O
ESTUDO que por intermédio do Arquivo do Distrito de Aveiro de novo se oferece, nas páginas que
seguem, à curiosidade dos estudiosos e à meditação
de quem tem a seu cargo a responsabilidade da
orientação dos problemas económicos da Região, é mais
uma das grandes raridades da bibliografia aveirense que
vimos reeditando em homenagem ao Distrito.
Tão desconhecido que nem em citação meramente
bibliográfica nos poucos escritores que a estudos desta
natureza têm aplicado a sua atenção ele se encontra, constitui, não obstante, o mais ponderado relatório dos problemas capitais da Região em função da Ria, e não apenas
em relação ao tempo em que foi escrito − 1893.
De facto, elaborado sobre perfeito conhecimento técnico da Região e do complexo jogo de forças naturais que
a domina e incessantemente transforma, as causas da progressiva ruína da Ria aí se encontram delineadas, e previstas as suas consequências para a economia da Região.
Hoje, como há 55 anos, o problema é o mesmo, e iguais
também as linhas gerais do plano a pôr em prática para
contrariar a assustadora marcha do mal.
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Se deplorável era o estado em que se encontrava a Ria em
1893, no dizer
da Representação que aos Poderes Públicos
angustiosamente se dirigia, deplorável o é igualmente na actualidade,
agravado mesmo em relação àquela data pela forma e nas proporções que à
comezinha observação de todos claramente se apresentam.
O assoreamento da Ria domina
a Região com a fatalidade do inevitável;
várias causas para ele concorrem: os desgastes arrastados pelo Vouga e
mais cursos de água, as areias das dunas que os ventos incessantemente
projectam na laguna, e as que a acção avassaladora das marés introduz na
Ria através da barra.
Decaimento das pescarias no estuário, progressiva escassez de moliços,
dificuldade de obter águas com o grau de salinidade indispensável ao
fabrico de sal em boas condições, inconvenientes de gravidade para a
saúde pública pela falta de movimentação das águas, são as naturais
consequências do progressivo assoreamento, evidenciadas em 1893 e
mantidas e agravadas até nossos dias.
A moção aprovada no comício público realizado
em 3 de Abril daquele ano para se pedirem providências ao Governo
propunha, como meio de sustar o gravíssimo progresso de tamanho mal, o
estabelecimento dum serviço metódico de dragagens na Ria e exaltava a arborização intensa, das margens e dunas.
São as soluções clássicas, então como agora, e ambas largamente
compensadas pela riqueza a que dão lugar, quer pelo estabelecimento de
valiosas matas, bem exemplificada no modelar revestimento das dunas e gândaras de Mira à
Gafanha, quer pela adaptação dos areais à cultura cerealífera mediante
a correcção do solo por meio dos lodos e dos moliços, fonte da
prosperidade das Gafanhas que todos conhecemos, quer, ainda, pelo
fomento das indústrias da pesca, de produtos químicos, de conservas de
peixe, de criação de gados e seus naturais derivados, não falando já na
maior facilidade de comunicações, barateamento de transportes fluviais,
e fomento turístico, muito para considerar.
O problema tem perfeita actualidade e o programa
proposto necessita apenas de adaptação ao preçário de agora e aos novos
processos de trabalho e de transporte que o progresso técnico tem
introduzido de então para cá.
O resultado prático compensará largamente, em serviço valioso prestado
ao esclarecimento do mais cruciante dos problemas locais, o tempo
dispendido na elaboração dos novos cálculos e na planificação total do
programa para agora.
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Quando, porém, assim não fosse, ainda esta reimpressão e a
consequente revisão do problema se justificavam plenamente como
verificarão dos honestíssimos processos
de estudo e de trabalho, de dedicação inteligente e criadora, dessa
gloriosa geração aveirense do final do século passado, a que já noutro lugar prestámos
a nossa homenagem de absoluto
respeito e de incondicional admiração(1).
Não ocorreu talvez ainda aos aveirenses de hoje a realização duma grandiosa sessão pública onde o esboço da história local
desde 1850 até à actualidade fosse apresentado nas suas linhas gerais,
para seguidamente se fazer
desfilar, em evocação pormenorizada, essa gloriosa teoria de
estudiosos e de realizadores a quem a cidade de hoje
tudo deve, como dedicadíssimos precursores que foram
das efectivações actuais, dignas de absoluta consideração.
Não desejamos citar nomes; mas sem dificuldade se recrutariam ainda em
Aveiro pessoas de incontestável
prestígio e de provada capacidade realizadora que directamente conheceram essa grande geração, em número suficiente para
entre si repartirem a grata tarefa dessa
memorável sessão evocativa e resgatadora da triste e feia indiferença em
que tudo hoje em dia − homens e coisas, instituições e acções, que
brilharam e foram grandes − está caindo e se vai apagando.
O Arquivo do Distrito de Aveiro daria lealmente todo
o apoio à realização de tal homenagem e colocaria a sua organização ao
serviço duma comissão que se dispusesse a corporizá-la, como
indispensável se tornaria.
As páginas da Representação que se seguem apareceram em público sem nome expresso de autor e unicamente como produto do
comício onde o problema publicamente se debateu(2). Assinam-nas o
Presidente da Mesa, Casimiro Barreto Ferraz Sacchetti, e os dois
Secretários, Edmundo de Magalhães Machado e José Maria de Melo de Matos.
Qualquer destes dois últimos
as poderia ter escrito,
que lhes não faltava capacidade nem dedicação à terra; terão sido até,
possivelmente, obra comum; certas formas de expressão, porém, a
especialização do Engenheiro Melo de Matos, e o facto de ter sido
este quem ofereceu, em dedicatória toda de seu punho, e em nome da
Comissão promotora do Comício, o exemplar (hoje propriedade
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nossa) destinado ao Governador civil à data, Visconde
de Balsemão, inclinam-nos a atribuir, de preferência, ao
último signatário, a autoria da Representação tal como
apareceu em público; lealmente sujeitamos, todavia, esta
atribuição à correcção de quem disponha de elementos mais
decisivos para a elaboração do definitivo verbete bibliográfico e para a outorga da autoria deste notabilíssimo
projecto de valorização regional que importa ter sempre
presente a quem se proponha interferir na orientação da economia da
vasta zona dominada pela Ria de Aveiro.
A. G. DA ROCHA MADAHIL |