António Christo, Antónia Rodrigues - Notas, Vol. XIV, pp. 177-201

ANTÓNIA RODRIGUES

(A HEROÍNA DE MAZAGÃO)

NOTAS

As notas que seguem visam o desenvolvimento de alguns pontos que na conferência não puderam tratar-se com a conveniente largueza; e pretendem ainda esclarecer, na medida do possível, um ou outro passo obscuro da vida e feitos de Antónia Rodrigues.

São, para tudo dizer, um registo de factos apurados e uma tentativa de solução de problemas confusos.

Houve, ao redigi-las, a preocupação de reproduzir o que de mais interessante se tem publicado sobre a heroína aveirense: fazem-se, assim, algumas transcrições que seriam dispensáveis, atendendo a que os poucos leitores deste modestíssimo trabalho só muito dificilmente poderiam obter todas as obras nele referidas.

Possivelmente, dormirão ignorados nos arquivos alguns documentos importantes para a biografia da esbelta e virtuosa cavaleira; e, por certo, muitos outros escritores se ocuparam da sua vida e enalteceram os seus heroísmos. Oxalá apareça quem, na posse de mais completos elementos e senhor da necessária competência − que de todo falta a um simples curioso sem fôlego para estudos desta natureza − possa erguer sólido monumento em louvor da heroína que foi coroar-se de louros a Mazagão.


NOTA I

Num artigo publicado em 1895, ADRIANO COSTA, um modesto admirador das nobres qualidades e assinalados feitos de Antónia Rodrigues, lastimava que em Aveiro se não tivesse honrado convenientemente a sua memória e acrescentava que, ao proceder-se à alteração da nomenclatura das ruas, lhe ocorreu lembrar o nome da heroína, abstendo-se todavia de fazê-lo por temer que a sugestão não fosse aceite dada a obscuridade da sua origem(1). / 178 /

Infundado receio, que obrigou a demorar alguns anos mais tão singela e justa homenagem.

Em 1928, a Câmara Municipal de Aveiro deliberou dar o nome de Antónia Rodrigues a uma das ruas da cidade. Em sessão de 22 de Março daquele ano, a Comissão Administrativa, como se vê do respectivo Livro de Actas, «resolveu, a pedido da Comissão Central dos festejos da celebração do Centenário da Liberdade, alterar os nomes de algumas ruas, da seguinte forma: ... a Rua de São Roque passa a denominar-se Rua Antónia Rodrigues, a célebre Antónia de Aveiro, que, fugindo de casa aos quinze anos, foi, vestida de homem, combater gloriosamente os mouros em Mazagão, onde obrou prodígios de valor, conservando durante anos, com a sua virtude, o segredo do seu sexo.»

Não obstante os termos da deliberação, a Rua de Antónia Rodrigues corresponde apenas a metade, aproximadamente, da antiga Rua de São Roque, nome que se mantém na parte restante(2).

As modestas placas de mármore que identificam a rua com o nome da heroína aveirense reproduzem o que se escreveu na acta da sessão camarária, onde, a meu ver, só há a corrigir a idade com que se diz ter fugido de casa da irmã.

Nada conheço que autorize a modificar o que, sobre este ponto, escreveu o licenciado DUARTE NUNES DE LEÃO: «Efta moça nam podendo fofrer a afpereza de fua irmãa e o mao tratamento que lhe daua, fe determinou fairfe de fua casa & irfe a terras eftranhas, como fez fendo de idade de doze annos.» (3)

Não sei de outra homenagem que Aveiro tenha prestado à memória de Antónia Rodrigues.

Se DUARTE NUNES DE LEÃO fosse... edil da nossa Câmara, certamente teria já proposto que, numa das praças da cidade, se erguesse um monumento em honra da heroína. É curioso o voto do historiógrafo e interessante a maneira de justificá-lo.

«Aa qual (Antónia Rodrigues) com tanta e mais razaõ fe podera poer em Mazagaõ huma ftatua equeftre de molher, como os romanos poferaõ aa fua Chloelia que fendo pofta em arrefens com outras donzellas em poder delRei Porfena de Tofcana que tinha cercado Roma animou fuas companheiras & as guiou a paffarem nuas o Tibere a nado que eftaua entre o arraial dos imigos & a cidade, & tornarem / 179 / liures a cafa de feus pais. Porque maior esforço he acommeter armada a caualo os imigos armados, que fugir delles paffando hum rio com os vertidos aas cabeças fem nunqua caualgar em cauallo.»(4)

O CONDE DE SABUGOSA secundaria o voto de assim perpetuar a memória da heroína, sem dúvida com melhores fundamentos:

«Porque, encontrando-se nela tantas das qualidades da nossa raça aventurosa, sonhadora e resoluta, e tantas das virtudes da mulher portuguesa, enérgica, valente e leal, bem teria merecido a intrépida amazona uma estátua equestre na melhor praça de Mazagão:»(5)

E porque não erguê-la numa das praças de Aveiro, mais acertadamente em sítio escolhido da antiga Vila Nova?

 

NOTA II

Escreve RANGEL DE QUADROS que António Rodrigues se despediu do serviço marítimo logo depois de a caravela ter entrado em Mazagão, sendo todavia certo que os autores não estão de acordo neste ponto.

Dizem uns que o capitão do navio despediu o pequeno grumete por já não necessitar dos seus serviços; afirmam outros que foi este quem, desejoso de novas aventuras, se despediu dos trabalhos de bordo, pretendendo alguns que as coisas se passaram deste modo:

Chegada a caravela a Mazagão, descobriu-se a bordo um desfalque, não se sabe ao certo se de objectos, se de dinheiros existentes ou apurados na venda de parte do carregamento.

Recaíram as suspeitas em diversos tripulantes, entre os quais António Rodrigues. Este, porém, soube defender-se tão habilmente que, descobrindo os verdadeiros culpados, salvou não só a sua inocência como a do capitão da caravela.

Redobrou o mestre do navio a estima que votava ao pequeno embarcadiço; não obstante, e embora com profundo desgosto daquele, o esperto grumete, empenhado em novas aventuras, despediu-se do serviço(6).

MARQUES GOMES conta de outra forma: − António Rodrigues foi obrigado a abandonar a embarcação porque, chamado a depor, como testemunha, sobre um roubo feito no carregamento, e dizendo, como era de esperar, toda a verdade, culpou / 180 / o capitão da caravela, o que lhe valeu ser imediatamente excluído da tripulação(7).

Em trabalho posterior, MARQUES GOMES reafirma que o pequeno grumete foi expulso de bordo por haver deposto em juízo sobre um furto cometido pelo capitão da caravela(8).

Isto mesmo repete autor desconhecido numa publicação recente: − «Chegada a Mazagão, foi expulsa de bordo, por haver deposto num processo por furto cometido pelo capitão»(9).
No dicionário de ESTEVES PEREIRA e GUILHERME RODRIGUES, refere-se o facto com uma variante: − «Admitida a bordo como grumete, com o nome de António Rodrigues, chegou àquela nossa praça africana; sendo, porém, ali chamada a depor como testemunha contra o capitão da caravela, que era acusado de roubo, decidiu não voltar a Portugal no navio em que fora embarcada, e alistou-se como soldado num regimento de infantaria.»
(10)

Há ainda quem afirme que António Rodrigues foi «abandonado em Mazagão pelo mestre da caravela, a quem culpara pelo roubo que este fizera no carregamento durante o trajecto.»

