Vaz Ferreira, Condes da Feira, Vol. XIX, pp. 81-106.

CONDES DA FEIRA

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4.º CONDE
D. DIOGO FORJAZ PEREIRA
1514 + 26-11-1578 a 10-7-1579

D. Diogo, filho primogénito do conde da Feira D. Manuel Pereira, deve ter nascido em 1514, visto os pais terem casado no ano anterior e a mãe falecer em Junho de 1522 deixando oito filhos.

Já estava na posse da casa da Feira quando lhe foram concedidos certos privilégios pela carta de 10 de Agosto de 1553, registada a folhas 120 do livro 4.º das Confirmações.

Casou a 8 de Julho de 1536, como consta da carta de 15 do mesmo mês e ano, registada a folhas 38 do livro 2.º das Confirmações, com a sua prima co-irmã D. Ana de Meneses, donzela da rainha D. Catarina e filha de João da Silva, sexto senhor de Vagos e regedor das justiças e de D. Joana de Castro, filha do segundo conde da Feira D. Diogo.

Usou este quarto conde da Feira, primeiro, o nome igual ao do avô. O apelido Forjaz só aparece na Carta de 11 de Novembro de 1555, registada na Chancelaria de D. João III, livro 59.º, folhas 77, e depois de ter o título de conde da Feira com o assentamento de 102.854 reais pela carta de 17 de Outubro de 1556, registada na mesma Chancelaria a folhas 131 verso do livro 59.º

Começou em 1549 a fundar na vila da Feira um mosteiro de cónegos seculares de S. João Evangelista, adquirindo para o futuro convento a igreja de S. Nicolau da Feira e a de S. Mamede de Travanca anexa àquela. Depois de várias diligências e dúvidas na escolha do local, foi lançada a primeira pedra da igreja a 6 de Maio de 1560 no sítio de uma antiga ermida do Espírito Santo, seguindo as obras de construção do templo e do convento. À igreja de S. Nicolau foi unida in perpetuum a de S. Cristóvão de Nogueira da Regedoura em 14 de Junho de 1560, tomando-se posse dela a 4 de Fevereiro de 1561.   / 96 /

Também este quarto conde fez obras dispendiosas no Castelo da Feira, antepondo em 1567 a barbacã à porta da vila e pondo um relógio no cubelo norte-poente da torre de menagem, como tudo consta da pedra armoriada actualmente reposta sobre a porta da barbacã.

Habitou o conde da Feira D. Diogo Forjaz Pereira em Lisboa convivendo na corte e vindo a morrer entre 26 de Novembro de 1578, data em que figura a folhas 54 do livro 12.º dos Privilégios de D. Sebastião, e 10 de Junho de 1579, quando se mandou pagar ao neto a tença que lhe tinha pertencido, como se vê a folhas 68 verso do livro 5.º das Ementas.

Com a quinta filha deste conde da Feira, D. Joana de Castro, dama da rainha D. Catarina, se deu o caso referido pelo CONDE DE SABUGOSA nos Embrechados e nas Donas de tempos idos, ao copiar prosa atribuída pelo VISCONDE DE JUROMENHA a FREI LUÍS DE SOUSA:

«Outra vez sucedeu que comendo El Rei e a Raynha, serviu à mesa D. Joana de Castro, e de alguma indisposição lhe deu um vágado de que teve um desmaio, que deu causa a falIarem grandes cousas e ânimo a D. João da Silva, Embaixador de Castella, para em fórma de Paço perguntar a EI Rey se era causa d'aquelles acidentes?»

O CONDE DE SABUGOSA acrescenta:

«A rainha D. Catarina andou também muito curiosa e interessada em conhecer a natureza do sentimento do neto pela sua dama. Meteu nisso D. Francisca de Aragão, a sua favorita, e parece que veio a convencer-se de que as raízes dessa paixão, se a houvera, não eram profundas. E o caso é que nunca retirou a estima e a ternura que consagrava àquela sua dama, e ela figura entre as que tencionava levar consigo para Castela, quando foi dos arrufos com o neto.»

Esta filha do quarto conde da Feira morreu solteira e foi sepultada com sua irmã D. Brites de Castro, noviça em Vairão e falecida na quinta de Arnelas, no carneiro da igreja do convento da Feira.


