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N.º 23/25

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

1977/1978

A CADERVO

– O que é e no que pode tornar-se

Por Costa e Melo

Quando, nomeado Governador Civil do Distrito de Aveiro, tomei contacto informativo com o meu Ilustre antecessor, Doutor Neto Brandão, logo fui por ele alertado para o alcance enorme que para o distrito adviria do dinamismo da CADERVO, recém-formada com características de «confraria» de boas-vontades e a que tinha já sido dado um bafo tímido de oficialização através da designação de um representante da Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, por despacho do respectivo Secretário de Estado.

O aplauso que então dei à ideia foi acompanhado pelo entusiasmo que pus e encontrei nas muitas reuniões feitas no Governo Civil a propósito de tudo quanto pudesse contribuir para o desenvolvimento da Região do Vouga. A categoria profissional das seus elementos e a devoção deles à causa da região, justificavam o aplauso e o entusiasmo.

E não foi de somenos importância a circunstância de, no grupo do: devotados membros, figurarem correntes ideológicas as mais diversas. Estas jamais diminuíram o valor do conjunto porque todos, sem excepção, apontavam um interesse comum, embora com projectos de solução diferenciados.

Sempre entendi que o choque ou fricção de ideias, desde que desenvolvido em clima de civismo democrático era um factor positivo na busca das soluções adequadas à melhoria da vivência dos povos.

*

Após um razoável período de actividades, foi elaborada uma «Breve nota justificativa da proposta de oficialização da Comissão de Apoio ao Desenvolvimento da Região do Vouga, designada por CADERVO»que, por conter uma série de dados do maior interesse, julgo dever transcrever aqui nos pontos julgados essenciais:

«1 – GENERALIDADES

A região do Vouga, ocupando larga parcela de território nacional e sendo dotada naturalmente de variada gama de potencialidades, pode considerar-se uma das zonas de maior riqueza do país, pela polivalência e equilíbrio das suas actividades mais marcantes, dado o aproveitamento que daquelas têm feito as laboriosas comunidades humanas que a povoam.

A sua zona de influência, transcendendo os naturais limites geográficos da bacia hidrográfica do rio Vouga, alarga-se a uma vasta área, bastante superior à daquela, comportando tanto terras litorais como serranas, de características orográficas e climáticas por vezes muito dissemelhantes, mas complementares na sua utilização e valorização económicas.

Entre os seus recursos naturais avultam a pesca, a agricultura e pecuária, actividades produtoras de bens de consumo muito necessários para atenuar as carências da população portuguesa, acrescendo ainda a floresta e o turismo, todos eles em face longínqua da sua melhor e mais racional exploração.

2 – SUA CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA E FÍSICA

Duma forma geral, pode afirmar-se que existe uma diferenciação acentuada quanto a estes aspectos, entre as zonas litoral e interior.

Acidentada, de colos pobres e de elevada pluviosidade esta última zona, com vocação para o aproveitamento das suas possibilidades naturais na florestação e na criação de grandes albufeiras para retenção de elevados volumes de água destinados à produção de energia eléctrica, contenção de cheias através da regularização de caudais e / 6 / à utilização para a rega, converte-se em extensa planura na litoral, ora de solos aluvionares fundos e férteis, ora de origem pliocénica e boa aptidão cultural, já hoje largamente aproveitada, mas ainda em fase distante do seu melhor aproveitamento no aspecto agro-pecuário.

O ria Vouga e seus afluentes exercem forte influência na caracterização de toda a região, sendo principalmente a configuração do seu curso inferior, ou seja da extensa laguna que constitui o seu estuário, conhecido por «Ria de Aveiro», que maior incidência tem nos hábitos e actividades das suas populações.

3 – ACÇÃO DO MEIO AMBIENTE SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO E DA SUA ACTIVIDADE PRODUTIVA

As zonas interiores, de maior densidade populacional, são ocupadas por pequenos aglomerados, como resultado dos fortes condicionalismos que lhes são impostos pela adversidade do meio natural. Vivem, em regra, duma agricultura de subsistência, de rendimentos precários, e da silvicultura.

