguesia um verdadeiro
acontecimento. A população do respectivo lugar, da povoação à qual o
barco pertencia, acompanhava-o, radiante de alegria, ou nele navegava
por terra, desde o seu improvisado estaleiro, até à antiga Malhada, onde
a nova unidade vagarosamente descia dos carros que o transportavam, até
deslizar nas águas vivas, na maré cheia. Dadas as comodidades que este
cais agora oferece à navegação da Ria, tudo leva a crer que aqueles
tempos voltarão, e que novos moliceiros sulcarão as profundas águas
deste amplo Cais do Eirô, e outros transportes fluviais e marítimos nos
trarão, os juncos, os balastros, os paralelipípedos de granito e
madeiras para serrar. A exportação de produtos regionais, madeiras
serradas, telha, tijolos, adobos e outros produtos, realizar-se-á também
por este cais em larga escala. E, se tal acontecer, como tudo leva a
crer, é mais um argumento a justificar a grandeza da obra realizada.
Esta expressão, encomiástica, nada tem de exagerada; e, para
o demonstrar, bastar-nos-á citar alguns números, a par da enumeração dos
materiais empregados, das várias dimensões que há a considerar, dias de
trabalho efectivo e número de homens empregados na realização deste
melhoramento. Todo este vasto empreendimento, toda esta obra que agora
se nos patenteia, teve realização no limitado espaço de 104 dias, pois
que, tendo sido iniciada em 23 de Julho, tem a sua conclusão, neste
memorável dia - 4 de Novembro. O número de homens, que a esta obra deram
finalidade e começo, foram 92 em média, por dia de trabalho útil. Os
metros cúbicos de lodo removidos, elevaram-se a 9.500. As placas de
cimento armado, que revestem as paredes do Cais, atingem a cifra de 470,
elevando-se o número de estacas do mesmo material, a 123. Uns e outros
destes elementos de suporte, constituem um total de 65 metros cúbicos de
cimento armado!... O comprimento total do cais acostável , abrange a
notável extensão de 230 metros. Só o cais do lado de S. Pedro, atracável
das duas margens, oferece-nos o comprimento de 55 metros.
O cais de Verdemilho, propriamente dito, atracável duma só
margem, apresenta-nos a apreciável extensão de 125 metros. Cada um
destes dois cais, mede em qualquer ponto da sua extensão, 11 metros de
largura. O cais do lado de S. Pedro, é servido por um canal de 8 metros
de largura, acusando o canal que dá acesso ao cais de Verdemilho, 350
metros de comprimento, por 10 metros de largura. A totalidade de torrões
empregado no revestimento das margens dos cais de acesso, elevam-se ao
bonito número de vinte mil!...A profundidade no máximo baixa-mar, em
todos os três canais, não é nunca inferior a um metro.
Os barcos, ao atingirem a ligação do canal de S. Pedro com o
de Verdemilho, fazem inversão, de forma a atracarem aos cais em posição
de proa voltada ao mar, prontos a largar para nova rota. Podem contar-se
por dezenas os barcos que d’ora avante, podem atracar e descarregar ao
mesmo tempo neste magnífico cais.
Estes simples dados, justificam bem, não obstante o seu
laconismo, a expressão de grandeza com que apelidamos esta obra, este
melhoramento de vital importância para a zona agrícola, industrial e
comercial que fica servindo.
Mas esta obra, não obstante a largueza de vistas com que foi
delineada, e o seu perfeito acabamento, não está completa. Parece um
contra-senso, mas é mesmo assim. Para sua completa finalidade, para que
ela não resulte como que inútil, torna-se indispensável conseguir, que o
canal que atravessa o largo do Paraíso, seja dragado, desde a
extremidade oeste do canal que dá acesso ao Cais do Eirô, até à Veia de
Arada, visto que os barcos navegam, com assaz dificuldade, através do
largo daquele nome. A Junta Autónoma, a sua Comissão Executiva, elemento
dirigente de superior critério, dispõe de várias dragas e outros
elementos concorrentes a trabalhos desta natureza, além de boa vontade e
conhecimento de causa, e, por isso, é natural que já tenha apontado, na
relação das obras a realizar, este projecto, pois não deseja ver
incompleta, certamente, obra de tanta monta, como esta a que vai dar
agora plena finalidade com a abertura da água para o Cais do Eirô.
