O novo Internato Distrital de
Aveiro, estabelecimento assistencial para rapazes, foi inaugurado no
passado dia 12 de Novembro.
A Senhora Dr.ª D. Maria Teresa Lobo proferindo o seu brilhante
discurso.
A sessão solene que precedeu a
inauguração, realizou-se no Salão Nobre da Junta Distrital. Presidiu
a Senhora Dr.ª D. Maria Teresa lobo, ilustre Secretário de Estado da
Saúde e Assistência. Ladearam aquele membro do Governo, entre
outros, o Governador Civil, Director-Geral dos Serviços de
Urbanização, Presidente da Junta Distrital e da Câmara Municipal de
Aveiro, Presidente da Comissão Distrital da Acção Nacional Popular,
Juiz Corregedor e Deputados.
Aberta a sessão usou da palavra o
Sr. Eng.º José Gamelas Júnior, Presidente da Junta Distrital, que
proferiu brilhante discurso. Dada a importância de que o mesmo se
reveste, constituindo documento de manifesto valor no historial de
tão importante Obra de Assistência, transcreve-se integralmente.
Inauguração do Internato Distrital de Aveiro.
«É honra para nós a visita de V.
Ex.ª, Senhor Subsecretário de Estado da Assistência, a Aveiro e a
esta Junta Distrital; honra que é orgulho e também responsabilidade,
porque em consciência obrigados nos sentimos a corresponder, pelo
menos de algum modo, à especial deferência com que nos distingue.
Eu penso que as coisas da vida se
conduzem de forma a que a vida das coisas seja ou tenda para
harmonia e equilíbrio. E se assim é, será exemplo que servirá de
apoio ao conceito franciscano de que para receber é preciso dar.
E que poderemos nós oferecer a V.
Ex.ª, pobrezinhos que somos? Pelo menos, duas coisas, à maneira ou
com o sentido do «óbolo da viúva»: hospitalidade e apresentação de
um empreendimento útil que lhe possa agradar.
Hospitalidade autêntica e franca,
porque bem sentida. Bem desejaríamos que bem se sentisse, como se em
casa sua estivesse, em ambiente de família e sem formalismos, em
espírito de amizade, porque nos atrai e une o pensamento vivo e
comum de solidariedade e de doação ao próximo.
Rodeiam-na aqui pessoas e entidades
que desejam render-lhe preito de homenagem e manifestar-lhe a sua
amizade. É o Dr. Vale Guimarães que, mesmo que não fosse Governador
Civil nem o obrigasse a função pública, aqui estaria como ilustre
aveirense, como primeiro aveirense no amor à terra que lhe foi
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berço, como anfitrião qualificado em quem, nós outros, encontramos
sempre arguta visão de toda a problemática distrital, confiança
serena na mareação da grande e complexa nau que lhe está entregue e
forte arrimo nas horas menos boas ou más. Perdoe-nos V. Ex.ª este à
vontade no dizer das coisas, que não significa elogio fácil, porque
é antes a tradução da verdade em linguagem clara e simples; é que
com o Dr. Vale Guimarães sentimos que está tudo previsto e tudo
corre bem, neste jeito e ambiente de liberdade, em que cada um é o
que é e dá o que tem.
Inauguração do Internato Distrital de Aveiro – Sessão solene.
São os deputados, hoje autênticos
representantes de todo o Distrito de Aveiro na Assembleia Nacional.
Nesta hora de boas vindas, tem V. Ex.ª aqui homens do mais
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alto valor, sobre cujos ombros cai a pesada responsabilidade
de intérpretes fiéis do pensamento e sentido dinâmico de todo um
povo que rejeita o estatismo, porque é retrogradação comprometedora,
e deseja e se atira operosamente para a frente, a partir de medidas
que revelam o afã de uma evolução que dê resposta às solicitações de
uma vida económico-social cada vez mais exigente.