D. MANUEL PEREIRA
1537? + 157?

O primogénito do quarto conde da Feira chamou-se D. Manuel Pereira, nasceu talvez no ano seguinte ao casamento dos pais e veio a casar com D. Joana da Silva, «hua / 97 / [Vol. XIX - N.º 74 - 1953] das mayores Heroinas do seu tempo, famosa em letras divinas e humanas, senhora de talento raro que admirava e deu que entender aos mayores letrados do seu tempo, e tudo com as grandes virtudes da sua pessoa; era venerada e estimada por todos», segundo escreveu AMADO DA AZAMBUJA, linhagista muito lido. Era trisneta do duque de Bragança D. Fernando e tinha oito filhos do D. Manuel Pereira quando este faleceu em Santarém, ainda com o pai conde da Feira vivo. Presumo que esta senhora depois de viúva veio viver para o Castelo da Feira, porque encontro legados de missas na igreja de S. Nicolau de três das suas aias, que só acompanhando-a viriam morrer à Feira. D. Joana interveio pessoalmente em 1595 na liquidação de um desses legados. Estava portanto na Feira.

 

D. DIOGO FORJAZ PEREIRA DE MENESES
1562 + 1587-95

O primogénito deste D. Manuel Pereira e de D. Joana da Silva, que se chamou D. Diogo Forjaz Pereira de Meneses, deve ter nascido por 1562, visto ser dos fidalgos que acompanharam D. Sebastião a Alcácer Quibir em 14 de Agosto de 1578 e lá ficou cativo quando tinha dezasseis anos.

Foi-lhe assente um juro a 5 de Setembro de 1582. Morreu assassinado, de noite, na sua casa de Madrid, onde andava a solicitar a confirmação do seu título de conde da Feira, o que só pediria depois dos vinte e cinco anos.

Tinha casado o D. Diogo com D. Iria de Brito que dele teve um filho póstumo, do qual nem ficou o nome e morreu pouco tempo depois.


5.º CONDE
D. JOÃO FORJAZ PEREIRA
1563? + 15-5-1608

Era D. João Forjaz Pereira o filho segundo de D. Manuel Pereira e de D. Joana da Silva e pela trágica morte do seu irmão sucedeu na casa da Feira por alvará de 21 de Julho de 1595 confirmado pela carta de 16 de Fevereiro de 1596, tendo o titulo de conde da Feira pela carta de 20 de Abril de 1596, registada a folhas 220 do livro 30.º das Doações de Filipe I.

Distinguira-se na Índia, com comprovados merecimentos e valor militar, como capitão de Ormuz e Malaca. Em 1594, / 98 / quando voltava ao continente, pretenderam cinco navios ingleses aprisionar-lhe a nau. Fez-lhes frente durante trinta e cinco dias e acabou por lhes tomar uma urca flamenga que traziam aprisionada. Por isto foi bem acolhido pelo cardeal Alberto, governador de Portugal em nome de Filipe lI, sendo nomeado capitão-mor das naus das ilhas.

Por alvará de 26 de Janeiro de 1605 foi-lhe concedido o título de conde da Feira para um filho e que a casa da Feira ficasse fora da lei mental para suceder filha ou irmão do último possuidor. A carta de 14 de Março de 1608, registada a folhas 37 verso do livro 23.º das Doações de Filipe lI, tirou o título de conde da Feira por duas vezes fora da lei mental.

Pela carta patente de 11 de Março de 1608, registada a folhas 14 do livro 23.º das Doações de Filipe lI, foi elevado a vice-rei da Índia. Partiu para lá a bordo da nau «Vencimento do Carmo» a 29 de Março de 1608, com uma armada de mais de treze velas; mas morreu no mar a 15 de Maio de 1608. Não podendo conservar-se-lhe o corpo a bordo da nau, foi macerado e limpo o esqueleto que veio para Portugal e se depositou no convento de Xabregas e depois no de S. Bento. No fim de Outubro de 1633 veio a ossada do quinto conde da Feira para a igreja do Espírito Santo do convento de S. João Evangelista e foi colocada na urna de mármore que guarnece a parede norte da capela-mor.