As obras são, porém, como as cerejas; umas puxam as outras,
dada a facilidade com que se encandeiam. Mas a realização das obras que,
como complemento desta se impõe, não depende da entidade – Junta
Autónoma – mas sim da Direcção da Hidráulica, que, como aquela, navega
nas mesmas águas da actividade e do progresso.
Desejamos referir-nos ao canal, hoje arrasado pelo lodo, e
infestado pela bajunça, que, partindo do cais de Verdemilho, se estende
pela baixa da Coutada até à malhada do mesmo nome. A limpeza deste
canal, outrora tão frequentado pelos barcos moliceiros da Coutada,
torna-se indispensável, e a sua realização inadiável, sem o que, todas
as valas que atravessam a Quinta da Medela e terras baixas que a
circundam e se estendem pelo fértil vale do Eirô, estão condenadas a uma
mais acentuada desvalorização, dado o estacionamento forçado das águas
doces, que a falta de limpeza do esteiro da Coutada, ou Medela,
provocam, de forma persistente e prejudicial.
Dadas as afinidades existentes entre a Junta Autónoma e a
Direcção da Hidráulica e as facilidades daquela, em reunir elementos de
trabalho, estamos certos que não será difícil alcançar um entendimento
entre os dois corpos directivos, para a realização dum dos mais
importantes complementos da obra grandiosa que a referida Junta dá por
pronta nesta data. À Direcção da Hidráulica restaria o encargo da
limpeza de todas as valas do vale do Eirô, cujo arrasamento põe em
arriscado jogo a economia dos proprietários do fértil vale, e assim, a
economia de uma parcela importante das terras baixas, da progressiva e
encantadora aldeia de Verdemilho.
Além das duas citadas entidades, às quais os povos da região
estão profundamente reconhecidos, mais duas outras de notável acção
realizadora, vão cooperar, certamente, em dois complementos da obra já
levada a bom termo, para que a finalidade da mesma, possa ser atingida
tão completamente como o merece, e se torna necessário. É às Câmaras
Municipais de Aveiro e Ílhavo que nos queremos referir, e às quais, os
povos das duas zonas concelhias, solicitam a reforma da calçada que,
partindo do Eirô, se prolonga até à estrada distrital que atravessa a
povoação de Verdemilho, e do caminho vicinal que, partindo do mesmo
canal, se dirige para a povoação da Coutada. Activos e inteligentemente
progressivos, os Exmos. Srs. Presidentes das Comissões Administrativas
de Aveiro e Ílhavo, respectivamente Doutor Lourenço Simões Peixinho e
Deniz Gomes, prontamente anuirão, disso estamos certos, a este nosso
apelo, que traduz bem o pensamento dos povos desta fértil região que
administram, e que bem precisam, para que o número de desempregados não
aumente, da abertura de novas obras.
A estes Exmos. Senhores e à ilustre Junta Autónoma da Ria e
Barra de Aveiro, em nome das laboriosas populações concelhias
circunvizinhas desta grandiosa obra – Cais do Eirô – prestes a receber a
água que há-de constituir a sua base fundamental, apresentamos
agradecimentos os mais sinceros, envoltos num expressivo voto de
profunda e indelével gratidão. Tenho dito. Cais do Eirô, em Verdemilho,
4 de Novembro de 1934. (a) António Lebre.
Terminada a leitura desta bem burilada alocução, que foi
coroada com uma prolongada salva de palmas, segue-se no uso da palavra o
Exmo. Sr. Presidente da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro,
Governador Civil Major Gaspar Ferreira que, como diz o jornal “O
Democrata” e o “Correio do Vouga”, começou por agradecer os elogios que
lhe eram feitos, descreveu a boa vontade e aspiração do Estado Novo, em
dotar dos melhoramentos indispensáveis e urgentes todas as povoações,
ainda as mais pequenas, e prometeu que, os melhoramentos citados pelo
Sr. Doutor António Lebre iam ser realizados imediatamente, pois os acha
justos.