Outros, finalmente, dizem que Mazagão era «o termo da viagem e, portanto, ali terminava o contracto do grumete, bem a pesar do mestre, que via no pequeno um marinheiro audaz»(11).

Nenhuma destas versões tem a aboná-la, que eu saiba, documentos irrefragáveis ou o testemunho de autores coevos.

Nem o pequeno grumete foi acusado de furto ou sobre ele recaiu qualquer suspeita; nem o capitão da caravela o despediu, por já não precisar dos seus serviços, ou o abandonou ou expulsou, porque contra ele depusera em juízo; nem ele próprio tomou a iniciativa de despedir-se, desejoso de novas aventuras ou mesmo, o que seria natural supor, por temer represálias do capitão.

Dizer que António Rodrigues ficou em Mazagão, com profundo desgosto do mestre da caravela, por ser aquela praça o termo da viagem e ali terminar o contrato do pequeno grumete, parece-me de todo inaceitável, pois nada o impedia de sucessivos ajustes para novas derrotas.

DUARTE NUNES DE LEÃO esclarece o problema: − «Chegando / 181 / a Mazagaõ foi certificado ao Capitaõ que o meftre da carauella fizera furto e falfidade no trigo que leuaua: & tirandofe do caro teftimunhas foi o grumete Antonio huma dellas que defcobrio a verdade. Polo que o Capitão nam confentio que tornaffe na carauella por o meftre lhe nam fazer mal: & o affentou no numero dos foldados, & fe começou a chamar, Antonio Rodriguez.»(12).

Foi, portanto, o Capitão-Mor da praça de Mazagão quem tomou a iniciativa de não consentir que o pequeno grumete continuasse embarcado na caravela, por muito avisadamente temer as vinganças do mestre − o que, sem dúvida, não exclui que esse fosse igualmente o desejo de António Rodrigues, receoso de represálias e ávido de novas aventuras.

Adopto corno boa esta versão por ser, além de inteiramente verosímil, a do autor que, no caso, se mostra digno de maior crédito.

Perfilhou-a também Frei JOÃO DE SÃO PEDRO, que deste modo se exprime: − «Chegou a caravella a Mazagaõ, e achando-fe na conta do trigo diminuto o algarifmo dos moyos, fe fez fofpeitofa a fidelidade do meftre, de que fe tiráraõ por ordem do Governador hum fummario de teftemunhas, em que jurou o Gurumete Antonio Rodrigues, confeffando a verdade do furto. E temeroJo o Governador da jufta vingança do meftre, o deixou ficar em Mazagaõ, e com praça de Soldado de pé em poucos dias daquella milicia mereceo fobre os cuidados de deligente, attençoens de valerofo.»(13).

Anota-se apenas que a vingança do mestre da caravela, sendo de temer, não seria, de modo algum, «justa». Não se -quis, evidentemente, significar que pudesse haver justiça na vingança, senão que o mestre tinha fundamento para ela na acusação do grumete.

Foi seguindo a versão adoptada que o CONDE DE SABUGOSA, emoldurando artisticamente os factos, escreveu:

«Teve então o Governador uma denúncia certificando-lhe «que o mestre da caravela fizera furto e falsidade no trigo que levava». Procedeu-se a um inquérito, ou, como nesse tempo 'se dizia, abriu-se uma devassa para averiguar, «tirando-se do caso testemunhas». Uma delas foi o grumete António, que compareceu perante uma espécie de conselho composto do governador e alguns magistrados. Logo a todos impressionou a viveza do olhar do marujito, a sua expressão inteligente e decidida, a sua airosa cabeça enquadrada pelo cabelo cortado à altura do mento, e aquela aparência de efebo, um / 182 / mixto de escudeiro e de pagem, que lhe dava ao mesmo tempo um ar marcial, e a graça de cortesão.

Interrogado, disse a verdade sem rebuço nem receio, a despeito dos olhares minazes do mestre do navio, que esperava assim atemorizá-lo.

Não sabemos qual foi a sentença do Tribunal. É porém certo que António revelou tudo, desde as suspeitas, que logo no princípio da viagem o tinham assaltado acerca da honestidade do mestre, até à prevaricação no caso das medidas.

O rancor do embarcadiço transudava nos olhos injectados, pelo que não era de invejar a sorte que esperava o intrépido marujo, quando se achasse de novo na caravela à mercê do seu ódio.

O Governador da fortaleza não consentiu portanto que o rapaz fosse exposto às iras vingativas do mareante, e desde logo assentou praça, como soldado, ao grumete António Rodrigues.»(14)

 

NOTA III

Tendo servido como peão durante pouco mais de um ano, António Rodrigues passou a fazer parte do corpo de cavalaria.

Quais as razões da transferência?

O que a tal respeito se lê no Theatro Heroino é o seguinte: − «Havia hum anno, que tinha affentado praça de Soldado de pé, e com defejo de chegar aos Mouros com mais pefada maõ fe mudou para a Cavallaria, em que mereceo fama naõ vulgar entre os mais guerreiros, bufcando nos mayores perigos refpeitos à peffoa, emulaçoens ao valor, com que fe fazia taõ amado naõ menos pelo esforço, que pela gentil difpofiçaõ, trato cortez, e affavel, que algumas Portuguezas folicitàraõ o feu cazamento, a que refpondia grato, e difcreto fem mover a queixas, nem deixar efperanças»(15).

Foi, segundo creio, de Frei JOÃO DE SÃO PEDRO que mais recentes escritores colheram esta versão.

MARQUES GOMES, adoptando-a, escreve: − «O jovem soldado em breve ganhou a estima de todos os seus camaradas e se tornou destríssimo no manejo de todas as armas; porém, passado um ano, desejando conhecer de perto os inimigos de fé e da pátria, os mouros, transferiu-se para um corpo de cavalaria, onde praticou grandes e novos rasgos de valor...» (16) / 183 /

Na Enciclopédia publicada sob a direcção do Dr. MAXIMIANO DE LEMOS encontra-se esta passagem: − «Admitida como grumete, pois o capitão como um rapaz a aceitou, chegou ao seu destino, onde depois se alistou como soldado num regimento de infantaria, passando mais tarde para a cavalaria a fim de melhor poder combater os moiros».(17)

Lê-se semelhantemente nos dicionários de MANUEL PINHEIRO CHAGAS e de ESTEVES PEREIRA e GUILHERME RODRIGUES, cujas palavras são as mesmas: − «Logo que entrou nas fileiras do exército, dedicou-se com ardor a todos os exercícios que podiam desenvolver-lhe as forças físicas e desejando entrar em combate com os moiros pediu e obteve passagem para a cavalaria, realizando assim a sua vontade de tomar parte na luta quotidiana que então os moiros travavam com os inimigos da fé.»(18)

Abre-se um parêntese para corrigir o evidente lapso dos dicionaristas: − Inimigos da fé eram os moiros; e a luta que se travava, e na qual Antónia Rodrigues desejaria tomar e tomou parte, era entre aqueles e os portugueses, defensores da fé cristã.