Acompanharam esses restos mortais dois padres lóios e dois frades de Nossa Senhora de Jesus de Xabregas, sendo um destes frei Fernando da Câmara, irmão da condessa da Feira D. Maria de Gusmão e mais tarde provincial dos terceiros.

Casara este conde D. João, por 1606, com D. Maria de Gusmão, filha do primeiro conde de Vila Franca, Rui Gonçalves da Câmara, quinto donatário da ilha de S. Miguel, que tivera o título a 17 de Julho de 1583, e neta materna de D. Francisco Coutinho elevado a conde de Redondo a 13 de Dezembro de 1552, capitão de Arzila, vice-rei da Índia aos 27 de Janeiro de 1561 e falecido a 19 de Fevereiro de 1564.

Tiveram D. Maria de Gusmão e o conde D. João uma única filha, durante cuja menoridade ela administrou a casa da Feira, bem como mais tarde na ausência dos condes, sua filha e genro, na Flandres. Morreu a condessa D. Maria de Gusmão no Castelo da Feira a 17 de Novembro de 1644, querida e estimada de todos.   / 99 /


6.os CONDES
D. JOANA FORJAZ PEREIRA DE MENESES E SILVA
1607 +
D. MANUEL FORJAZ PEREIRA PIMENTEL
+ ?-6-1647

A condessa da Feira D. Joana, filha única do conde vice-rei, sucedeu na casa e título do seu pai por virtude da dispensa da lei mental concedida no alvará de 26 de Janeiro de 1605 e na carta de 14 de Março de 1608. Nascera nos primeiros meses de 1607 e foi-lhe confirmada a posse da casa da Feira pela carta de Filipe II de 12 de Ou'ubro de 1620 e pela de Filipe III de 15 de Junho de 1630, registadas respectivamente a folhas 245 verso e 234 do livro 31.º das Doações de Filipe III. O título foi confirmado por carta de Filipe II de 14 de Outubro de 1620, registada a folhas 86 do livro 7.º e a folhas 245 verso do livro 31.º das Doações de Filipe III.

Pensaram em casá-la com o tio D. António Pereira de Meneses, comendador de Rio Frio, presidente do Paço e inquisidor, a quem já me referi como um dos dirigentes das obras da capela-mor da igreja da Feira. Mas o tio, já velho, e o rei, movidos pelas justas razões aduzidas pela D. Joana ou pela sua mãe, casaram-na com o primo D. Manuel Forjaz Pereira Pimentel, nono filho dos oitavos condes de Benavente e de Maiorca D. João Afonso Pimentel, vice-rei de Valência e de Nápoles e mordomo-mor da rainha D. Isabel de Bourbon e D. Mécia de Zúniga y Requerens. Teve este D. Manuel o título de conde da Feira por carta de 14 de Outubro de 1628, registada a folhas 245 do livro 31.º das Doações de Filipe III e foi ajudante de campo general da Flandres e castelão de Anvers, onde morreu antes de Julho de 1647. Pela data em que o título lhe foi dado, depois do nascimento de herdeiro varão, vê-se que casaram em 1627, nascendo os filhos em 1628 e 1629.

Quando os condes da Feira foram para os Países Baixos ficou administrando a casa a condessa mãe, D. Maria de Gusmão, até que, na Páscoa de 1648 (12 de Abril), conseguiu a condessa D. Joana, depois de viúva e com os dois filhos e a filha, entrar em Portugal, chegando à praça de Ouguela, vinda de Trozilho, onde as autoridades castelhanas a tinham detido, pelo menos desde Julho do ano anterior.

Da carta de 9 de Julho de 1648 se depreende ter a condessa D. Joana fixado residência no Castelo da Feira, onde fez obras de reconstrução no palácio, como mostra o aparecimento de uma pedra de calcário, com a data de 1652, encontrada nas escavações por baixo da arcaria anteposta  / 100 /  posteriormente. A condessa D. Joana mandou reconstruir a capela junto ao Castelo em 1656.

Ainda não consegui apurar a data da morte desta condessa.