Terminada a cerimónia de inauguração, todo o elemento oficial
e mais convidados, entre os quais se contava elevado número de
paroquianos, especialmente filhos de Verdemilho, e a Junta da Freguesia,
José dos Santos Capela, João Maria Simões de Oliveira e José Maria
Resende Bastos, dirigiram-se todos para o solar da Quinta da Senhora das
Dores, onde, pela Exma. Família Tavares Lebre foi servido um magnífico
“Porto de Honra”, que a todos deixou maravilhados, sendo assim
facilitados os propósitos desta Comissão Administrativa, que lutava com
a falta dos serviços necessários a uma festa de tão elevado requinte e
bom gosto e elegância e que os jornais, tanto locais, como diários da
capital e do Porto se não pouparam a trabalho, relatando minuciosamente
tudo quanto ali se disse enaltecendo a Junta de Freguesia das Aradas, a
Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, o Sr. Capitão e Dr. António
Lebre, o Estado Novo, o Sr. Dr. Oliveira Salazar e o Sr. Presidente da
República.
Durante o decorrer desta encantadora festa, trocaram-se
brindes da mais requintada elegância e de um finíssimo tacto político,
usando em primeiro lugar da palavra o Exmo. Sr. Dr. Querubim do Vale
Guimarães, que foi, como é hábito seu, de notável elegância e rara
eloquência, pronunciando palavras de grande simpatia para com o Exmo.
Sr. Dr. António Lebre, activo filho desta terra, para com toda a sua
Exma. Família, pondo em relevo, com rara mestria, a arte com que a mesa
se achava composta e a finura e delicadeza das iguarias servidas.
Foi Deniz Gomes, Presidente da Câmara Municipal de Ílhavo,
que, seguidamente usou da palavra, começando por manifestar a sua grande
simpatia pelo Exmo. Sr. Dr. António Lebre, de quem, se confessou velho
amigo; frisou o facto do Chefe da Família Tavares Lebre, ter nascido em
Ílhavo, sendo assim seu patrício, muito se honrando a vila de Ílhavo com
tal facto. Fez elogiosas referências a esta Comissão Administrativa,
pondo em relevo a cooperação que lhe tem prestado o Exmo. Sr. Dr.
António Lebre, citando um a um os melhoramentos que vêm sendo realizados
nesta freguesia. O seu discurso a que incutiu grande brilho, foi muito
apreciado pela assistência.
Foi Arnaldo Ribeiro, Director do “Democrata”, que usou em
seguida da palavra. Enaltecendo os predicados da família Tavares Lebre,
pôs em relevo os empreendimentos levados a cabo pela Junta da Freguesia
das Aradas, tecendo ao corpo directivo os maiores elogios. Disse
seguidamente que tais melhoramentos não podiam ter sido realidade sem a
moderna e honesta orientação do Estado Novo, sendo veemente nos seus
ataques aos antigos partidos.
Brindou em seguida o Exmo. Sr. Comandante Casal Ribeiro, que
disse ter tido oportunidade de se certificar em Angola, por onde passou
alguns anos, os notáveis trabalhos realizados pelo Exmo. Sr. Dr. António
Lebre, em prol do desenvolvimento da Pecuária angolana. Brindava, pois,
em sua honra.
O Secretário da Junta da Freguesia, Manuel Estudante,
elucidou a assistência da orientação seguida pela Junta para alcançar a
importante remodelação do Cais do Eirô, realizada pela Junta Autónoma da
Ria e Barra de Aveiro.
O Exmo. Sr. Dr. António Lebre agradeceu as palavras amáveis
que os vários oradores lhe haviam dirigido, manifestando o
reconhecimento pela presença de todos.
O Exmo. Sr. Dr. Alberto Souto, que havia sido focado por
vários oradores, responde num magistral improviso, que a todos
maravilhou.
