G. Soares de Carvalho, Considerações sobre dois perfis geológicos das região de Oliveira de Azeméis, Vol. XII, pp. 81-90

CONSIDERAÇÕES SOBRE

DOIS PERFIS GEOLÓGICOS

DA REGIÃO DE OLIVEIRA DE AZEMÉIS

I Algumas vezes já tenho feito referências às formações rochosas da região de Oliveira de Azeméis(1).

Novas observações realizadas no verão passado vêm aumentar e rectificar o conjunto de observações de campo, que, naquela região, há anos tenho vindo a realizar.

As últimas observações foram orientadas de modo a colher elementos para o levantamento de perfis geológicos da região.

Os dois perfis agora apresentados, e levantados sensivelmente segundo as direcções E-W, mostram com certa aproximação, e muito esquematicamente, alguns dos aspectos estruturais da região, consequências dos acidentes tectónicos que nela se fizeram sentir.

2 - Tenho posto em evidência a existência de duas séries de quartzitos, orientados sensivelmente segundo a direcção N - S ou direcções vizinhas destas, naquela região.

Estas duas séries de quartzitos que em quase toda a sua extensão mostram uma estratificação original, estão separadas / 82 / por uma faixa de filites, que encerram os filões do «Grande Filão Metalífero da Beira».

Encostado ao lado oriental da série ocidental dos quartzitos, na área que fica ao sul da Banda de Além, existe uma espessa massa brechiforme associada a uma zona de esmagamento («crush-zone») dos quartzitos.

Na área compreendida entre o rio Antuã e a estrada para Vale de Cambra não se observa a massa de quartzitos, mas a brecha e a zona de esmagamento continua a ser observada. Observa-se em Pindelo de Baixo, e em toda a faixa de terreno situada a norte daquela aldeia, pelo menos até Nogueira do Cravo.

Portanto, a área ocupada pela brecha é mais extensa do que a que lhe destinei num esboço já publicado(2).

Posso, hoje, afirmar que aquela brecha ocupa uma faixa contínua entre Nogueira do Cravo e o rio Antuã.

Enquanto a sul do rio Antuã a brecha encosta directamente à série dos quartzitos, a norte do rio ela está afastada dos quartzitos e parece estar em contacto com filites, pelo menos nas zonas superficiais.

Esta brecha cujos fenoclastes são essencialmente, se não exclusivamente, de quartzito e filite, cuja matriz é rica em óxidos de ferro, sulfuretos, etc., aponta, segundo a minha actual opinião, uma maior extensão dos quartzitos nas zonas inferiores do subsolo da região.

Entre os lábios da falha, que a brecha localiza, foi triturada a massa dos quartzitos, simultaneamente ou posteriormente cimentados por elementos de soluções de origem profunda.

O movimento tectónico que teve como resultado a formação daquela brecha deve ter levado as massas de quartzitos a aflorarem à superfície, através do manto de filites que inicialmente as cobriam.

Daí o ser lógico aceitar que o contacto entre as filites e os quartzitos, na região de Oliveira de Azeméis, é marcado por falhas cujos planos de falha se orientam sensivelmente segundo direcções vizinhas da direcção N-S.

3 - Tenho procurado elementos que confirmem esta opinião.

A - Encostado ao lado ocidental da série oriental dos quartzitos (Serra do Pereiro) existe um espesso e extenso afloramento de granito e pegmatito granítico. / 83 /

Este afloramento, que corre a oriente de Pinhão, fica limitado ao norte por Pindelo. O seu limite meridional parece poder ser colocado um pouco a norte da ribeira de Salgueiros.

É admissível que a erupção granítica se tenha utilizado de uma zona de fracturas aberta nas filites em contacto com os quartzitos, ou que a formação daquela zona tenha levado o granito a aflorar e ao contacto com os quartzitos.

Em nenhum ponto observei o contacto directo dos quartzitos com o granito.

 

 
 

Fig. 1 - Esquema traçado com as observações realizadas no «Monte do Sr. Luisinho» - Pinhão

 

No «monte do Sr. Luisinho) na vertente ocidental da Serra do Pereiro, a SE de Pinhão, uma vala aberta segundo a linha de maior declive permitiu verificar que, pelo menos naquele local, o afloramento granítico não contacta directamente com os quartzitos.

Uma estreita faixa de filites, com uma largura de cerca de 20 metros, separa o granito dos quartzitos, tal como muito esquematicamente está representado na figura 1.

Restos da cobertura filítica são também conservados ocultando completamente os quartzitos imediatamente a Norte do anticlinal da ribeira de Salgueiros.

Estes factos confirmam a opinião já formulada de que a deposição do material dos quartzitos foi anterior à do material donde se originaram as filites, isto é, os quartzitos são geologicamente mais velhos que as filites. / 84 /

B - A oriente de Bustelo pode observar-se a série ocidental dos quartzitos. A série dos quartzitos é, como já tenho acentuado, constituída nos arredores de Bustelo por dois afloramentos, um dos quais, o mais oriental, tem extensão limitada pela estrada para Vale de Cambra e a ribeira de Cavaleiros.

Entre estes dois afloramentos estende-se uma estreita faixa de filites atravessada pela estrada para Cesar.

Esta faixa de filites, que acompanha a série ocidental dos quartzitos, é, a oriente de Bustelo, atravessada por uma linha de água na qual corre uma ribeira que vai desaguar no rio Antuã junto das Fuseiras.

 

 
 

Fig. 2 - Fotografia da zona de contacto do granito com os quartzitos, no «monte do Sr. Luisinho»

 

A linha de água inicia-se por uma pequena depressão cujo fundo está sempre mais ou menos húmido. (Convém saber que as observações foram realizadas no último verão, que na região foi extremamente seco).