E não faltam as comissões Distrital
e Concelhia da Acção Nacional Popular. A presença dos Drs. Fernando
de Oliveira e Manuel Soares, Presidentes de uma e de outra, revela,
para além do simples acto de cortesia que encerra, a preocupação que
lhes merece o desenvolvimento do mecanismo da assistência, como
elemento motivador importante da justiça e tranquilidade social,
indispensável a uma vivência cívica susceptível de preparar ou
pré-anunciar coordenadas mais seguras de uma vida política evolutiva
e atractiva das massas populacionais.
É também a Câmara Municipal de
Aveiro, de quem temos recebido inestimável colaboração e ajuda,
representada pelo seu ilustre Presidente, que rejubila e se
engalaneia por ver hoje dentro dos seus muros conceIhios, a
representação do Governo num dos seus elementos mais distintos,
arauto de novas concepções e novas perspectivas susceptíveis de uma
objectivação do sector da assistência em termos mais realistas e
dinâmicos.
Lápide respeitante à inauguração do Internato Distrital de Aveiro.
E são também as restantes Câmaras
Municipais do Distrito de Aveiro, para quem os problemas da
assistência estão na primeira linha das suas preocupações, e em
relação às quais também a Junta Distrital, mantendo uma colaboração
aberta, pretende melhorá-Ia pelo desenvolvimento do seu sector do
fomento.
Vê ainda V. Ex.ª as autoridades
civis e militares, numa atitude de encorajamento ao responsável de
uma política que não pode admitir afrouxamentos que ponham em risco
o equilíbrio social.
E conta com o povo aveirense, que
arde em anseios de promoção, que acolhe de braços abertos todos
quantos se debruçam dedicadamente e realizam obra útil à comunidade
para uma vida melhor, que valha a pena ser vivida.
Esta casa que modestamente a recebe,
casa do Distrito de Aveiro que ao Distrito se estende em atribuições
de fomento, de cultura e assistência, pretende ser uma célula de
apoio à política de V. Ex.ª, Senhor Subsecretário de Estado da
Assistência, em primeiro lugar por estar identificada com a
orientação que nos trouxe e definiu aquando da sua recente visita a
Aveiro, traduzida já em valioso estímulo através de uma
comparticipação extra de 873 750$00 e da ajuda significativa contida
no acordo de cooperação; e também porque a própria pessoa de V. Ex.ª
merece esse apoio, pela forma tão rasgada como definiu uma nova
política de assistência, em que o sentido esmola foi completamente
banido e em consequência considerado o carecido de amparo como
pessoa humana.
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A Senhora Dr.ª D. Maria Teresa Lobo abraça o «maioral» do Internato:
Feliciano Neves.
Ainda merece o apoio de todos pelo
propósito sempre manifestado de se não perder tempo, e, por essa
via, recuperarmos muito tempo perdido. A Junta Distrital de Aveiro
está pronta a colaborar na obra que se vai erguendo pelo país
inteiro no domínio da assistência social, que tanto ficará a marcar
a era de Marcelo Caetano.
E a propósito, na pessoa do
Director-Geral dos Serviços de Urbanização, Senhor Eng.º Horácio de
Moura, cuja presença agradecemos, também uma palavra de
reconhecimento pela comparticipação concedida à obra que se inaugura
e valioso auxílio dispensado aos Serviços Técnicos de Fomento deste
Corpo Administrativo.
Finalmente – os últimos são sempre
os primeiros – tem V. Ex.ª aqui ao lado o Sr. Vigário Geral da
Diocese, em representação do Bispo de Aveiro, Sr. D. Manuel de
Almeida Trindade, figura que veneramos e consideramos com filial
afecto: na bênção que vai lançar sobre todos nós, também a desejará
distinguir como filha dilecta da comunidade a que hoje se associa.
Esta é a comitiva que em Aveiro
presta justa homenagem a V. Ex.ª. Regozijo-me por supor que a
hospitalidade está garantida, num ambiente de significativa
representação, de caloroso afecto e de sincero espírito de amizade.
