Costa e Melo, Ilhas do Mundo Vário. I - Ilhas do Mar, Horta, CMH, 1999, págs. 7 e 8.

Cais

Toda a Terra, quem sabe se todas as terras, é ou são mar imenso em que qualquer ilha pode cair e fixar-se como mundo a pulsar vida.

E, por vezes, criar raízes e esquecer-se de que é parte, à medida que vê ou sente medrar o que a diferença.

E tanto como no meio do mar, também as podemos encontrar nesse outro mar que a Terra é, tão diferentes nela são, por vezes, os pedaços de alma, singular ou colectiva, nadando por si ou levados pela enxurrada dos tempos ou dos sentimentos.

Chegam a julgar-se cercadas de terra por todos os lados e que a água que as isola e prende, também lhes dá asas para o voo. São as ilhas da Terra!

São as ilhas do Mar!

São almas e todas diferentes para que se igualem no mel ou no fel de qualquer tragédia que as irmane no favo.

Esse, que as aprisiona, torna-as livres para se sentirem presas à profundidade, molhada ou seca, dos seus destinos.

E é nas suas gentes que se encontra o real dessas âncoras vivendo o sonho de si.

Por isso as separei, às minhas ilhas, em dois arquipélagos.

O primeiro, pu-lo no Atlântico onde as almas, por mais salgadas, mais açoitadas são pelos ciclones do Destino.

O segundo, pu-lo nesta nesga de terra, debruada de Mar, como lhe chamou Torga e em que Tomaz Ribeiro viu o jardim da Europa, em antecipação romântica.

As de um e outro mundo são seara de gente, não de todo isenta dos joios que as tornam dolorosas.

Mas, nem por serem o que são − quem sabe se por isso mesmo... − despertaram a minha sensibilidade para as viver com a ficção a temperar a crueza real de todas elas, onde nem sempre a beleza é o contraste da realidade envolvente.

Começámos pelas do Mar, já que do Mar saiu a Vida, como querem alguns.

Iremos, depois, às da Terra, para onde são atraídos os que se sentem sós quando, à sua volta, só vêem o Mar imenso, na sua realidade telúrica.

Umas sem as outras, por mais voltas que dermos, não passam de realidades falsas, de pedaços do mundo que é o todo de que fazem parte.

Por isso assim entendi e, separando-as, espero uni-las na realidade comum que a vida é.

 

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