Fechou a série dos discursos o Exmo. Sr. Governador Civil,
que, em feitos de grande oratória, focou a acção progressiva do Estado
Novo, procurando atrair a nova orientação da política portuguesa, o
Exmo. Sr. Dr. Alberto Souto, tendo-o feito com rara subtileza de
maneiras e rodeios.
Os discursos que foram pronunciados todos com rara elevação,
mantiveram a assistência enlevada, tendo-se passado horas de prazer
espiritual inesquecível. Toda a imprensa se referiu desenvolvidamente à
inauguração de tão importante obra, que ficou sendo o Cais do Eirô, com
o seu novo reservatório, a obra mais profícua e da maior aspiração do
povo desta freguesia e lugares circunvizinhos que jamais esquecerão as
entidades que contribuíram para a sua efectivação.
Foi deliberado exarar, nesta acta um voto de louvor ao Exmo.
Sr. Dr. António Lebre, pela sua dedicação e incansável esforço que tem
prestado para a concessão deste e outros melhoramentos, e ainda pela
maneira hábil como tem orientado esta Junta, formada de homens do povo,
sem experiência e sem cultura, guiando-os sempre para um porto seguro.
(…)”.
Notável. Não só o discurso, mas toda a acta.
Do discurso do então capitão Dr. António Lebre, descontado um
certo gongorismo e o tom algo hiperbólico, tão ao gosto da época,
destacam-se algumas informações importantes: a espantosa quantidade de
barcos originários da freguesia que andavam na faina do moliço na Ria,
que cerca de 1890 se cifravam em mais de cinquenta; as características
técnicas do cais, com a altura mínima de um metro de água mesmo no pico
da maré baixa, o que o tornava permanentemente navegável; e a justeza
das obras complementares que reivindica. É evidente a extrema
importância económica e social que o Cais do Eirô tinha naquele tempo!
Porém, passados três quartos de século, a poluição tomou
conta de toda a Malhada do Eirô, que praticamente já não tem movimento
de barcos. Aliás, na maré baixa fica agora completamente sem água, com a
lama toda ao sol.
Segundo informa a acta da sessão ordinária de 18 de Novembro
de 1934, “ … foi deliberado: (…) Enviar ao Exmo. Sr. Governador Civil do
Distrito de Aveiro a seguinte representação:
“Exmo. Senhor: Sabedores de que a Instrução merece a V.Exa.
os maiores desvelos e atenções, tomamos a liberdade de vir expor a V.Exa.
um assunto de interesse público.
Foi criada, há já cerca de dois anos, uma Escola do sexo
masculino no lugar do Bonsucesso, desta freguesia, onde funciona uma
escola mista, que não comporta a população escolar masculina, do
referido lugar.
Como a construção de um edifício escolar é obra dispendiosa e
morosa até certo ponto, veio, perante esta Junta, uma Comissão de
paroquianos, presidida pelo Exmo. Sr. Doutor António Lebre, para que
esta Junta cedesse o salão principal da sede desta Comissão
Administrativa, para funcionamento da Escola do sexo masculino do
referido lugar.
Como o referido salão fica num ponto dos mais cómodos para a
população escolar; satisfaz a todas as exigências da higiene e conforto;
mede 10 metros de comprimento, 5,28 m. de largura e 3,75 m. de altura,
com uma superfície luminosa de 9,5 m2, resolveu esta Comissão cedê-lo ao
Estado para o fim em vista.
Tem porém aquela Comissão e esta Junta, um especial empenho
em que o lugar da referida escola seja preenchido pelo professor
primário Manuel Estudante, pelo facto deste prestar a esta Comissão
Administrativa relevantes serviços, ter família constituída no lugar do
Bonsucesso, ser muito considerado, e vir exercendo o magistério com
grande dedicação, proficiência e elogiado serviço, há já dezanove anos,
estando actualmente regendo a Escola masculina da Freguesia de Ílhavo,
Gafanha de Aquém.
Como esta Comissão Administrativa entende serem inteiramente
justos os alvitres apresentados, espera de V. Exa. despachos favoráveis.
(…)”.
Esta foi a primeira tentativa que o professor Estudante fez
de aproveitar o seu lugar na Junta para conseguir colocação como
professor na freguesia. Outras virão. |