É muito natural supor que o garboso militar ardentemente desejasse «entrar em combate com os moiros», como dizem PINHEIRO CHAGAS, ESTEVES PEREIRA e GUILHERME RODRIGUES, «melhor poder combater os moiros», como escreve com mais propriedade o Dr. MAXIMIANO DE LEMOS, «conhecer de perto os inimigos da fé e da pátria», como se exprime MARQUES GOMES, «chegar aos Mouros com mais pesada mão», como afirma Frei JOÃO DE SÃO Pedro. E é lógico admitir que esse desejo nascesse, não apenas do irrequietismo do seu espírito aventureiro ou da ânsia de praticar assinalados feitos e cobrir-se de glória, mas do propósito de servir a fé que professava e a pátria que estremecia.

Mas nada, que eu saiba, autoriza a afirmação de que foram estes os motivos pelos quais «se mudou», «se transferiu» ou «pediu e obteve passagem para a cavalaria».

É manifesto que a transferência se não operou por autoridade própria; mas parece mesmo que António Rodrigues a não solicitou, sendo-lhe antes concedida por iniciativa do Capitão-Mor da praça e como justo prémio das qualidades que revelara.

Assim o diz DUARTE NUNES DE LEÃO: − «... O qual em / 184 / pouco tempo fe fez tam deftro nas armas que quando ião aa barreira defafiaua a outros & lhes fazia tanta vantagem que ninguem lhe ganhaua. E nas ruas publicas efgrimia & todos os jogos de armas fazia com tanta graça como fe toda a vida as exercitara. Polas quaes partes e por fua branda condição era mui amado de todos os foldados & cada hum procuraua de fer fua camarada... E affí feruio pouco mais de hum anno de foldado. Porque como por fua deftreza tiueffe muito nome & o Capitão o fauorecia, o fez de cauallo & lhe deu foldo & mantimento como aos mais caualleiros.»(19)

O Dr. HIPÓLlTO RAPOSO segue esta opinião, indiscutivelmente a mais autorizada: − «.. .ordenou o Governador que o grumete assentasse praça nas fileiras da infantaria de Mazagão. Mas tal desenvoltura, actividade e destreza ali mostrou, no primeiro ano do seu exercício, que o capitão entendeu por bem mudá-lo de arma, alistando-o na cavalaria.»(20)

Adopta-a o CONDE DE SABUGOSA, repetindo, com pouca diferença, as palavras do historiógrafo: − «Durante mais de um ano fez serviço entre os peões. Mas notando-lhe as qualidades e valor o Capitão incorporou-o entre os de cavalo, dando-lhe soldo e mantimento como aos outros cavaleiros.»(21)

De modo semelhante se exprime o romântico D. ANTÓNIO DA COSTA: − «Em Mazagão o grumete da caravela transforma-se em soldado. Estimavam-no pela sua boa índole. Nas ruas da cidade esgrimia com tanta graça, que o mudou para cavalaria o Capitão.»(22)

E assim também ADRIANO COSTA: − «Pouco tempo depois do seu alistamento no exército luso, o seu nome tornou-se assaz conhecido em toda a vila, pela destreza com que jogava as armas e intrepidez com que antecipava os cristãos nas sortidas contra os descendentes de Mahomet. Antes de decorridos dois anos, António foi mudado, por distinção, para a arma de cavalaria; e tão rapidamente e com tal mestria nela se desenvolveu, que poucos meses depois ninguém, entre todos os fidalgos, montava um cavalo com tanta firmeza e elegância.» (23)

Foram portanto, as apreciáveis qualidades que revelou durante mais de um ano, em que galhardamente serviu nas / 185 / fileiras dos peões de Mazagão, que impuseram António Rodrigues à admiração e estima dos seus camaradas e do Capitão -Mor e, determinaram este a premiar, o jovem soldado, transferindo-o para cavalaria e concedendo-lhe os benefícios de que gozavam os restantes cavaleiros.»

Se por outros motivos aspirava à transferência, a verdade é que só como prémio lhe foi espontaneamente concedida.


NOTA IV

Põe-se a questão de saber se António Rodrigues foi, por seus méritos, promovido ao posto de oficial das milícias de Mazagão.

Num estudo de RANGEL DE QUADROS, publicado no semanário "Districto de Aveiro", lê-se o seguinte:

− «O jovem suposto soldado mostrava-se sempre intrépido nos combates e hábil no manejo das armas, pelo que chegou a ser incumbido do comando de algumas tropas em diversos encontros.

Soube António Rodrigues que os mouros pretendiam, numa noite, fazer uma sortida em forma aos campos mais próximos e destruir as searas, que então estavam muito abundantes e quase maduras. Animou-se pelo ensejo de alcançar maior glória e pediu ao Governador da praça que lhe entregasse um troço de tropa para, sob o seu comando, fazer uma derrota completa nos mauritanos. O Governador acedeu ao pedido, esperando que António Rodrigues cumpriria com valor o que prometera por dedicação.

Quando os mouros menos o esperavam, aparece o jovem militar com a sua tropa; e com tanta valentia se houveram os portugueses, e tão bem comandados foram, que os invasores tiveram de fugir feridos e envergonhados e António Rodrigues entrou em Mazagão ouvindo aclamações de vitória e recebendo os maiores elogios.

Por este e já por outros feitos, foi elevado a oficial, sendo então mudado para cavalaria.» (24)

Um pouco adiante, acrescenta aquele escritor: − «Enquanto foi simples soldado de infantaria, divertia-se e folgava com os seus camaradas. E nos seus divertimentos soube sempre portar-se com tantas precauções, que nenhum dos seus camaradas pôde supor que tinha ao seu lado uma donzela... Elevado aquele suposto mancebo à posição de oficial de .cavalaria, começou a ter entrada nas casas das famílias mais respeitáveis. Assistia aos saraus, dirigia galanteios às damas, / 186 / apresentava-se com garbo e gentileza e era fluente nas suas conversações, apesar de não ter tido estudos regulares.»(25)

Em conversa com o escritor JOSÉ AGOSTINHO, que esconde o seu nome sob o pseudónimo de Victor de Moigénie, RANGEL DE QUADROS diz, mais precisamente, que o aguerrido militar foi promovido ao posto de capitão de cavalaria(26).

Por seu turno, MARQUES GOMES escreve: − «... transferiu-se para um corpo de cavalaria, onde praticou grandes e novos rasgos de valor nas contínuas correrias operadas pela guarnição, o que lhe valeu ser elevado ao posto de oficial.» E logo a seguir: − «António Rodrigues era o enlevo de todas as beIas de Mazagão, e não foram poucas as que o desejaram para esposo; porém ele, vendo que mais tarde ou mais cedo havia de ser descoberto o seu segredo, declarou ao Governador da praça que era mulher; e, quando todos menos o esperavam, o valente oficial de cavalaria apareceu trajado com as vestes próprias do seu sexo.»(27)

Num outro livro seu, diz semelhantemente: − «... Receoso de que viessem a descobrir o seu sexo, confessou-o ao Governador da praça, e despiu a farda de oficial de cavalaria.»(28)

VASCONCELOS DIAS fere também a mesma nota: − «Com o nome de António Rodrigues desembarca em Mazagão e alista-se como soldado. Tais proezas comete nesta sua nova situação que é promovida a oficial.»(29)

Onde teriam estes escritores colhido a notícia de que António Rodrigues, antes ou depois de transferido para cavalaria, foi elevado ao posto de oficial?