7.º CONDE
D. JOÃO FORJAZ PEREIRA PIMENTEL
1628 + 4-6-1660

D. João, filho da condessa D. Joana, nasceu em 1628 e teve o título de conde da Feira logo que entrou em Portugal a 12 de Abril de 1648, como mostra a carta de 29 de Junho desse ano, mandando-o dar ao conde da Ericeira o favor e ajuda necessários para reconduzir e levantar soldados na vila da Feira. Reconhecendo-se que a condessa mãe era directamente a senhora do condado, foi-lhe dirigida nova carta em 9 de Julho.

Militar esperançoso, o novo conde da Feira marchou na frente da batalha das linhas de Elvas a 14 de Janeiro de 1658 e no fim do mesmo ano mandava-lhe a rainha regente D. Luísa de Gusmão acudir ao reparo das praças da província da Beira, como se vê da carta cifrada dirigida a D. Sancho Manuel aos 19 de Novembro de 1658. Entregou-lhe a rainha o partido de Almeida em 1659, sendo esta «eleição geralmente aplaudida, por concorrerem no conde valor, juízo e prudência que o constituíam merecedor dos maiores lugares» (Portugal Restaurado do CONDE DA ERICEIRA, volume III, página 256). De governador do partido de Ribacoa passou no princípio do ano seguinte com licença a Lisboa, onde morreu a 4 de Junho de 1660.

Casara em 1650 com D. Maria de Faro, condessa de Odemira e senhora do morgado da quinta da Cotovia em Lisboa, de quem não houve sucessão.


8.º CONDE
D. FERNANDO FORJAZ PEREIRA PIMENTEL
1629 + 15-1-1700

D. Fernando, segundo filho da condessa da Feira D. Joana, sucedeu à mãe como provedor da Misericórdia da Feira em 19 de Abril de 1654. Como os irmãos dessa Santa Casa só podiam ser admitidos depois dos vinte e cinco anos, vê-se ter nascido em 1629.

Destinado à vida sacerdotal, começou assim por provedor da Santa Casa feirense e foi feito prior da colegiada de Guimarães, o 48.º da série, em 18 de Maio de 1660. Mas dezassete dias depois herdava o condado da Feira pela morte do / 101 / irmão primogénito. É claro que botou às ortigas o pingue cargo eclesiástico e veio a casar aos 6 de Setembro de 1664 com D. Vicência Luísa Henriques, dama da rainha D. Luísa de Gusmão, filha de Pedro César da Meneses, conselheiro da guerra, general e governador de Angola e neta de Luís César de Meneses, provedor dos armazéns e alferes-mor, ambos filhos de D. Ana de Meneses, neta do quarto conde da Feira D. Diogo Forjaz Pereira, e ambos também irmãos de D. Sebastião César de Meneses, ministro já então desterrado de D. Afonso VI, também desterrado anos depois.

Por carta de 10 de Outubro de 1669, registada a folhas 101 do livro 45.º das Doações de D. Afonso VI, recebeu D. Fernando a confirmação do título de conde da Feira, de que aliás já usava desde a morte do irmão, em virtude da carta de 14 de Março de 1608. Em 1668 inscrevia-se na Congregação do Nosso Patrão Santiago, irmandade instituída de novo na freguesia deste orago em Lisboa, com o seu titulo, mas acrescentando o nome completo.

Foi este último conde da Feira o autor do engrandecimento do seu solar dentro do Castelo da Feira com a vistosa galeria de sete arcos, tendo por cima e a seguir para o norte nove rasgadas varandas até ao extremo da praça de armas, mesmo por cima do actual castelejo, e fez a porta do palácio virada ao Sul e encimada com as suas armas. A velha ameia anterior à fundação de Portugal escapou embutida nessa frontaria e quem sabe se outras semelhantes e coevas seriam destruídas então. Na outra parede ao topo Norte da galeria, uma décima varanda debruçava-se sobre a linda paisagem. Como era a única que se via da vila, chamavam-lhe a «varanda dos condes». Destoava decerto o estilo filipino ou jesuítico dessa fachada do carácter e feitio das fortificações, dentro de que estava. Por isto o Conselho Superior de Arte ordenou em 1929 a remoção das ruínas do palácio e da arcaria, conforme o parecer do arquitecto Ventura Terra. Houve uma precipitada inclusão no demolir esses restos do palácio, desfazendo de envolta com eles as paredes ainda subsistentes da alcáçova coeva da torre de menagem e parte integrante da reconstrução de 1448 a 1467. Eram a parede do fundo de parte da arcaria, onde havia uma fresta e duas portas com pedras sigladas como as da torre de menagem e outra parede transversal em que existia uma pequena porta ogivada e faltava outra mais larga e abrindo em sentido contrário, que estou convencido ser a existente na parede ameada a tijolo junto do torreão Nordeste, a fazer frente à demolida entrada do palácio.