Todos agora estarão a pensar na
realização, com valimento suficiente, que não desmereça dos
propósitos que nos animam e valha ser apresentada à alta
consideração de V. Ex.ª.
Pois será o Internato novo que vive
hoje dia de gala, porque se inaugura. Sonho permanente de mandatos
anteriores da Junta Distrital, teve a sua corporização no da
presidência do Dr. Fernando de Oliveira.
Internato – Refeitório
Aí se erguem as suas paredes. Já
acabadas e enquadradas em linhas geométricas, a sua alvura esconde
hoje as preocupações, as dificuldades, os desânimos e a persistência
que acompanharam a sua planificação e construção.
Eu penso que na resolução de grande
parte das nossas coisas públicas, há frequentemente uma excessiva
influência da tecnocracia. Não é que seja antagonista ao uso da
técnica. Eu sou técnico, e, talvez por isso, permito-me
justificadamente ter esta afirmação. A técnica é rectilínea nos seus
conceitos algébricos, mas terá que amornar a sua frieza se quiser
ser verdadeiramente útil ao homem que dela se serve, principalmente
nos aspectos políticos e sociais.
Este Internato levou anos a
projectar, até que se tivesse chegado à última concepção. Sempre à
procura do último modelo e com adaptações sucessivas a ideias
diferentes colhidas no estrangeiro, nem sempre ajustáveis às
características lusitanas, sucederam-se os anteprojectos e perdeu-se
tempo, que é tão precioso. Perda de tempo que não aproveitou a
ninguém: nem à sociedade, que assim viu demorar o aparecimento de um
edifício que lhe era útil; nem à Junta Distrital, que foi obrigada a
despender na sua construção talvez o dobro do que estava previsto;
nem ao próprio Governo
/ 105 / que foi arrastado para
comparticipações mais vultuosas.
E nem por isso, nem por se ter
demorado, se conseguiu uma solução isenta de defeitos; para além dos
erros que saltam à vista a quem o visita, com frequência outros
surgem agora, de natureza funcional, que oneram a sua administração
e prejudicam inclusivamente a missão educacional. É cedo para termos
indicadores de gestão, mas permitimo-nos prever, com a experiência
obtida no mês de Outubro, que as despesas aumentarão de 1/3, o que
equivale a dizer que teremos uns encargos mensais da ordem dos 130 a
140 contos.
Daquele condicionalismo haveria de
resultar todo um ambiente de dúvida que durou anos, em razão de um
mar de complicações acompanhadas por ideias sucessivamente renovadas
e de trabalhos em cadeia, estéreis em grande parte, que pôs
inequivocamente à prova as qualidades de força de vontade e de
persistência do mandato da presidência do Dr. Fernando de Oliveira.
Merece aqui, por isso, uma palavra especial pelo que fez. Eu julgo
que na vida dos homens, o que mais importa e o que poderá servir de
padrão, são as obras que praticam. E este mandato realizou o seu
objectivo, porque, para além do que soube aguentar apresenta agora
uma obra bem patente a perpetuar uma ideia louvável e da maior
utilidade social.
De qualquer modo, e isso é o que
interessará, apareceram os alicerces, ergueram-se as paredes,
compartimentou-se o espaço, deram-se condições de vida, e aí está
agora o edifício pronto para exercer a sua função. Os erros e
deficiências existentes não chegam para anular ou ofuscar o seu real
e inequívoco valimento: é instrumento precioso que rasga as brumas
de um passado medieval e se projecta à luz do sol para uma vida
moderna, onde a dignidade, o respeito pelos valores humanos e
cristãos e a liberdade responsável hão-de ser, e são já, vectores
constantes na preparação dos homens de amanhã.
Vai hoje ser inaugurado o Internato
desta Junta Distrital. Pois que o seja em boa hora.