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O VOUGA em Pessegueiro do Vouga

As indústrias têm ali fraca representatividade.

A faixa litoral, antecedida de uma zona de transição, com fracos relevos, apresenta-se, praticamente sem acidentes orográficos e virada ao Atlântica. É acompanhada no sentido norte sul por extensos braças da ria, dispostos junto ao mar, aos quais afluem também, além do Vouga, numerosos cursos de água de pequeno significado.

Constitui a parcela de maior ocupação populacional, sendo mesmo uma das áreas de maior índice demográfico do país.

Múltiplas são as actividades produtivas ou de infra-estruturas económicas por que se reparte a sua ocupação profissional.

As de maior expressão respeitam à agricultura, à pecuária, à pesca, tanto de águas interiores como de exteriores, à indústria e ao comércio.

Há que realçar a importância, sempre crescente, que representa o porto de Aveiro nas trocas comerciais com o exterior.

A Ria, por seu turno, dotada de grande capacidade produtiva e em conjugação com o aproveitamento dos terrenos que a marginam, tem exercido impressiva influência no «habitat» das numerosas populações ribeirinhas, não obstante as vicissitudes por que têm passado ao longo dos tempos, devido a factores perturbadores do seu equilíbrio económico natural, umas vezes por desregradas intervenções do elemento humano que a explora, outras vezes devido a acções da própria Natureza.

O pescado, o sal e o moliço são, ainda hoje, produtos que dela se extraem, embora alguns com / 7 / tendência para a sua redução, como valor económico.

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O nascimento do sal nas salinas

A Ria constitui ainda, como via fluvial, um excelente meio de comunicação, utilizado não só pelas comunidades marginantes nas suas relações entre si, mas também de acesso ao mar, pelas frotas comercial e pesqueira.

Para além do aproveitamento directo dos recursos naturais, há que salientar a própria capacidade de iniciativa e trabalho da população, traduzida no importante parque industrial distribuído pelo Distrito de Aveiro.

Em consequência da influência directa do meio, o índice de vida das populações litorâneas, no estado natural, apresenta-se bastante superior ao da maioria das populações serranas e interiores.

4 – VÍNCULO DE LIGAÇÃO, INTERCÂMBIO E CARÊNCIA DE INFRA-ESTRUTURAS DAS POPULAÇÕES

Assinala-se o sentimento da existência dum vínculo permanente de ligação entre as diversas populações, geograficamente afastadas na região, e em fase diferente de desenvolvimento.

A necessidade de escoamento dos produtos da zona interior, sobretudo de origem florestal para as fábricas situadas no litoral, e o intercâmbio resultante das trocas comerciais de carácter geral, implicam um contacto estreito, mas que se torna penoso pela falta de adequadas vias de penetração rápida, entre as quais se realça a carência de uma estrada de ligação directa de Aveiro-Viseu-Vilar Formoso.

Se imperioso se torna a promoção do bem-estar e do progresso social, em todos os núcleos populacionais da Região do Vouga, procurando corrigir desequilíbrios existentes, não menos certo é de reconhecer quanto difícil se torna alcançar tal objectivo em relação às populações serranas, menos providas de recursos naturais.

Haverá que caminhar decidida e rapidamente no sentido de atenuar as graves carências existentes nestas, principalmente no âmbito do saneamento básico, das comunicações e da assistência social e médica.

5 – IMPORTÂNCIA ACTUAL DA REGIÃO DO VOUGA – SUAS POTENCIALlDADES

Algumas citações referentes a diferentes actividades poderão elucidar quanto à valia económica actual da Região do Vouga, no contexto nacional, como se segue:

– Cerca de 60% do leite consumido presentemente em Lisboa é produzido nesta região. Só o acréscimo deste produto a obter pelo Plano de Aproveitamento Hidráulico da Bacia do Rio Vouga, actualmente em fase de estudo, será suficiente para cobrir as necessidades desta cidade. / 8 /

– O Distrito de Aveiro ocupa o 3.º lugar no valor da contribuição industrial paga ao Estado, o que exprime o potencial presente da sua indústria.