Arcaria, varandas e guarnição da porta do palácio foram reerguidas para frontaria de um teatro, pelo dr. AGUIAR CARDOSO, na avenida Cândido Pinho; mas o ciclone da 15 de / 102 / Fevereiro de 1941 fez ruir toda essa construção inutilizando a cantaria.

O dr. AGUIAR CARDOSO, em carta ao engenheiro Paulo de Barros, de 1 de Agosto de 1915, retrata o conde D. Fernando desta frisante maneira:

«Pelo que se vê este conde, raquítico, doente e cheio de constante melancolia, como reza a tradição (licencioso é que ele foi, pois se lhe apontam doze bastardos − cinco varões e sete fêmeas − havidos na constância do matrimónio, em quatro mulheres, pelo menos) amava mais o pitoresco do lugar que o curioso da arquitectura daquele nobre e histórico edifício.»

A condessa D. Vicência teve na sua companhia e educou alguns dos bastardos do marido, que a visitava em Lisboa na casa do largo existente por trás de Santo António da Sé e que foi vendida em 1711 a António Leite Pacheco Malheiro, tomando o local o nome de largo dos Malheiros.

Durante uma dessas visitas matrimoniais a casa da condessa, faleceu aos 15 de Janeiro de 1700 o último conde da Feira, D. Fernando.

Apurei dezasseis bastardos deste conde e de diversas mães; doze do sexo feminino e só quatro do masculino, embora alguns linhagistas contem cinco. De uns cinco ou seis foi mãe D. Ana Maria de Viveiros Freire, da casa de Justas na vila da Feira, de onde tinham saído o Pero Coelho cujo coração a lenda diz trincado pelo cru D. Pedro I, e D. Luísa de Melo, esposa do desembargador Sebastião de Carvalho, que vieram a ser bisavós do marquês de Pombal.

De todos esses bastardos do conde D. Fernando só foi legitimada, por carta de 6 de Agosto de 1720, D. Joaquina Maria de Meneses, casada com Jorge de Cabedo e Vasconcelos Sardinha da Cunha, juiz da tábola em Setúbal, capitão de cavalos e coronel de infantaria. Destes descendem o doutor José Bruno de Cabedo de Almeida Azevedo, lente de matemática da Universidade de Coimbra e a marquesa de Reriz, D. Maria Margarida de Cabedo e Lencastre.


UM CONDE A MAIS
D. MIGUEL PEREIRA FORJAZ COUTINHO
DE SÁ E RESENDE
1-11-1769 + 6-11-1827

Surgiu, logo após a morte do último conde D. Fernando, a tomar posse de bens da herança na Feira e em Ovar, Madeira de Cambra, Castanheira e Vagos, um descendente / 103 / de D, João o Mulato, bastardo do primeiro conde da Feira Rui Pereira. Chamava-se D. Miguel Pereira Coutinho Ferraz e era comendador do Pinheiro, tendo servido na Índia.

Quem urdira paciente e ardilosamente este assalto fora o filho segundo do D. Miguel e da sua sobrinha D. Maria Pereira Continha, herdeira do pai D. Álvaro Pereira e do avô do mesmo nome e professo na Ordem de Cristo.

Não deu resultado o assalto e dos bens da casa da Feira foi empossada a coroa, possuindo-os depois a casa do Infantado. No entanto foi posta em juízo questão, que se eternizou, sobre a sucessão da casa da Feira.

O insigne falsário e matreiro rábula que de há muito preparara esse assalto chamava-se PEDRO DA CONCEIÇÃO, era cónego secular de S. João Evangelista, professo e padre mestre no convento da Feira e filho do D. Miguel comendador do Pinheiro. Inventou e reproduziu nada menos de trinta documentos falsos que coleccionou numa Alegaçam prática publicada em Lisboa Ocidental em 1720. O PEDRO DA CONCEIÇÃO, padre mestre em falsificações inventadas, era filho de tio e sobrinha e esta circunstância talvez influísse no seu avariado senso moral.