Custa supor que tenham, pura e simplesmente, inventado o facto que relatam com tanta insistência e tal ar de certeza; a verdade, porém, é que não indicam as fontes em que o colheram e, por mim, não descubro quais sejam.

Recentemente, e por certo copiando algum deles, alguém repetiu: − «... passando para um corpo de cavalaria, tomou parte nas correrias da guarnição pelas terras de mouros, praticando tais actos de valor que chegou a envergar a tarda de oficial.»(30)

Não é de crer que, se o facto fosse verdadeiro, o tivesse esquecido DUARTE NUNES DE LEÃO, tanto mais quanto é certo. que refere outros menos importantes.

Por outro lado, num alvará de Filipe II relativo à heroína, / 187 / lê-se o seguinte: − «Ev El Rey faço saber aos que este aluara, uirem que auendo respeito a Antonia Rodriguez seruir na villa de mazagaõ cinco annos despingardeiro de cauallo e de pee em trajos desoldado, ey por bem de lhe fazer merçe de cinqo mil reis de tença cada ano em sua vida pagos no almoxarifado da dita uilla alem dos dez mil reis de tença que tem nas obras pias...»(31)

Nenhuma referência, em todo o documento, a qualquer posto de António Rodrigues como oficial de cavalaria, referência que, parece-me, o alvará não teria omitido se o espingardeiro de cavalo e de pé que, durante cinco anos, serviu em trajos de soldado, tivesse, na realidade, sido promovido a oficial.

Sem que tenha qualquer fundamento para afirmá-lo, ocorre-me que possa haver confusão com uma contemporânea espanhola de Antónia Rodrigues, D. Catalina de Erauso, também grumete e soldado, que ficou conhecida na história pela Monja-Alteres.

O senhor Prof. Doutor JOAQUIM PIRES DE LIMA, que a ambas se refere, diz que «a guerreira espanhola é uma aventureira, muito valente, sim, mas sem a correcção e a nobreza de sentimentos da nossa Antónia Rodrigues.»(32)

Pois que em história não se inventa, deixemos o posto de oficial à aventureira espanhola e, até que porventura se encontre documento que justifique a afirmação dos referidos escritores, fiquemos com a nossa Antónia Rodrigues simples. soldado raso − peão aguerrido, cavaleiro esforçado, «distinto como um valente e de trato gentil como uma donzela».


NOTA V

No seu estudo sobre os vícios de conformação do sistema uro-genital, o senhor Prof. Doutor PIRES DE LIMA, entre alguns casos curiosos, colhidos principalmente na literatura portuguesa, inclui o da nossa Antónia Rodrigues.

Segundo o eminente catedrático, em quase todos os que enumera deverá tratar-se de pseudo-hermafroditismo ou de inter-sexualidade. E explica: − «Entre o homem, com todos os atributos próprios do sexo masculino, e a mulher completa, com todas as características do seu sexo, há uma série progressiva de indivíduos, inter-sexuais, que se inclinam / 188 / mais ou menos para a morfologia, fisiologia e psicologia do :macho ou da fêmea.» (33)

Eu não sei o que a morfologia, a fisiologia e a psicologia teriam a alegar para convencer de inter-sexualidade uma linda mulher de formas femininas correctas, que casou e deu à luz um filho, pelo menos, que sempre foi continente, honestíssima, e que revelou em tudo grandeza de alma e delicadeza de sentimentos.

Seja como for, o CONDE DE SABUGOSA, comentando o facto de Antónia Rodrigues haver retomado o trajo de mulher ao cabo de longos anos de disfarce, escreveu o seguinte: − «Não foi custosa a iniciação, porque a varonilidade de Antónia provinha mais da sua energia de ânimo, que da máscula rudeza das suas maneiras. Não era a virago das revoluções das ruas; era antes o atleta andrógino dos colégios atenienses, cujas formas foram consideradas a suprema expressão da estética.

O novo trajo, longe de se desajeitar no seu corpo, deu-Ihe a graça feminina com que adquiriu um encanto próprio. Era isso o que lhe afirmava a família que a recolheu.

E DUARTE NUNES DE LEÃO, que a conheceu mais tarde, quando ela tinha trinta e cinco anos achava-a bem «parecida, com muita graça no falar, e grande viveza no espírito que justificava a sua fama»(34), ou, para reproduzir fielmente as palavras do historiógrafo, «... molher ainda moça de menos de trinta & cinquo annos, bem parecida & que tem muita graça 'no que falla & grande viueza de fpirito, perque juftifica bem o que della fe diz.»(35)

Atleta andrógino?

− Os sábios que resolvam o problema, se quiserem e puderem. A mim basta-me a certeza de que o ânimo varonil de Antónia Rodrigues, os seus trabalhos marítimos e os seus feitos guerreiros, em nada prejudicaram os atributos e encantos do seu sexo.


NOTA VI

Mais de um autor ilustrou o que sobre a heroína aveirense escreveu, com referências, bem ou mal cabidas, ao celebrado romance da donzela que vai à guerra.

Falando do moço militar que se impressionara com a esbelteza de Antónia Rodrigues, que furtivamente a olhava / 189 / e só com visível comoção lhe dirigia a palavra, e que, afinal, com ela veio a casar, diz o CONDE DE SABUGOSA:

− «Cantar-lhes-iam talvez na memória, com misteriosa significação, os versos daquele romance tão lindo A donzela que vai à guerra, melopêa com que em criança sua aia o adormecia:

«Tende-los peitos mui altos
Filha conhecer-vos hão.
− Venha gibão apertado
Os peitos encolherão.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Senhor Pai! Senhora Mãe!
Grande dor de coração.
Que os olhos do Conde Daros
São de mulher, de homem não!»
(36)


O Dr. HIPÓLlTO RAPOSO, escrevendo sobre a cavaleira, de Mazagão, faz também uma breve referência ao encantador romance:

− «O admirador fiel que era fidalgo apresentou-se, então, a oferecer-lhe casamento que foi aceite e consumado, partindo logo para o reino o ditoso casal, trazendo ela como único dote esponsalício o atestado em que o Governador referia os heróicos serviços de Antónia Rodrigues, em sucessivos lances.

Repetia-se com melhores auspícios o romance da donzela que foi à guerra, e para a felicidade ser completa, desta abençoada união nasceu um filho que, segundo parece, veio a ser depois moço da real câmara.»(37)

Este belo romance, «de inquestionável origem castelhana», foi recolhido por ALMEIDA GARRETT no seu Romanceiro, sob o título, de sabor popular, Donzela que vai à guerra, que nas ilhas lhe davam.

