EM Aveiro, o velho palácio
dos Tavares, senhores de Mira,
e dos dízimos do pescado da vila de Aveiro, estava situado junto à Ribeira, entre a antiga rua da Alfândega
e a rua dos Tavares.
Por morte de Manuel de Sousa Tavares, passou o palácio
e restantes bens para a Coroa.
O rei D. José deu o palácio dos Tavares para Paço Episcopal da Diocese de Aveiro, que acabava de criar.
Extinta esta diocese, foi o Paço Episcopal ocupado pelo
primeiro Governo civil de Aveiro, inaugurado em 25 de Setembro de 1835 com o seguinte pessoal:(1)
Governador civil − José Joaquim Lopes de Lima, depois
governador da Índia.
Secretário geral − Manuel Joaquim Fernandes Tomás; primeiro oficial
−
Elias Elói de Abreu Tavares; segundos oficiais − João Pedro Ribeiro e
Manuel António Loureiro de Mesquita.
Amanuenses: José António de Resende, Bento Augusto
de Morais Sarmento, António Manuel da Cruz Rebelo.
Amanuense impressor − José António Torres; porteiro
− Francisco José Soares.
No Paço Episcopal foram instaladas não somente as repartições do Governo
Civil, mas também as da fazenda pública, hoje finanças.
Porém, na madrugada do dia 20 de Julho de 1864 um violento incêndio
destruiu o velho edifício do Governo Civil, e a maior parte do arquivo
das repartições públicas nele instaladas, e ainda documentação da
extinta diocese de Aveiro.
/
284 /
Os prejuízos foram grandes, quer para o Estado quer para os
particulares, com o desaparecimento de muitíssimos documentos.
O Governo Civil passou então em 20 de Julho daquele ano para o
rés-do-chão do edifício do Liceu Nacional de Aveiro, inaugurado em 15
de Fevereiro de 1860, e construído por influência do ilustre aveirense
José Estêvão Coelho de Magalhães, e em
virtude da portaria de 5 de Março de 1855.
|
Palácio dos Viscondes de Almeidinha em Aveiro, em cujo local foi construído o edifício do Governo Civil. |
No dia 24 de Junho de 1871, outro violento incêndio devorou o belo e
antigo paço do visconde de Almeidinha, situado no Terreiro, em Aveiro,
próximo do extinto convento das Carmelitas.
A Junta Geral do Distrito comprou então por 500.000 reis as ruínas deste
paço, bem como uma capela que lhe pertencia e se ligava a ele por um
arco sobre a rua da Sé.(2)
Em 3 de Setembro de 1888 começou a demolição das ruínas do paço, para no
local ser construído um grande edifício destinado a todas as repartições
públicas distritais, excepto as das obras públicas que deviam ficar em
edifício próprio, mas que afinal não ficaram. A nova obra foi orçada em
vinte e oito contos de reis.
A construção foi demorada, mas sólida, e o edifício, com trinta e cinco
metros de frente e doze de largura, e três pavimentos, ficou majestoso
dentro do estilo a que foi subordinado.
Inaugurou-se o edifício em 1901, e nele ficaram instaladas as
repartições do Governo Civil, Junta Geral do Distrito, Auditoria
administrativa, Fazenda ou Finanças, Obras Públicas, e Direcção
Hidráulica do Mondego.
/
285 /
Recentemente lá foram também instaladas a Direcção Escolar
e o Tribunal do Trabalho.
Mas a fatalidade espreitava o grandioso edifício e os serviços
públicos neles instalados. No dia 17 de Outubro do corrente ano, pelas
oito horas da noite, noite serena e amena, irrompem fortes labaredas
pelo telhado.
|
Edifício do Governo Civil
de Aveiro. |
Por motivo ainda hoje desconhecido, havia-se declarado incêndio no
sótão, onde estavam guardados inúmeros documentos do arquivo do Governo Civil. O fogo toma proporções assustadoras.
Passado pouco tempo desmorona-se o telhado com imenso fragor. O incêndio
propaga-se ao segundo andar do edifício, mas diminui de intensidade.
Acodem os bombeiros da cidade e outros de fora.
É porém escassa a água
para eles poderem dominar o incêndio. E este vagarosamente passou ao
primeiro andar. Tudo ia sendo devorado pelo monstro.
Populares e militares colaboravam na salvação dos arquivos e dos
mobiliários. Milhares de pessoas, em frente do edifício em chamas,
contemplavam compungidas o incêndio que ia destruindo o melhor edifício
de Aveiro, e os documentos nele guardados.
O fogo passa então ao primeiro andar. Já tinham decorrido horas. O
esforço dos heróicos bombeiros era quase ineficaz em
/
286 /
virtude da grande extensão do incêndio, da falta de água e
insuficiência do material. Todo o primeiro andar foi também pasto das
chamas.
O fogo continuou até de madrugada do dia seguinte, domingo. Extinguiu-se
então, mas o rescaldo prolongou-se
durante todo este dia. Do edifício apenas se salvaram as
paredes e o rés do chão. Felizmente salvaram-se os arquivos
das diversas repartições, com excepção dos da repartição de Obras
Públicas e da Direcção Hidráulica do Mondego que arderam totalmente, por
estarem no segundo andar.
|
Estado em que ficou o edifício do Governo Civil depois do recente
incêndio. |
Lamentamos profundamente que Aveiro tenha sido privado do seu melhor
edifício público, e de documentos cuja perda é irreparável; mas tomemos
este gravíssimo acontecimento como lição para dotarmos os edifícios e
arquivos públicos com os necessários meios de defesa contra incêndio.
Aveiro, 31 de Outubro de 1942.
FRANCISCO FERREIRA NEVES |