Mas eu suponho que ainda posso
oferecer mais alguma coisa a V. Ex.ª, que certamente lhe agradará: é
o trabalho pedagógico em curso no Internato.
Primeiro que tudo, impunha-se
definir sem tibieza o critério de educação a adoptar, o objectivo
que nos haveria de motivar. Sem se fixar um destino, não se inicia a
abertura de um caminho, nem mesmo de simples vereda.
Tinha-se, é certo, a percepção de
que seria a «Obra da Rua», do Padre Américo, o modelo a seguir. Era,
todavia, uma ideia apoiada apenas em aspectos de natureza geral, na
base de um conhecimento livresco e num ou outro contacto esporádico
com rapazes ali educados. Tornava-se indispensável, por isso,
pormenorizar o assunto, ir ao essencial e escolher as formas de
actuação adaptáveis ao nosso caso.
Para esse efeito, com a
concordância, aliás, de V. Ex.ª, Senhor Subsecretário de Estado da
Assistência,
/ 106 / em troca
de impressões havida em Março último, quando pela primeira vez nos
visitou, destacámos a encarregada geral do Internato para fazer
pequenos estágios em diversos estabelecimentos similares. E foi a
Paços de Sousa, e às casas filhas da «Obra da Rua» do Lar do Gaiato,
no Porto, e Lar de S. Domingos, em Lamego; esteve nas oficinas de S.
José, em Guimarães; na Casa Pia, em Lisboa, nas suas secções de Pina
Manique e Nun’Álvares; nas Aldeias S. O. S. em Sintra; e em dois
Lares da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mais propriamente em
Carcavelos e Campo de Ourique.
Visita às novas instalações do Internato.
Colhidos e apreciados os elementos
de vivência destas diversas fontes, concluímos que, na verdade,
todos os estabelecimentos visitados haviam bebido o essencial na
mesma origem: a «Obra da Rua» do Padre Américo. Era evidente que só
nos restava juntarmo-nos a eles: agora, porém, com mais conhecimento
do assunto.
Sabíamos já o que queríamos,
sabíamos já para onde ir com segurança. E desde Maio último
entrou-se afoita e progressivamente naquilo a que bem posso chamar
reforma do Internato.
Muito se fez nestes cinco meses,
Santo Deus!... Mas muitíssimo ainda falta fazer! E é tarefa que
nunca mais acaba.
Entendeu-se começar por atacar
aspectos que designaremos de natureza física. E assim é que, em
seguimento do que já estava planeado no anterior mandato:
a) Foi revisto o regime e dieta
alimentar, de forma a torná-Ia mais eficiente à saúde e crescimento
das crianças;
b) se adoptou o critério destas
intervirem na escolha do vestuário e calçado, dentro de índices que
não ofendessem uma sã economia;
c) se deixou que o corte do cabelo,
embora sem exageros, fosse ao seu gosto, medida simples que se
revelou da maior valia no psiquismo da comunidade;
d) se fez uma inspecção médica quase
total à saúde dos internados, que descobriu a agudeza de problemas
sérios, traduzida em muitas radiografias tiradas e intervenções
cirúrgicas, para já não falar de casos frequentes de anemia,
avitaminose e debilidade física.
Não admirava que isto acontecesse,
dada a miséria, física e moral, do meio donde a maioria destes
rapazes veio.
Pensávamos que, preparado o rapaz
dentro destes evangélicos princípios, mais receptivo se tornaria ao
trabalho profundo de educação que se avizinhava. A experiência
dar-nos-ia razão.
Tudo então se orientou no sentido de
haver espírito de comunidade cada vez mais reforçado. A partir de
reuniões sucessivas com os internados, lentamente vão-se despindo da
timidez e de complexos para intervirem efectivamente na resolução
dos problemas da casa. É a participação activa e séria, fundamental
para que ganhem confiança em si próprios e nos outros.
Confiar, confiar, confiar... e
arriscar. É norma magnífica que estimula a tomada de
responsabilidade, educa o rapaz como elemento humano e infunde
dignidade.