Lamentava-se o Conde Daros da sua velhice, que o impossibilitava de pelejar nas guerras, que se anunciavam, entre a França e Aragão, e de não ter, entre as suas sete filhas, um único varão que pudesse substituí-lo:

«Já se apregoam as guerras
Entre a França e Aragão:
Ai de mim que já sou velho
Não nas posso brigar, não!
De sete filhas que tenho,
Sem nenhuma ser varão!

/ 190 /

Estas guerras devem ser as que se travaram no século XVI entre Carlos I de Aragão (Carlos V da Alemanha) e Francisco I da França (depois continuadas por seu filho e sucessor Henfique lI), a primeira das quais começou em 1521, datando a última de 1557 (38) − todas muito anteriores, portanto, a Antónia Rodrigues, que nasceu em 1580.

A filha mais velha do Conde Daros ofereceu-se, resolutamente, para substituir o pai. O Conde, porém, receava que lhe denunciassem o sexo a viveza dos olhos, as fartas tranças, a altura dos ombros, a proeminência dos seios, a pequenez das mãos ou a delicadeza dos pés. Para tudo a varonil rapariga soube encontrar disfarce, com que a todos conseguiu iludir durante sete anos de guerras; a todos, excepto ao capitão sob cujas ordens servia e que, só pelos olhos descobrindo o seu verdadeiro sexo, dela se enamorou.

O senhor Prof. Doutor PIRES DE LIMA, transcrevendo os deliciosos versos, acrescenta:

− «Esta formosa lenda pode ser que tenha tido um fundamento verdadeiro. Em fins do século XVI, durante a dominação filipina, combateu em Mazagão uma esforçada cavaleira portuguesa (Antónia Rodrigues), que pode considerar-se a verdadeira encarnação da donzela que vai à guerra.»(39)

Seria, de facto, a heroína aveirense a inspiradora do delicado romance?

Há que repelir formalmente a inconsiderada sugestão.

O romance já existia ao tempo de JORGE FERREIRA DE VASCONCELOS que, na sua Aulegraphia, o intitula O rapaz do Conde Daros.(40)

Ora JORGE FERREIRA faleceu, ao que se supõe, em 1585(41), quando Antónia Rodrigues tinha apenas cinco anos de idade. E sabe-se que a Aulegraphia ficou inédita pela morte do príncipe D. João, em 1554(42), vinte e seis anos antes de ter nascido a heroína aveirense.

Não podia, portanto, o romance ter fundamento na vida da esforçada cavaleira portuguesa.

Não sei se a aia do moço fidalgo que da heroína se enamorou lho teria cantado em criança, para adormecê-lo, e se aquele o recordaria mais tarde, ao contemplar os olhos vivos / 191 / da esbelta aveirense, como fantasia o CONDE DE SABUGOSA. O que seguramente pode dizer-se, com o Dr. HIPÓLITO RAPOSO, é que, casada Antónia Rodrigues com o nobre militar, se repetiu, com melhores auspícios, o saboroso romance.

Mazagão − Um baluarte do lado da terra


NOTA VII

Não serão descabidas umas breves notícias sobre a praça de Mazagão, testemunha das virtudes e heroísmos de Antónia Rodrigues.

«O forte de Mazagão, começado por D. Manuel numa baía da costa marroquina em 1506, viu aumentadas as suas proporções com o activo trabalho dos Arrudas, por 1514, após a expedição a Azamor. E para se certificar da sua segurança lhe fez vistoria o italiano Benedito de Ravena, às ordens de D. João III, quando as obras ainda prosseguiam, mas agora sob a direcção de João de Castilho. A construção / 192 / desta fortaleza e a fundação da vila dariam matéria para um canto de epopeia.» (43)

Numa carta enviada por João de Castilho a D. João III e escrita em Mazagão em 18 de Julho de 1542, relatam-se pormenorizadamente os trabalhos da construção da fortaleza, obra «muy grande e muy poderosa», erguida para defensão da terra por verdadeiros «martyres» − operários mal alimentados e mal agasalhados, sem casas para abrigo, sem camas para repouso, passando dias inteiros dentro de água ou ao sol e ao vento nas pedreiras, adoecendo às centenas e morrendo em elevado número.

É curiosa esta passagem, que não resisto à tentação de transcrever: − «He necessario que V. A. mande loguo prover esta jente dalghũas farinhas boas por que tudo sera serviço de V. A que como a gente andar cõtente trabalha dobrado, por que as cousas que qua mãdã os seus feitores passam por muitas mãos e quando chegam são bisnetas»!... (44)

Referindo-se às cartas de João de Castilho, escreve o Dr. VERGÍLIO CORREIA: − «Mereciam ser conhecidas e divulgadas mais do que já o foram pela publicação no volume primeiro do Diccionario dos Architectos, de SOUSA VITERBO, as missivas do mestre das obras reais. Páginas vivas do esforço lusitano, não do guerreiro, mas do construtivo, sem o qual o outro não possuiria uma base em que se estear; revelação dos sacrifícios que custava erigir uma fortaleza, cimentada, na verdadeira acepção da palavra, com o sangue dos obreiros, essas cartas poderiam e deveriam incluir-se entre as páginas mais belas da nossa epopeia, irmãs, como as considero, das narrativas da história trágico-marítima.»(45)

Compreendem-se os especiais cuidados postos nas obras militares de Mazagão. Decidido ou obrigado a abandonar as praças de Safim e Azamor, o Rei «projectava fazer de Mazagão o baluarte invencível do domínio português em Marrocos». D. João III desejou que Mazagão «ficasse inexpugnável». E a villa tornou-se particularmente querida da gente do reino, já «por ser porteguêsa de raiz», já exactamente «por nela se haverem concentrado os maiores recursos da nossa arquitectura militar.» (46) / 193 / [VoI. XlV - N.º 55 - 1948]

A praça, edificada sobre uma rocha, era de forma quadrangular e tinha cinco baluartes, três para o lado da terra e dois para o lado do mar, assim denominados: o do Governador ou dos Generais, o de Santo António (primitivamente de S. Pedro), o do Anjo (primeiramente de S. Tiago), o de S. Sebastião e o do Serrão (antigamente do Santo Espírito).

A população da vila excedia quatro mil pessoas, entre elas muitos nobres e cavaleiros, da Ordem de Cristo, que tinha ali quatro comendas.

Mazagão − Porta quinhentista do baluarte de Santo António

Além do palácio dos Governadores, dos celeiros, dos armazéns, do forno da cal, do chafariz, dos poços, de inúmeras construções diversas, havia na vila quatro igrejas e / 194 / oito ermidas, edificadas em praças, ruas e travessas com nomes caracteristicamente portugueses.(47)

Mazagão − Baluarte do Anjo

O Prof. Doutor VERGÍLIO CORREIA, que em 1923 visitou e estudou os monumentos de Marrocos, informa que pouco resta da Mazagão erguida pelos nossos antepassados. «Os vestígios materiais do nosso domínio de dois séculos e meio» estavam então reduzidos «às muralhas, à cidadela, núcleo central de direcção e defesa, e às paredes de três capelas ou igrejas.»(48)

Uma destas, a de Nossa Senhora da Assunção, foi reconstruída e restituída ao culto em 1921. / 195 /

Não se apagou por completo em Mazagão o claro testemunho do nosso esforço guerreiro, construtivo e civilizador.(49)

Apesar de tudo, falam bem alto as pedras que restam de fortalezas e igrejas, penosa e amoravelmente erguidas por mãos de portugueses.