Diz BRAANCAMP FREIRE a páginas 322 e seguinte do Livro primeiro dos Brasões de Sintra:

«Creio não existir entre nós, nem talvez em nenhum outro país, uma colecção mais audaciosa de documentos falsos... Os documentos neste volume impressos, com excepção de duas certidões da Torre do Tombo... são todos falsos... Não se pode deixar de ficar assombrado perante tanta audácia!»

Segundo as artimanhas dessa Alegaçam prática, o Mulato D. João morrera em vida do pai Rui Pereira, deixando viúva D. Leonor Coutinho e esta, à morte do primeiro conde da Feira, em 1486, pediu para o seu filho Álvaro Pereira a sucessão da casa e condado. O segundo conde da Feira D. Diogo dizia-se que não concordara e se seguira uma inventada questão judicial que terminaria pela falsa carta régia de 21 de Janeiro de 1493, segundo a qual a casa da Feira, quando vagasse por falta de sucessor do ramo legítimo, passaria para os descendentes do Álvaro Coutinho, crismado em Cavaleiro das Armas Negras, por ter adoptado o escudo preto, visto não poder lá pintar a cruz dos Pereiras legítimos.

O certo é que o órfão Álvaro Pereira morreu antes do pai, falecido só em 1523, e portanto depois da sua viúva e do irmão D. Diogo, segundo conde da Feira, que pacatamente sucedeu ao pai, sem contestação, nem dúvidas, nem demoras, nem embaraços, nem questões.   / 104 /

O processo instaurado em nome do D. Miguel, pai do PADRE MESTRE PEDRO DA CONCEIÇÃO arrastou-se crivado de agravos e recursos e durava ainda em Setembro de 1820, quando um sétimo neto do Mulato e trisneto do pai do PADRE MESTRE, chamado D. Miguel Pereira Forjaz Coutinho de Sá Resende, era secretário da regência do reino e ministro da guerra e dos negócios estrangeiros. Aproveitou o ensejo e fez-se nomear conde da Feira: um conde supra numerário, só titular, sem nunca ter vindo à Feira nem por cá ter passado. Faleceu no dia 6 de Novembro de 1827, tendo nascido a 1 de Novembro de 1769. Apesar de casado duas vezes não deixou sucessão. E assim se extinguiu este último e fátuo lampejo do condado da Feira.

Não posso fechar este arrazoado sem acrescentar, a título de prevenção aos incautos, a lista dos documentos falsos inventados pelo PADRE MESTRE PEDRO DA CONCEIÇÃO.

1 − Falsa carta de legitimação de D. João Pereira em nome de D. Afonso V, datada de Évora a 13 de Janeiro de 1443.

2 − Falso alvará permitindo ao conde de Moncorvo, Rui Pereira, dar e doar todas as rendas, foros e liberdades ao filho D. João Pereira, em Santarém, a 10 de Março de 1448.

3 − Falsa carta de doação pelo conde de Moncorvo, Rui Pereira, ao seu filho D. João Pereira, datada de Guimarães aos 13 de Maio de 1449.

4 − Falsa carta de transacção e amigável composição entre D. Leonor Coutinho e D. Diogo Pereira, dada por D. João II em Évora a 21 de Janeiro de 1493.

5 − Falsa Carta de confirmação da anterior, dada em Setúbal a 11 de Maio de 1496 por D. Manuel I.

6 − Falsa carta de confirmação das antecedentes, dada em Lisboa a 11 de Dezembro de 1522 por D. João III.

7 − Falso instrumento de liquidação entre os mesmos, na Feira, começado a 2 de Agosto de 1494 e fechado a 20 de Outubro do mesmo ano.

8 − Falso alvará autorizando a obrigação de bens da coroa ao «conde» D. Diogo Pereira, em Santarém, a 10 de Maio de 1494.

9 − Falso alvará mandando João Teyxeyra, chanceler-mor e Ruy da Gram, assistir à liquidação e nomeação de louvados, em Santarém, a 3 de Julho de 1494.