E vieram as eleições, eleições
livres e autênticas para a escolha dos diversos chefes de secção.
Que consciência de valores e de justiça não revelaram aqui os
rapazes! No dizer do Sr. Padre Carlos, sucessor do Padre Américo,
aqui presente e a quem cumprimento com o maior respeito e amizade,
uma sociedade assim formada, não podia estar perdida, e merecia, com
satisfação, a nossa dedicação e os nossos cuidados. E veio a
ocupação dos tempos livres por trabalhos adequados, que a ociosidade
é mãe de todos os vícios. E vieram os tribunais, onde eles próprios
se julgam e ditam sentença: tão ricos de conteúdo psíquico, que
extraordinário valor têm no equilíbrio da vida comunitária! E veio a
organização da limpeza do Internato, das saídas nocturnas, da
vigilância aos mais pequenos, etc., tudo feito por eles. E apareceu
toda uma estrutura
/ 107 / virada ao ensino, também
preocupação que já vinha de trás, a qual pensamos deva ser o
primeiro objectivo, a primeira preocupação desta casai e monta-se já
um serviço que conduza ao controle e orientação do rapaz que
trabalha com o respectivo patrão e ao conhecimento indispensável da
vida do maior número possível dos agregados familiares de cada um.
O Senhor Governador Civil no uso da palavra.
Mais do que pelas palavras, V. Ex.ª
poderá ver e analisar no próprio Internato o que ali se passa. É
obra que não tem fim. Vive-se ali totalmente em regime de porta
aberta, em que a liberdade é dom apreciado, sem que se negue a
responsabilidade como fonte de equilíbrio. E o que é certo é que os
casos de fugas desceram espectacularmente, quase vieram para o zero,
o que para nós é indicador da maior valia.
Há quem não compreenda este estilo
de vida. Respeitamos a opinião de toda a gente, mas também pedimos
que aceitem os nossos propósitos e a nossa sinceridade quando
afirmamos, sem menosprezo por qualquer outro método válido, que nos
parece estarmos em bom caminho, porque é nossa convicção que este
regime forja homens para amanhã de forma a integrarem-se no meio
social com dignidade e sem complexos depressores.
Notam-se defeitos ou erros na
vivência do dia a dia? Pois é evidente que existem e não se
escondem. Há ali o homem ou o futuro homem com as suas imperfeições,
e onde há o homem é utópico falar em perfeição absoluta. Diremos até
que os erros são indispensáveis para servirem de experiência e a
correcções, que fundamentam uma evolução ascensional, que é sempre
aspiração humana.
No fundo, toda esta orgânica se
desenvolve no dia a dia através de uma autogestão educacional: é
toda uma comunidade que aceita, por automatismo natural, os
princípios morais e de convivência humana que servem de alicerce à
nossa sociedade cristã e se controla e procura o equilíbrio de
vivência a partir de factores correctivos que a própria vida lhe
fornece.
A acção do educador tenderá então
para uma orientação de equilíbrio, estimulando iniciativas, fazendo
sobressair os casos que mereçam servir de exemplo, aproveitando com
oportunidade os erros cometidos para sua discussão em comunidade e
possível julgamento e para consequentes correcções. E por cima de
tudo isto, é nota importante que tudo deve ser feito com amor, com
muito amor.
A diferença, quanto a nós, a grande
diferença que existe entre os métodos clássicos e este em curso,
reside no facto daqueles se apoiarem numa orientação pedagógica e
disciplinar dirigida de cima para baixo, enquanto que este se
estrutura o mais possível no aproveitamento de tudo quanto venha de
baixo para cima, devidamente ponderado e filtrado por educadores e
educandos.
Apesar da desordem, que é aparente,
que alguns espíritos mais exigentes em disciplina quererão fazer
notar, por entenderem haver excesso de condescendência,
afigura-se-nos estarmos a montar uma escola de homens e ser
apropriada a legenda que já existe no
/ 108 /
Internato: Pão, abrigo e amor para os homens de amanhã.