Junto a elas combateu e orou a nossa Antónia Rodrigues; e, como ela, tantos outros que sacrificada e heroicamente trabalharam pelo alargamento da Fé e do Império, em louvor de Deus e para maior honra de Portugal.


NOTA VIII

Diz o CONDE DE SABUGOSA que Filipe lI, quando visitou Lisboa em 1619, quis ver Antónia Rodrigues, cujo prestigio era bem conhecido, não apenas para satisfazer uma natural curiosidade, mas talvez por um compreensível motivo de ordem política.

Desejoso de captar as simpatias da nação, «afigurou-se-lhe que era passo hábil dar um testemunho da sua graça à heroína, que tão brilhantemente tinha honrado o brio português.»

Mandou chamá-la. E acudindo Antónia Rodrigues ao chamamento, subia pouco depois a escadaria do Paço da Ribeira, onde o monarca se encontrava de regresso do convento dos Jerónimos, atravessava a sala dos Tudescos, entre os olhares curiosos da corte, e, introduzida na câmara das audiências, avistava-se com o Rei, que a conversou longamente.

«Acabou o colóquio (conforme diz o cronista) por lhe fazer mercê de duzentos cruzados para ajuda do custo, uma fanga de trigo em cada mês, e uma tença de dez mil reis em sua vida.» (50)  / 196 /

Transcreve, mais adiante, o alvará (de que só teve notícia depois de concluído o seu estudo) pelo qual o rei concede a Antónia Rodrigues «cinqo mil reis de tença cada ano em sua vida pagos no almoxarifado da dita uilla (Mazagão) alem dos dez mil reis de tença que tem nas obras pias», pondo em relevo que o documento «vem corroborar as afirmações do cronista, havendo apenas divergência na quantia que foi dada como tença à heroína). (51)

Alvará concedendo uma tença a Antónia Rodrigues.

VILHENA BARBOSA(52) e RANGEL DE QUADROS(53), entre muitos outros, referem a entrevista de 1619 e a concessão  / 197 / da mercê: 200 cruzados para ajuda de custo ou despesas da jornada, 1 fanga de trigo (de farinha, diz o primeiro) em cada mês e uma tença de 10.000 reis.

O Dr. HIPÓLlTO RAPOSO informa semelhantemente, mas já de olhos postos no alvará, que o soberano intruso quis conhecer a heroína, mandou chamá-la ao Paço da Ribeira, recebeu-a benignamente, ouviu a narrativa da sua vida de soldado de África e houve por bem fazer-lhe mercê de 5.000 reis de tença cada ano em sua vida.(54)

Há em tudo isto grande confusão.

Contrariamente ao que afirma o CONDE DE SABUGOSA, o cronista não refere qualquer colóquio durante ou findo o qual o Rei tivesse concedido a Antónia Rodrigues a tença de 10.000 reis ou a de 5.000 reis.

Não refere, nem podia referir − pela inabalável razão de que, quando a entrevista se realizou, em 1619, já DUARTE NUNES DE LEÃO tinha falecido havia onze anos. Sabe-se perfeitamente que a Descripção do Reino de Portugal foi publicada em 1610, dois anos depois da morte do autor.

Não há divergência alguma entre o que afirma o historiógrafo e o que consta do alvará, relativamente à quantia atribuída como tença à heroína: aquele noticia a mercê de uma tença de 10.000 reis (fora 200 cruzados de ajuda de custo e 1 fanga de trigo em cada mês); este concede uma nova tença, de 5.000 reis, a pagar no almoxarifado da vila de Mazagão, além dos 10.000 reis de tença que Antónia Rodrigues já tinha nas obras pias.

Sem qualquer desacordo quanto à importância, o alvará corrobora a afirmação do cronista da mercê de uma tença de 10.000 reis, evidentemente anterior a 1608.

Importa transcrever as palavras de DUARTE NUNES DE LEÃO: casada Antónia Rodrigues com um cavaleiro mancebo dos principais da vila, «com elle fe veo a efte reino com certidão de feus feruiços que fez pelas armas, & a defpachou elRei com merce de duzentos cruzados para ajuda de cufta & de huma fanga de trigo cada mes & de dez mil reis tudo de tença em fua vida. E agora ha pouco tornando qua lhe tomou hum filho por moço da camara por os seruiços della fua mãi. He hoje viua & efta nefta cidade com outro requerimento: he molher ainda moça de menos de trinta & cinquo annos...»(55)

Parece, assim, que Antónia Rodrigues veio ao reino, com o marido, logo após o casamento, muito antes de 1608.

Por então, e em face do certificado dos seus serviços / 198 / militares, lhe fez o Rei mercê de 200 cruzados para ajuda de custo e de 1 fanga de trigo em cada mês e 10.000 reis de tença em sua vida.

Retirou a heroína, por certo para Mazagão. E voltando ao reino pouco antes de 1608 − «e agora ha pouco tornando qua» − o Rei, ainda em atenção aos serviços dela, tomou-lhe um filho para moço da sua câmara.

Em 1608, ou muito perto desta data, sendo mulher e ainda moça, de menos de 35 anos de idade, estava em Lisboa «com outro requerimento».

É isto o que se apura do que escreveu o cronista; e com ele está de acordo o P.e FRANCISCO DE SANTA MARIA ao afirmar que, casada a heroína, «El Rey lhe fez muitas mercês.»(56)

Reparo, porém, que a tença de 5.000 reis foi concedida, como consta do alvará, em 4 de Dezembro de 1602 − teria, então, Antónia Rodrigues 22 anos de idade − pelo que a de 10.000 reis lhe era, necessariamente, anterior. Nada disto impressiona; mas não deixa de causar estranheza que DUARTE NUNES DE LEÃO se não tivesse referido, concretamente, à mercê de 1602.

O esclarecimento do problema depende da felicidade de se encontrarem documentos cuja pesquisa não estou, ao menos por agora, habilitado a fazer.


NOTA IX

Quase todos os escritores fixam a data do nascimento de Antónia Rodrigues em 31 de Março de 1580.(57)

ADRIANO COSTA adopta-a também, contra a indicada por VILHENA BARBOSA, afirmando que grande número de escritores antigos, entre os quais DUARTE NUNES DE LEÃO, dão o nascimento da heroína em 1580.(58) Afirmação inexacta, ao menos pelo que respeita ao cronista, que em parte alguma se refere, que eu saiba, à data do nascimento da celebrada amazona aveirense.

RANGEL DE QUADROS diz haver sobre este ponto diversas opiniões, sendo a mais seguida e mais conforme às datas dos / 199 / diferentes factos da vida da heroína a que a dá como nascida em 31 de Março de 1580.(59)

Opiniões em desacordo com a ordinariamente adoptada, só conheço a de VILHENA BARBOSA, que afirma ter Antónia Rodrigues nascido pelos anos de 1560 a 1562.(60)

Quando não há documentos ou testemunhos fidedignos, o melhor é lastimar a falta e não enveredar pelo caminho das conjecturas, muitas vezes aceitáveis mas sempre falíveis. Se bem o compreendo, nem por isso me abstenho de raciocinar sobre o problema.