10 − Falso testamento de D. João Pereira, na Feira, à 10 de Junho de 1461.

11 − Falso testamento do conde da Feira, Rui Vaz Pereira, na Feira, à 22 de Dezembro de 1480.

12 − Falso testamento de Diogo Pereira, segundo conde da Feira, a 13 de Março de 1509.

/ 105 /

13 − Falso codicilo do conde da Feira, D. Diogo Pereira, a 29 de Junho de 1509, com a aprovação de 26 do mesmo mês e ano.

14 − Falso testamento de D. Leonor Coutinho e seu codicilo, na Feira, em 1511, sem 'declaração de dia e mês.

15 − Falso alvará de D. João III, a D. Luís de Castro, para vender a terra de Pereira de Susám e Cortegaça, em Évora, a 1 de Fevereiro de 1536.

16 − Falsa carta de D. Sebastião dando ao conde D. Diogo Pereira a jurisdição da vila de Pereira e o couto de Cortegaça, em Almeirim, a 25 de Janeiro de 1571.

17 − Falso instrumento de venda e sub-rogação da vila de Pereira, couto de Cortegaça e quinta de Ornelas em vínculo de morgado patrimonial, trasladado em Lisboa a 5 de Março de 1509, mas contendo o instrumento de 8 de Janeiro de 1564, no qual se cita a escritura de Lisboa a 20 de Dezembro de 1573 e o instrumento da Feira a 20 de Agosto de 1573. Ao fechar, diz: «posto que acima esteja continuado aos oito dias do mês presente de Janeiro, acabou-se, assinou-se e outorgou-se, pediu-se e aceitou-se aos onze de Janeiro do ano acima dito...» «e aos quatro dias do mês de Janeiro de mil quinhentos e sessenta e quatro anos».

18 − Falso alvará do cardeal infante, em Lisboa, a 17 de Dezembro de 1563, outorgando a sub-rogação de bens.

19 − Falso instrumento de sub-rogação de bens da vila e terra de Pereira de Susam e do Couto de Cortegaça ao morgado, na Feira, a 20 de Agosto de 1563.

20 − Falso instrumento de justificação de genere de D. João Pereira, em Santarém, a 9 das calendas de Maio de 1440.

21 − Falsa carta de D. Afonso V dando o título de conde da vila e castelo da Feira a Rui Vaz Pereira, em Évora, a 14 de Janeiro de 1452.

22 − Falso alvará de D. Afonso V sub-rogando a vila e castelo da Feira em vínculo de morgado patrimonial, em Santarém, a 22 de Dezembro de 1452.

23 − Falso instrumento de instituição de morgado por D. Leonor Coutinho, na Feira, a 3 de Janeiro de 1512.

24 − Falso alvará de D. Manuel l confirmando o anterior instrumento, em Almeirim, a 2 de Março de 1512.

25 − Falsa carta de D. Afonso V aprovando o contrato, feito a 25 de Dezembro de 1445, de casamento de D. João Pereira, filho do conde de Moncorvo, com D. Leonor Coutinho, feito em Évora, a 9 de Outubro de 1446.

26 − Falso testamento do conde de Marialva, Vasco Fernandes Coutinho, em Mendim, a 3 de Agosto de 1436.   / 106 /

27 − Falso testamento de D. Maria Teles de Meneses, na quinta da Infesta, a 10 de Dezembro de 1459 e aprovado a 13 do mesmo mês e ano.

28 − Falso testamento de Lourenço Pires de Távora, datado da Vila da Feira a 10 de Dezembro de 1463 e aprovado na quinta da Lagem a 3 de Agosto de 1463.

29 − Falso testamento do conde de Marialva D. Gonçalo Coutinho a 13 de Outubro de mil...

30 − Falso breve pontifício do papa Martinho V (eleito a 11 de Novembro de 1417 e falecido na noite de 20 para 21 de Fevereiro de 1431) legitimando D. João Pereira, o Mulato. Como o pai só podia ter nascido em Dezembro de 1428, teria só dois anos à morte do papa que lhe legitimou o bastardo.

Feira, Junho de 1953.

VAZ FERREIRA

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