A doutrina ali hoje vivida deu
escândalo e fez sofrer, sofrer muito a todos quantos, em época ainda
recente, por ela se entusiasmaram e lutaram. E nem admira, porque
buliu com o estatismo cómodo dos princípios ortodoxos; porque foi
uma reforma pragmática, quase convulsiva, que fez vibrar as
consciências e também estremecer as de muita gente socialmente
responsável, que haviam moldado um Deus ao seu jeito, à sua imagem e
semelhança.
Padre Américo, num dos seus últimos
escritos, dizia ao seu Bispo que não tinha conhecido na vida o suor
de sangue; mas sabia, isso sim, o que era o martírio em toda a sua
plenitude.
Vai V. Ex.ª inaugurar o Internato
novo da Junta Distrital de Aveiro e tem já conhecimento do que ali
se está a fazer.
Não constituirá ele um elo, embora
minúsculo, da cadeia incomensurável de iniciativas e de valores que
interessam fomentar e desenvolver para a promoção da autêntica
justiça social e cristã, a que os portugueses aspiram? Não é ele uma
instituição que bem se enquadra no plano do Estado Social de Marcelo
Caetano, que aqui respeitosamente saúdo e presto a minha homenagem,
como português que continua a ter nele confiança, confiança na sua
inteligência esclarecida e na sua dedicação à causa pública para um
Portugal mais digno e mais equitativo na distribuição das riquezas?
Eu suponho que sim, porque chega até
nós, o reforçar esta ideia, a política rasgada e de vanguarda de V.
Ex.ª, Senhor Subsecretário de Estado da Assistência, de quem
esperamos o apoio indispensável que garanta a nossa missão.
Permita-me agora V. Ex.ª distinguir
aqui o apoio estimulante que desde a primeira hora temos recebido do
Sr. Padre Carlos, pela orientação que nos dispensou e dispensa
através de frequentes contactos e por nos ter possibilitado a
estadia em Paços de Sousa de levas de rapazes nossos, que assim
melhor se vão climatizando com esta concepção de vida, ajudando
depois à evolução da nossa casa. E também aos serviços de V. Ex.ª,
na pessoa da Sr.ª D. Ana Maria Chichorro, pela abertura de diálogo,
conselho amigo e apoio valioso que nos concedeu. Ela própria, pelo
que viu no Internato já se entusiasmou pela nossa causa. Bem
desejaríamos que este entusiasmo se pudesse estender a V. Ex.ª,
porque dele bem necessitamos para a concretização do nosso
objectivo.
O Senhor Presidente da Junta Distrital com todos os funcionários da
Junta.
E se me é lícito, julgamos também
que este momento é o próprio para louvar a dedicação a esta obra de
todos os serviços desta Junta Distrital: ao sector do Fomento, a
cujo responsável, Eng.º Basílio Tavares Lebre, eu agradeço o
esforço, todo o esforço, competência e desejo de bem servir
patenteados com persistência ao longo de anos; à secretaria, na
pessoa do Sr. Alfredo José Rodrigues, seu digno e brioso chefe,
sempre em permanente alerta na defesa dos interesses da Junta
Distrital, sobre quem se apoiou todo o mecanismo e
/ 109 /
vigilância administrativa; e, especialmente, à Senhora D. Maria
Idalina Araújo da Silva, que, por uma doação total a esta causa,
espírito de sacrifício que é justo assinalar, e competência provada,
soube concretizar tão rapidamente, com o nosso apoio, toda a
programação atrás exposta.
E uma última palavra de louvor e
também de orgulho para os rapazes do Internato. Muitos deles eram
tidos como irrecuperáveis e têm dado a satisfação de uma conduta
humanamente digna, com um sentido de adaptação e espírito de
colaboração notáveis. Na pessoa do maioral, Feliciano das Neves, eu
saúdo e dou esta nota de muito regozijo aos rapazes do internato.