Na área onde se deixam de observar os quartzitos a linha de água aprofunda-se bruscamente, sendo aí a origem da pequena ribeira a que me referi.

Nas filites, com injecções quartzosas, postas a descoberto pela acção erosiva da ribeira, pude observar:

1 - Nascentes de pequeno débito que alimentam a ribeira.

2 - Diaclases e superfícies mais ou menos verticais, quartzosas ou cobertas por cristais de quartzo.  / 85 /

3 - Superfícies quartzosas escuras, polidas, orientadas e segundo uma direcção próxima da direcção N-S (espelhos de falha).

Estes factos parecem evidenciar as falhas (no perfil I estão marcadas pelas letras f2 e f3) que marcam o contacto das filites com os quartzitos.

Ainda, os factos de observação citados levam a atribuir àquelas falhas uma direcção que coincide coma direcção do afloramento da brecha, isto é, uma direcção sensivelmente N.S, muito provavelmente NNS-SSW.

 

 
 

Fig. 3 - Afloramento. de quartzito no alto da série E., no «monte do Sr. Luisinho»

 

4 - No perfil II é acentuado o facto da brecha e a zona de esmagamento encostarem directamente aos quartzitos. Deve ser este o motivo porque a brecha a sul de Pindelo de Baixo é essencialmente quartzítica.

No perfil I acentua-se o facto da brecha e zona de esmagamento não encostar directamente à série de quartzitos, mas às filites, motivo porque a brecha a norte de Pindelo de Baixo é quartzítico-filítica, pela natureza dos seus fenoclastes.


5 - Os factos citados evidenciam efeitos de um movimento tectónico que actuou na região segundo a direcção NNE-SSW, como mais provável.
/ 86 /

Mas, parece-me que outros movimentos anteriores, também na região deixaram impressa a sua actividade, como era de esperar.

Esses indícios de movimentos tectónicos anteriores ao movimento tectónico que originou a brecha, posta em evidência, são as estruturas anticlinais das duas séries de quartzitos que supus e suponho ver confirmadas pelas minhas observações.

 

 
 

Fig. 4 - Camadas de quartzitos no alto da «serra do Pereiro». As camadas mergulham para ocidente.

 

A favor da estrutura anticlinal de cada uma das duas séries de quartzitos citei as seguintes observações:

a) As camadas dos quartzitos das duas séries tanto mergulham para oriente como para ocidente.

b) O anticlinal posto a descoberto num corte junto da ribeira de Salgueiros (Série oriental).


Restos da curvatura do anticlinal da série ocidental dos quartzitos podem ainda ser observados a NE de Bustelo, na margem esquerda da ribeira de Cavaleiros no ponto em que esta atravessa os quartzitos.
/ 87 /

6 - Admito a existência de um manto de filites que cobriu os quartzitos, hoje postos a descoberto, assim como a probabilidade desse manto ter acompanhado os quartzitos na sua estrutura anticlinal, isto é, aceito a formação dos anticlinais na profundidade do subsolo da região. / 88 /

Movimentos posteriores trouxeram à superfície os quartzitos enrugados que noutros pontos .se mantiveram ocultos pelas filites. Posteriormente, a erosão destruiu o manto de filites que localmente ocultava os quartzitos e começou a destruição das curvaturas dos anticlinais postas a descoberto. / 89 /

A oriente de Bustelo, o movimento tectónico permitiu que uma porção do manto de filites ficasse encaixado entre os quartzitos que o movimento fez aflorar.

 

Fig. 5 - Esquema destinado a evidenciar a estrutura anticlinal da série dos quartzitos a sul de Pindelo de Baixo. A brecha encosta directamente à série de quartzitos.

 

Fig. 6 - Esquema destinado a pôr em evidência a estrutura anticlinal da série dos quartzitos a oriente de Bustelo. A brecha não encosta directamente aos quartzitos.

Os esquemas das figuras 5 e 6 procuram concretizar a minha opinião sobre a estrutura daquelas séries de quartzitos.

Procuram pôr em evidência que só parte das séries de quartzitos está a descoberto; outra parte estará ainda, provavelmente, oculta pelas manchas de filites através das quais se ergueram. / 90 /

7 - Quanto à época em que actuaram os movimentos tectónicos necessários à explicação dos factos observados, os elementos que possuo só permitem apresentar conjecturas de fundamento pouco sólido.

É provável que a formação dos anticlinais não tenha sido contemporânea da formação da brecha quartzítico-filítica.

A ser assim, talvez os anticlinais sejam restos da tectónica hercínica, mas cujos planos axiais têm a sua posição inicial modificada pelos movimentos que originaram a brecha.

Esta brecha pode ter sido originada durante os tempos cenozóicos (movimentos mesoalpídicos ou neoalpídicos).

Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra, Novembro de 1945.

GASPAR SOARES DE CARVALHO
Assistente da Universidade de Coimbra
Bolseiro do Instituto Para a Alta Cultura

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(1) - «Algumas considerações sobre os aspectos petrográficos da região de Oliveira de Azeméis» -  Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, vol. XII, n.º 2.

        - Contribuição para o estudo das rochas ricas em anfíbolas de Portugal» -- Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, vol. XIII, n.º 1.

       - «Observações para a interpretação da tectónica da região de Oliveira de Azeméis (distrito de Aveiro) - Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, vol. XIII, n.º 2.

(2) Observações para a interpretação da tectónica da região de Oliveira de Azeméis (distrito de Aveiro)» - Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, voI. XIII, n.º 2. 

 

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