– Aveiro tem o maior porto pesqueiro nacional. À sua praça pertencem mais de 60% dos navios bacalhoeiros portugueses. Também lhes pertencem 80% dos barcos de pesca do arrasto costeiro a operar na costa norte. O seu porto comercial movimenta já perto de 400 000 t/ano, mas as previsões apontam para uma movimentação provável de 2 milhões de toneladas no ano de 1980, o que por si conduz à exigência da construção definitiva dum novo e amplo porto, a situar em melhor local. Será pelas suas condições naturais e geográficas o porto de alternativa de Leixões, presentemente em fase de saturação.

– O próprio Estado reconheceu a importância da Região do Vouga no campo do desenvolvimento tecnológico e científico, dotando-a, em data relativamente recente, com uma Universidade, sedeada em Aveiro.

Porém, as suas potencialidades continuam ainda bastante aquém do seu pleno aproveitamento.

A execução do Plano Geral do Vouga atrás referido e destinado a fins múltiplos, previsto a médio prazo, virá insuflar-lhe um forte contributo não só para o prosseguimento da exploração dos recursos naturais, mas também para a criação de novas indústrias e, consequentemente, de milhares de postos de trabalho. Por outro lado novas actividades despontarão como o turismo e a piscicultura.

Entretanto, problemas de outra natureza têm surgido, tais como a poluição dos cursos de água e da atmosfera, resultantes do progresso industrial, e a necessidade de reconversão da actividade salineira, por falta de rentabilidade, cujas soluções têm de ser encaradas sem demora.»

*

Apesar disso e porque superiormente foi julgado poder a proposta oficialização colidir com as linhas do planeamento regional «in mente» a mesma não foi considerada.

E a CADERVO lá foi andando no seu caminhar modesto mas prestimoso de «confraria» de boas vontades, sempre pronta a debater problemas e a prestar ajudas. E não raro solicitei a sua intervenção. E tantas e tão valiosas foram as intervenções e tantas vezes para elas chamada a atenção que julgo ter sido criado o clima necessário não já para uma simples oficialização da «confraria» mas e principalmente para que a CADERVO dê lugar a qualquer coisa como um Gabinete da Área do Vouga que traga para mais perto das realidades físicas e humanas a parte maior, senão da decisão, pelo menos da intervenção coordenadora que torne aquela eficiente e adequada.

A área do Vouga que não é só a realidade de força impressionante que margina a Ria e onde os seus íncolas têm sabido criar um mundo de maior progresso, não pode nem deve deixar de compreender zonas menos propícias ao crescimento rápido mas, por isso mesmo, capazes de um desenvolvimento seguro e duradouro. Todas essas potencialidades têm de ser vistas, sentidas e coordenadas de perto numa descentralização em relação à cabeça do todo nacional e uma coordenação conducente ao melhor aproveitamento das potencialidades próximas ligadas por interesses comuns de média grandeza.

Nem é de desprezar como factor valorativo o sentimento natural de que facilmente se acredita no que se vê e voluntariamente se colabora na obra que se sabe ter sido discutida, criada e a edificar não longe da realidade física que nos cerca.

É num gabinete do tipo do apontado que poderá encontrar-se a força consciente que ajudará a região do Vouga a ser aquilo que PORTUGAL precisa que seja: uma zona mista que fabrica e cria para si e para as outras menos favorecidas de condições naturais. Nestas a implantação forçada do que quer que seja custa demasiado caro à nação e toma aspectos de demagogia suicida.

Planeie-se o que importa planear mas com inteligência fria e raciocínio vertical que, se for caso disso, não despreze os custos sociais de escolhas inadequadas.

O «Gabinete da Área do Vouga» aproveitando-se da experiência da CADERVO, poderá ser um passo em frente – e seguro – do ressurgimento nacional. Pelo menos evitará o desperdício das indecisões e duplicações numa zona de primacial importância.

E irá além disso porque a zona se presta à experiência apaixonante sem riscos de falharmos por míngua de qualidade das terras, das águas e das gentes.

2-08-1978

 

páginas 5 a 8

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