Atrevo-me mesmo a dizer que são eles os heróis mais destacados a
apontar nesta reforma de mentalidades em curso.
Dizia um antigo filósofo chinês que
as coisas moles e fracas davam mais garantia de vitória que as duras
e poderosas. É o gosto dos paradoxos.
Enquanto a cana se verga à passagem
do vento impalpável e furioso, a árvore altiva não resiste à
tempestade ciclónica. A areia fina do mar, que escorre por entre os
dedos da nossa mão, prolonga-se no tempo depois da morte da rocha
altaneira e secular que lhe deu origem. A montanha bruta foi
lentamente pulverizada, e um punhado de areia revela-nos a história
de todo o universo.
Eu desejaria ver a criança nesta
imagem: frágil como o grão de areia, que lentamente se desagregou da
célula familiar para sucessão das gerações. Mas mais ainda me faz
lembrar a criança abandonada ou prematuramente desvinculada do
convívio do pai ou da mãe, ou por infortúnio dos dois ou ainda
cruelmente escorraçada como ser incómodo.
Tal como o grão de areia, este ser
humano, tão cedo provado numa vida madrasta, encontra no Internato a
força da fragilidade, que está, mais do que na união com os outros,
no acordo livre de viver em comunidade, e na experiência vivida num
mundo duro e adverso, que fez varrer sobre ele os ventos impiedosos
da fome e da miséria e tantas vezes da incompreensão humana ou mesmo
do desprezo.
Que cada um seja o grão de areia de
uma argamassa que sirva de alicerce a uma sociedade digna.
Tenho dito.»
O Sr. Dr. Vale Guimarães foi o
orador seguinte.
Em apropriado improviso aludiu às
carências do Distrito no campo da assistência, enumerou as
consideráveis importâncias dispendidas pelo Estado através dos
Ministérios das Obras Públicas e da Saúde e Assistência e preconizou
a urgente cobertura no sector social e no capítulo da criança em
toda a região do Furadouro até Esmoriz.
A finalizar, o primeiro Magistrado
Administrativo do Distrito lembrou os Homens que ajudaram a erguer a
importante Obra agora inaugurada, a quem teceu os maiores encómios e
rendeu o mais vivo reconhecimento.
/ 110 /
Lembrou os Drs. António Rodrigues e Belchior Cardoso da Costa,
respectivamente Presidente e Vice-Presidente no primeiro mandato;
lembrou com profunda saudade o malogrado Dr. Aulácio Rodrigues de
Almeida, Presidente no segundo mandato e, também, grande entusiasta
da construção agora concretizada que, vitimado por brutal acidente
de viação, continua retido no leito de dor; recordou os
Vice-Presidentes Drs. Paulo Catarino e Humberto Leitão, este ilustre
Aveirense que presidiu aos destinos da autarquia distrital por mais
de dois anos; lembrou o Dr. Fernando de Oliveira, Presidente no
terceiro mandato, também grande entusiasta na construção do
Internato e, finalmente, o actual Presidente, Eng.º José Gamelas
Júnior, a quem coube o grato ensejo de ultimar a desejada e
necessária obra assistencial.
A encerrar a sessão, a Senhora Dr.ª
D. Maria Teresa Lobo brindou a numerosa e distinta assistência com
importante trabalho que constitui profunda análise ao sector social,
principalmente no que respeita à criança, carecida de assistência.
«É a segunda vez que venho ao
distrito de Aveiro. Tenho assim presente os grandes e graves
problemas que assolam esta região em franco desenvolvimento.»
O Internato de Aveiro, como o de
Arouca – disse – deveria ser piloto, servindo de espécie de campo de
estágio e apoio para obras similares. O económico e o social
constituem um binómio que não pode dissociar-se. É necessário
desenvolver todos os homens e todo o homem. Nada substitui a família
– acrescentou – mas nem sempre há família ou a família não está em
posição de exercer o seu papel fundamental. Daí, a necessidade de
instituições como a de Aveiro, que Aveiro deve considerar como sua.
