A
CONFRARIA de Nossa Senhora da Misericórdia de Aveiro foi fundada no
reinado de D. Manuel I, e a sua sede foi provisoriamente na capela de
Santo Ildefonso da igreja paroquial de S. Miguel, demolida em 1835.
A esta confraria deu, este rei compromisso particular em 1 I de Dezembro
de 1519.
Segundo a regra geral, devia ela possuir um hospital, uma igreja e uma
casa de despacho. O hospital foi criado, mas a igreja e a casa de
despacho só mais tarde foram construídas.
A igreja da Misericórdia começou a construi-se em 2 de Julho de 1600; em
1622 estava concluído o corpo da igreja; em 1653 ficou concluída a
capela-mor.
O hospital vivia das esmolas, rendimentos e foros das doações feitas por
sucessivos benfeitores desde a sua fundação. Em 1614 fez-se o tombo dos
bens da Santa Casa, mas, com o volver dos tempos, os rendimentos foram
diminuindo, mandando, por isso, o rei D. João IV fazer novo tombo em
1651, a pedido do provedor e irmãos da Misericórdia.
O hospital estava nesta data instalado numa pequena
casa, absolutamente imprópria para os fins a que era destinada.
D. Isabel da Luz de Figueiredo, residente em Aveiro, legou, por
testamento, todos os seus bens à Santa Casa da Misericórdia desta vila,
com alguns encargos, entre os quais a construção de um hospital e a
criação de um coro na igreja da Misericórdia, composto de quatro
capelães, e dois meninos do coro.
Tendo esta benfeitora falecido em 1685, logo a Mesa da Santa Casa da
Misericórdia mandou construir o hospital na
/
188 / rua da Corredoura, nas traseiras da própria igreja. Este hospital
manteve-se até 1855, existindo ainda hoje o edifício na posse da Santa
Casa.
Em virtude das sucessivas desvalorizações da moeda e de outras
dificuldades, os rendimentos dos legados tornaram-se insuficientes para
os muitos encargos pios que oneravam a Misericórdia, e por isso, estes
encargos, por força de urna bula do papa Pio VI de 1 de Abril de 1757,
foram transferidos e comutados no dito coro, que ficou, portanto, com a
obrigação de rezar as missas por alma dos benfeitores falecidos. Por
este motivo o primitivo coro foi ampliado com mais quatro capelães, dois
meninos do coro, um turiferário e um organista.
Este novo coro funcionou até 2 de
Abril de 1838, data em que a Mesa da
Santa Casa da Misericórdia deliberou, em virtude da demissão e velhice
de alguns dos capelães, e de dificuldades financeiras desta
instituição, suspender provisoriamente o coro. Não tendo a Misericórdia
conseguido organizá-lo outra vez por falta de numerário e dificuldades
legais, ele foi extinto definitivamente em 1872, sendo provedor o DR. FRANCISCO
TOMÉ MARQUES GOMES, que num interessante relatório
justifica a sua extinção, mas propõe que se continuem a dizer as missas
que faziam parte da instituição do dito coro, o que foi aprovado.
Os encargos do legado da benfeitora D. Isabel da Luz
de Figueiredo estão actualmente reduzidos à distribuição de algumas
peças de roupa a raparigas pobres, mas como a verba para este encargo
é insignificante, pois não chega a dez escudos, é esta importância
distribuída em esmolas, como se lê no Relatório e Contas da gerência de
1950 da Santa Casa da Misericórdia.
Transcrevemos a seguir o relatório do Dr. FRANCISCO
TOMÉ MARQUES GOMES,
que é interessante não só por tratar do caso do coro, mas também por
mencionar a legislação que no decorrer dos séculos regulou a aquisição
de bens por parte das Misericórdias, e de outras corporações de mão
morta.
Aveiro, Setembro de 1951
FRANCISCO FERREIRA NEVES |