Impressiona a precisão com que a generalidade dos autores fixa o dia, mês e ano do nascimento da heroína: 31 de Março de 1580. É certo que alguns se limitarão a copiar de outros; mas sempre há os que, pelas responsabilidades dos seus nomes, se não determinariam levianamente. E seria necessário admitir, no que primeiro revelou tal data, um espírito desmarcadamente invencionista para fazê-lo com tamanho rigor.

Por outro lado, não me parece aceitável a opinião de VILHENA BARBOSA. Se Antónia Rodrigues houvesse nascido pelos anos de 1560 a 1562, teria à data do falecimento de DUARTE NUNES DE LEÃO, 1608, 46 a 48 anos de idade. E o cronista afirma que a conheceu mulher ainda moça de menos de 35 anos.(61)

Se esta maneira de dizer significa que a heroína tinha então 35 anos incompletos, e se o historiógrafo escreveu precisamente no ano do seu falecimento, haveria de concluir-se que Antónia Rodrigues nascera em 1573.

Mas não repugna absolutamente acreditar que a forma imprecisa do cronista traduza um simples cálculo feito sobre aparências: bem podia mostrar aspecto de pouco menos de 35 anos de idade quem apenas tinha 28 ou ser DUARTE NUNES DE LEÃO mau calculista.

Se, como o historiógrafo refere, Antónia Rodrigues fugiu de casa da irmã aos 12 anos de idade, serviu 5 anos de soldado em Mazagão e lá casou poucos dias depois de ter revelado o seu verdadeiro sexo, é de supor que tenha constituído família à volta dos 17 anos; e assim, era possível que, aos 28, tivesse já um filho em idade de ser tomado pelo Rei como moço da sua câmara.

Estas considerações me levaram a aceitar como data do nascimento da heroína a ordinariamente indicada. / 200 /

 

NOTA X

Inspirados no livro Brasileiras célebres, de J. NORBERTO, os historiadores cariocas TEIXEIRA DE MELO e BARÃO DO RIO BRANCO, o primeiro nas Efemérides nacionais e o segundo nas Efemérides brasileiras, referem-se à vida aventurosa da fluminense D. Maria Úrsula de Abreu Lencastre.

Aos 18 anos de idade, ao que parece por virtude de um amor contrariado, fugiu da casa paterna e, com o nome de Baltasar do Couto Cardoso, assentou praça em Lisboa, em 1 de Setembro de 1700.

Como soldado seguiu para a Índia, onde tomou parte em numerosos combates, obrando prodígios de valor, especialmente no assalto à fortaleza de Ambona e na conquista das ilhas de Corjuém e Penelém.

Ao cabo de 13 anos de disfarce, durante os quais prestou serviços distintos e procedeu sempre de modo irrepreensível, casou com o valente oficial Afonso Teixeira Arrais de Melo, que fora governador do forte de S. João Baptista.

D. João V fez-lhe mercê de uma tença e do usufruto do paço de Pangim.

O académico brasileiro GUSTAVO BARROSO fundamentou na vida da heroína o seu romance A Senhora de Pangim, no qual, falando-se da fama por ela alcançada, se lê esta passagem:

− «Portugal tinha agora, graças à brasileirinha − rosnava o duque de Lafões para o Marquês de Valença, na sala do Conselho de Estado, entre duas pitadas de rapé, sob os olhos melosos do prior de S. Nicolau − Portugal tinha agora a sua heroína autêntica para contrapor à famigerada D. Catarina de Erauso, a monja alferes de que se orgulhava a Espanha.

− Com uma grande diferença, e para melhor, adiantou o valido de Sua Majestade. Ouço dizer por todos que a brasileira teve sempre muito bom procedimento e que só descobriu o sexo para casar-se honestamente, que nunca bebeu, nem jogou, nem se deu a outras irregularidades, enquanto que a espanhola, pelo que me contam, tinha todos os vícios e defeitos... Mais merece a nossa, que não chegou a alferes e somente a cabo, pois além de tudo é bela...»(62)

Sublinhei o que interessa ao meu intento.

Vê-se que o douto académico não tinha notícia do nome e façanhas da nossa Antónia Rodrigues. Portugal não teve / 201 / de esperar pelos tempos do Rei Magnânimo nem de alongar a vista para fora do continente para encontrar heroína que, com vantagem, pudesse ombrear com a famosa guerreira espanhola.

Quanto a esta, há mesmo quem chegue a supor que não era mulher, mas um homem com hipospadias, um pseudo-hermafrodito.(63)

Seja como for, as falas do duque de Lafões e do valido de Sua Majestade no romance de GUSTAVO BARROSO seriam ainda melhor cabidas a respeito da nossa Antónia Rodrigues.

Graças à celebrada aveirense, Portugal teve, ainda antes da Espanha, uma outra D. Catarina de Erauso, que não sendo alferes, como a espanhola, nem cabo, como a brasileira, foi grumete, como aquela, soldado, como ambas, e que, saindo «pura, virginal, intemerata, de todas as promiscuidades perigosas», tinha sobre a primeira, além de outras vantagens, a de uma grande beleza.

ANTÓNIO CHRISTO

_________________________________________

(1) ADRIANO COSTA, Antónia Rodrigues − A heroína aveirense, artigo publicado no Almanak Aveirense para 1896, Aveiro, 1895, pág. XLIX..

(2) Cfr. Roteiro da Cidade, Aveiro, 1945. ed. da Comissão Municipal de Turismo. pág. 6. 

(3) − DUARTE NUNEZ DE LEÃO, Descripção do Reino de Portugal, 2.ª ed., Lisboa, MDCCLXXXV, pág. 346.

(4) lbidem.

(5) CONDE DE SABUGOSA, Neves de Antanho, 3.ª ed., pág. 281.  

(6) JOSÉ REINALDO RANGEL DE QUADROS OUDINOT, Aveirenses notáveis − Antónia Rodrigues, artigo publicado no semanário "Districto de Aveiro".

(7) MARQUES GOMES, Memórias de Aveiro, pág. 185..

(8) MARQUES GOMES, O Districto de Aveiro, pág. 152. 

(9) Figuras egrégias nascidas no concelho, artigo publicado no Portugal económico, monumental e artístico, fasc. LVII, pág. 51.  

(10) ESTEVES PEREIRA e GUILHERME RODRIGUES, Portugal − Diccionário corographico, biographico, bibliographico, heraldico, numismatico e artistico, vol. VI, pág. 342, 1.ª .col.

(11) ADRIANO COSTA, art. e loc. cits., pág. L.

(12) DUARTE NUNES DE LEÃO, ob. cit., pàg.346.

(13) DAMIÃO DE FROES PERYM, Theatro Heroino, tom. I, Lisboa, MDCCXXXVI, pág. 55..

(14) CONDE DE SABUGOSA. ob. cit.. págs. 271 e segs.

(15) DAMIÃO DE FROES PERYM, Theatro Heroino, Lisboa, MDCCXXXVI. tom. I, págs. 55 e segs.

(16) MARQUES GOMES, Memórias de Aveiro, pág. 185.  