Nelas, a lei do amor. Para formar homens. Porque o homem tem uma
grande profissão: a de ser homem. E ser homem é ser bom,
responsável, generoso, patriota, ter fé, construir».
Antigos membros da Junta Distrital na visita realizada ao novo
Internato por amável convite do novo presidente.
Encerrada a sessão teve lugar a
inauguração. O Prelado da Diocese lançou a bênção ao novo Internato,
dizendo que ela mais se dirigia às pessoas do que aos edifícios. E a
seguir: «Se há lugar onde me sinto bem e onde a bênção de Deus tem
pleno cabimento, é numa casa como esta». O Senhor D. Manuel de
Almeida Trindade manifestou o seu contentamento por estar a dirigir
aquela Obra Assistencial uma Senhora que é mãe e por a mesma Obra se
orientar pelos métodos do Padre Américo.
Seguiu-se a visita às instalações.
Ambiente acolhedor, mesmo familiar. O maioral, Feliciano Fernandes
das Neves, disse uma palavra de saudação e de agradecimento à
Subsecretária de Estado.
Vida nova no Internato novo. Que o
Internato saiba e possa cumprir a pesada e grata missão que lhe
pertence de modelar homens que saibam, em verdade, exercer a grande
profissão: o de ser homens.
ANTIGOS MEMBROS DA JUNTA DISTRITAL
Por louvável e oportuno convite do
actual Presidente da Junta Distrital, Eng.º José Gamelas Júnior,
antes da inauguração oficial, os antigos Membros da Junta
/ 111 /
Distrital visitaram as novas instalações do Internato.
Estiveram presentes o Dr. António
Rodrigues, primeiro presidente da Junta Distrital de Aveiro e os
Vogais no mesmo mandato, Dr. Manuel Soares e Pedro Grangeon Ribeiro
Lopes.
Vimos, também, os Drs. Humberto
Leitão e Paulo Catarino, Vice-Presidentes no segundo mandato, Drs.
Joaquim de Sousa Rios, Francisco Lourenço da Costa e Eng.os
Alberto Branco Lopes e António Manuel Pascoal, vogais no segundo
mandato e, ainda, o Sr. Dr. Fernando de Oliveira, Presidente da
Junta Distrital no terceiro mandato, Dr. Luís Carlos da Conceição e
Eng.º Paulo Seabra, Vogais no mesmo mandato. Todos os ilustres
visitantes foram recebidos pelo actual Presidente. Após demorada
visita às instalações foi servido um beberete aos antigos membros da
Junta Distrital, sendo de alegria o clima vivido pela concretização
da obra por todos tão desejada e à qual todos deram o seu entusiasmo
e o seu esforço.
Também por cativante convite do
actual Presidente da Junta Distrital, todos os serventuários do
Corpo Administrativo do Distrito, visitaram as novas instalações do
Internato. Após prolongada visita às instalações, o Sr. Presidente
da Junta Distrital ofereceu um beberete aos funcionários. Foi da
mais sã camaradagem o ambiente vivido pela já grande Família
constituída pelos dirigentes e pessoal da Junta Distrital de Aveiro.
CONSELHO DO DISTRITO
No passado dia 5 de Dezembro teve
lugar a sessão ordinária do Conselho do Distrito.
Foram aprovadas, por unanimidade, as
bases do orçamento e o plano de actividade para o próximo ano. Entre
os cometimentos que este importante documento insere, destaca-se a
construção do Arquivo Distrital de Aveiro no terreno anexo à sede da
Junta Distrital.
Dada a importância da obra que se
pretende levar a cabo – presentemente o Arquivo Distrital funciona,
a título precário, num anexo da Biblioteca Municipal –, espera-se,
com o mais vivo interesse, que a mencionada construção tenha lugar
no próximo ano. |