O
SENHOR JOAQUIM DE SOUSA BAPTlSTA publicou no fascículo n.º 30, págs. 93
e segs., um estudo sobre vestígios de vias romanas no Concelho de
Águeda. Ocupa-se neste artigo da via que do Cabeço de Vouga seguiria
por Espinheiro, Aldeia, Arrancada, bifurcando-se antes de Adosferreiros,
levando um ramal para as Talhadas, Vouzela e outro por Cabeço de Cão e
Macieira de Alcoba.
Que se trata de vias de comunicação muito antigas, é incontroverso; de
uma estrada militar romana servindo a fins militares e de administração
geral, construída de harmonia com os modelos conhecidos, tenho-o como
pouco provável.
O grande trânsito desta vila e outras vias, como a que vinha de Almear
por Travassô e Adosferreiros, deve ter-se feito depois do século X,
quando no povoamento do solo começaram a ser aproveitados os magros
tratos de terra das margens do Alfusqueiro, agrestes e cortadas de vales
profundos.
Também o Sr. JOAQUIM DE SOUSA BAPTISTA trata no n.º 25
do Arquivo, a págs. 42 e segs., da ponte do Alfusqueiro. Ele feriu, sem
o pressentir, a alma dos aguedenses (refiro-me
aos homens de Águeda e do seu termo), tão ciosa das coisas
antigas. Ele veio trazer a público, e creio que foi o primeiro,
esta dura verdade: − a velha ponte do Alfusqueiro não é velha, é
moderna. A antiga, aquela que a tradição ainda
hoje chama velha, essa levou-a, um dia ou uma noite, uma
enchente grande do Alfusqueiro. − E assim se desfez a lenda, que o povo
conta e os poetas cantam, de ter sido aquela ponte obra do diabo, em
tempo em que os mouros «calcavam o terreno cristão» e as bruxas vinham,
em noites escuras,
fazer suas danças naquela curva apertada e funda do rio. É o caso que a pouco mais de uma centena de metros abaixo da
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ponte actual, no local chamado Ponte Velha, na margem
esquerda, vê-se a base de um encontro do ponto que se eleva ainda acima
da rocha uns dois ou três palmos. A conformação deste encontro anuncia
claramente a sua finalidade:
serviu a uma ponte.
Além deste encontro há no leito do rio um grande bloco
de alvenaria, de pedras ligadas por uma massa que tem resistido durante séculos à acção da água e ao ímpeto da corrente, e
continuará a resistir pelos tempos fora. A disposição das
pedras e o local onde ficou este bloco indicam que ele fez
parte de um pilar. Houve pois ali uma ponte, anterior à
actual. E era uma ponte larga, embora não tanto quanto a existente. Quem
fez esta ponte, qual era a sua forma? Quem fez a actual? Perguntas que à falta de documentos e outras
provas só podem achar frágeis respostas na argúcia da imaginação dos
homens. Examinei o local e os materiais existentes. A minha primeira impressão foi de que aquela obra era realmente
romana. A cor e dureza da massa de ligação eram bem semelhantes a outras
seguramente tidas como daquela
origem. Pouco porém me durou esta impressão. Procurei
na margem esquerda o local onde o tabuleiro devia ligar-se
à encosta. Encontrei-o e por ele concluí que a ponte devia
ser de pouca altura. Ao mesmo nível procurei os vestígios
do seu apoio na margem direita. Nada encontrei e a falta
absoluta do trilho de caminho na encosta desta margem que
conduzisse à ponte, levou-me à única conclusão possível: o
caminho que hoje dá acesso à ponte actual, no lugar em que esta começa,
inflectia para a direita e vinha pela várzea paralela ao rio até à ponte
velha. Esta várzea foi posteriormente
aproveitada e alargada para cultura, desaparecendo assim
todos os vestígios do caminho.
Também na encosta da esquerda estão quase apagados
os vestígios do que da ponte corria ao longo dela. E porque
o terreno desta encosta é firme, não encontro maneira de explicar ali a
falta de corte fundo das rodas dos carros, como se encontra no caminho
que na encosta da esquerda conduz
à ponte actual. Se aquela ponte velha tivesse uso intenso
e duradouro, o corte era inevitável e teria subsistido como
subsistiram outros através do tempo. E foi esta consideração
que me levou a aceitar como quase certo que aquela ponte não
foi de romanos nem de árabes, mas feita lá pelo século XII ou XIll,
quando os aldeamentos do vale de Alfusqueiro começaram a desenvolver-se e por entre eles, galgando a serra
que separa este rio do Águeda, se intensificaram as relações
entre a orla marítima e a região rica de Besteiros, além
Caramulo. Esta ponte, feita para responder às necessidades
desse movimento, não deve ter durado muito tempo. Não
sendo possível determinar-lhe o formato, é todavia lícito,
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perante os poucos materiais que ficaram, conjecturar que seria uma ponte
simples com um pilar no meio do rio e o tabuleiro de madeira. O Sr.
JOAQUIM DE SOUSA BAPTISTA acredita que os materiais desta ponte velha
foram aproveitados na construção da nova. Não me parece que assim fosse.
A base do encontro e o bloco de alvenaria da ponte velha, que desta
perduram, são constituídos por xistos laminados, explorados no local, e
ligados entre si por forte argamassa. Os encontros e arco da ponte nova
são construídos de pedra granítica, esquadrada, que foi trazida de
alguns quilómetros de distância. Não é natural que se empregassem na
ponte velha, em arco que porventura tivesse, pedras granitosas
esquadradas, quando na base dos encontros e no pilar se empregou o xisto
da região, menos duras que aquelas. Depois, as pedras de que é formada a
ponte nova, foram todas cortadas de acordo com a planta da mesma ponte.
Para que o material da ponte velha servisse a nova, seria necessário que
as duas fossem iguais.
Também não é fácil precisar a época em que foi construída a ponte nova.
Entretanto, o seu arco é bem diferente dos arcos das pontes dos séculos
XIII e XIV. Já não é um arco de volta rigorosamente perfeita, parecendo
descobrir-se nela a ogiva nascente. Será dos fins do século XIV? Já
houve quem lhe atribuísse menos antiguidade, por alguns pedaços de telha
moderna que se encontram no contraforte norte da
margem direita. Aqueles telhões, porém, nada significam,
pois foram ali colocados em conserto de contraforte, como claramente
mostra a sua posição vertical.
A travessia do rio, antes da construção da ponte velha e no período
entre o desaparecimento desta e da construção nova, fazia-se por um vau,
um pouco acima da ponte nova, que ainda hoje se chama o Vau. O corte
fundo feito pelas rodas dos carros no caminho que de um e outro lado
conduzia a este vau, significa que por ali se fez a travessia durante
séculos.
Depois, é preciso não esquecer que já há 250 anos o padre CARVALHO dizia
na sua corografia, referindo-se ao lugar de Adosferreiros: «junto ao rio
de Alfusqueiro no qual há uma grandiosa ponte de um só olhal, muito
alta de pedra de cantaria, que do rio mal se chega com uma pedra acima,
assentada em lajedo muito firme e larga».
AUGUSTO SOARES DE SOUSA
BAPTISTA |