(17)MAXIMIANO DE LEMOS, Encyclopedia portuguesa ilustrada - Diccionario universal, vol. IX, pág, 479, col. 3.ª

(18) − MANUEL PINHEIRO CHAGAS, Diccionário popular, historico, geographico, mythologico, biographico, artistíco, bibliographico e litterario, Lisboa_ 1881, vol. 9.º. pág. 359, col. 3.ª; ESTEVES PEREIRA e GUILHERME RODRIGUES, ob. e vol. cits., pág. 342, col. 1.ª

(19)DUARTE NUNES DE LEÃO, ob. cit., pág. 347.

(20)HIPÓLITO RAPOSO, Mulheres na Conquista e Navegação, na revista Brotéria, Lisboa, MCMXXXVIII, vol. XXVII, fasc. 4, pág. 307.

(21)CONDE DE SABUGOSA, ob. cit., pág. 272.  

(22)D. ANTÓNIO DA COSTA, A Mulher em Portugal, Lisboa, 1892, pág. 33.  

(23) −  ADRIANO COSTA, ob. cit., pág. L. 

(24)JOSÉ REINALDO RANGEL DE QUADROS OUDlNOT, art. e loco cits.   

(25) −  Ibidem...  

(26)JOSÉ AGOSTINHO, O Homem em Portugal, Porto, 1908, pág. 242.   

(27)MARQUES GOMES, Memórias de Aveiro, pág. 185. 

(28)MARQUES GOMES, O Districto de Aveiro, pág. 152. .

(29)LUIZ DE VASCONCELLOS DIAS, Aveiro-Notícia historica, Aveiro, 1903, pág. 41.

(30) Portugal económico, monumental e artístico, art. e loc. cits.

(31) Arquivo da Torre do Tombo, Chancel. de Filipe II, Doaç. Liv, 12, fls. 18 v.

(32) J. A. PIRES DE LIMA, Vícios de conformação do sistema uro-genital, Porto, 1930, pág. 13.

(33) J. A. PIRES DE LIMA, ob. cit., pág. 29.

(34) CONDE DE SABUGOSA, ob. cit., pág. 277. 

(35) DUARTE NUNEZ DE LEÃO, ob. cit., pág. 348.

(36) CONDE DE SABUGOSA, ob. cit., pág. 275.

(37) HIPÓLITO RAPOSO, art. e loc. cits., pág.. 308.

(38) Cfr. ALBERT MALET et JULES ISAAC, XlV.e−XVe−XVIe siècles, 4.ª ed., págs. 347 e 356. 

(39) J. A. PIRES DE LIMA, ob. cit., pág. 10. 

(40) Cfr. ALMEIDA GARRETT, Obras completas − VIII − Romanceiro, Lisboa, 1904. pág. 39.

(41) Cfr. MENDES DOS REMÉDIOS, História da Literatura Portuguesa, 5.ª ed., pág. 167.

(42) Cfr. TEÓFILO BRAGA, História da Literatura Portuguesa, lI, Renascença, Porto, 1914,pág. 372.

(43) HIPÓLITO RAPOSO, art. e loc. cits., pág. 305.

(44) Torre do Tombo, Corpo Cronologico, parte I.., maço 72, doc. 68, e SOUSA VITERBO, Diccionario dos Architectos, voI. I, págs. 196 e segs., cits. por VERGÍLIO CORREIA, ob. cit., pág. 48.

(45) VERGÍLIO CORREIA,. ob.. cit., pág. 46.

(46) HIPÓLITO RAPOSO, art. e loc. ,cits., pág. 306; VERGÍLIO CORREIA, ob. cit., pág. 53.

(47) LUIZ MARIA DO COUTO DE ALBUQUERQUE DA CUNHA, Memorias para a Historia da Praça de Mazagam, nas Memorias da Academia Real nas Sciencias de Lisboa, 2.ª Classe, tom. III, p. 11, págs 5 e segs.

(48) VERGÍLIO CORREIA, ob. cit., pág. 40.

(49) Escrevo assim, não obstante a lição do senhor Prof. DAVID LOPES no sentido de que não exercemos nenhuma acção civilizadora a favor das populações de Marrocos (Prof. DAVID LOPES, Os portugueses em Marrocos no tempo de D. João III: decadência do domínio português, na História de Portugal, ed. mon. da Portucalense Editora, Ldª, voI. IV, pág. 129). Não se põe em dúvida o nosso esforço construtivo e guerreiro em Mazagão. E quanto ao civilizador, se, «à luz do conceito colonial moderno, que é de protecção, educação e pacificação, Portugal deixou essa página de Marrocos em branco», também é certo que tal conceito quase se desconhecia nos séculos XV e XVI, como o senhor Prof. DAVID LOPES, aliás, reconhece. Combater pela fé cristã contra a moirama, edificar fortalezas e templos, cuidar da instrução pública, a cargo de dois religiosos que ensinavam gramática e de dois professores régios que dirigiam as aulas de primeiras letras e de música, resistir no cativeiro a promessas, ameaças e torturas dos imperadores, dando lições magníficas de fidelidade à crença que se professava e ao rei, que se servia − tudo isto, integrando os factos no tempo, se me afigura um notável esforço civilizador.

(50) CONDE DE SABUGOSA, ob. cit., pág. 280.

(51) Ibidem, págs. 281 e segs.

(52) INÁCIO DE VILHENA BARBOSA, nos Subsídios para a História de Aveiro, de MARQUES GOMES, pág. 570.

(53) RANGEL DE QUADROS, art. e loc. cits.

(54) HIPÓLITO RAPOSO, art. e loc. cits., pág, 308.

(55) DUARTE NUNES DE LEÃO, ob. cit., pág. 348.

(56) Padre FRANCISCO DE SANTA MARIA, Anno Historico, tom. I, pág. 540.

(57) CONDE DE SABUGOSA, ob. cit., pág. 259; MARQUES GOMES, Memórias de Aveiro, pág. 184. e O Districto de Aveiro, pág. 152; PINHO LEAL, ob. cit., pág. 262; Dr. HIPÓLITO RAPOSO, art. e loc. cits., pág. 306; VASCONCELOS DIAS, ob. cit., pág. 41; MANUEL PINHEIRO CHAGAS, ob. cit., pág. 359; ESTEVES PEREIRA e GUILHERME RODRIGUES, ob. cit., pág. 342; Portugal económico, artístico e monumental, art. cit., pág. 51.

(58) ADRIANO COSTA, art. e loc. cits., págs. L e 185.

(59) JOSÉ REINALDO RANGEL DE QUADROS OUDINOT, art. e loc. cits.

(60) INÁCIO DE VILHENA BARBOSA, art. e loc. cits, pág. 570.

(61) DUARTE NUNES DE LEÃO, ob. cit., pág. 348.

(62) GUSTAVO BARROSO, A Senhora de Pangim, Rio, 1932, págs. 196 e segs.

(63) NICOLÃS DE LEON, La Monja Alferes Dona Catalina de Erauso, no Arquivo de Medicina Legal, Lisboa, I, págs. 3 e segs., cit. pelo Prof. J. A. PIRES DE LIMA, ob. cit., pág. 13.

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