CONTINUANDO a resenha
bibliográfica do que de maior
importância para a arqueologia local se tem escrito
desde GASPAR BARREIROS, que vínhamos seguindo, cumpre registar, em 1875, o quinto volume do conhecido
Portugal Antigo e Moderno, de PINHO LEAL, de cuja história do
Marnel extraímos os seguintes períodos, deixando o que em
volumes anteriores escrevera de Águeda, Emínio e Talábriga.
...«No tempo do conde D. Henrique, e de seu filho,
D. Affonso Henriques, era a villa do Marnel a mais notavel d' estes
sitios.
Deduz-se isto, de uma doação feita á egreja de Santo
Izidoro de Eixo, em 1095, pelo famulo de Deos, Zoleima Gonçalves
− pro tolerantia Fratrum, et Monachorum, qui
ibidem habitantes fuerint, et Vita Sancta perseveraverint.
(Doc. de Lorvão.)
N'esta doação se declara que a egreja de Eixo ficava
− subtus Civitatis Marnelæ, discurrente rivulo Vouga, territorio
Colimbriæ
(Eixo fica effectivamente abaixo do
Marnel, 12 kilometros ao O.)»
............................................................................................................................................
...«Teve a villa do Marnel, ou Lamas, por donatarios,
grandes personagens, e o monte do Marnel era regalengo
(reguengo − ou da coroa) como se vê nas Inquirições de
D. Affonso lI, L. 2, pag. 120 − col 1.ª, § 1.º, na Torre
do Tombo.
/
314 /
Em 1384, D. João I doou a villa do
Marnel, e outras, a
Gonçalo Vasques Guedes (Mon. Lus., part. 5.ª, pag. 174,
tom. 8.º, cap. 23.).
Em 1759, pertencia aos duques de Aveiro, (Pegas,
tom. 2.º; pag. 672 e 739) sendo então confiscada para a
corôa, como tudo quanto pertencia a esta desgraçada familia.
A velha ponte do Marnel é antiquissima. Era a villa
do Marnel acastellada, segundo se vê da doação que Pero
Paes e sua mulher, Gelvira Nunes, fizeram aos monges e clerigos do mosteiro de Lorvão, em
1121, da sua vilIa do Pinheiro (hoje aldeia da freguezia de S. João de Loure.)
− Diz a doação − et in confinitate Castelli Marnelis, inter fluvium Vougam, et montem qui dicitur Meiçom-frio (Doc. de
Lorvão, transcripto por Viterbo na palavra − Cidade, 3.ª,
a pag. 191.)
Era pois o monte do Marnel, com o seu castello, um
ponto militar, no principio da nossa monarchia; e aqui,
segundo a tradição e varias memorias, têem havido, desde
remotas eras, cêrcos e batalhas.»...
De 1877 é O Distrito de Aveiro, do historiador aveirense
JOÃO AUGUSTO MARQUES GOMES, que, seguindo PINHO LEAL, identifica Emínio com
Águeda, declarando inadmissível a pretensão
de HÜBNER a favor de Coimbra (pág. 35).
Do lugar do Vouga, regista
ele a tradição de aí ter existido
...«a cidade romana denominada Vacca. O padre
Carvalho da Costa affirma que n'este sitio se encontravam
seguros vestigios de tal povoação, como eram tijolos antiquissimos e alicerces de soberbos edificios. Presentemente
nada existe. E a boa critica faz ver que aquelIa antiga
cidade era onde hoje é Vizeu e não Vouga.» (Págs. 52-53).
Da freguesia da Branca, que
adiante veremos interessar
aos problemas locais, diz MARQUES GOMES a propósito da serra
de S. Julião (ou S. Gião):
...«No alto da serra, ha ainda vestigios salientes de
uma atalaia, que, ao que parece, occupava toda a circumferencia do plaino, na extensão d'uns trezentos metros de
comprido, de norte a sul, e cento e vinte de largo, divisando-se ainda
parte da valIa, ou cava exterior, e da linha do parapeito em toda a
valIa. Do lado do nascente, por detrás
da serra, ha uma sahida e estrada larga pela encosta do
monte abaixo, com muros ou cortinas lateraes de pedra e
terraço.» (Pág. 69).
/
315 /
Pelo que respeita a Talábriga, enuncia dest'arte MARQUES
GOMES a sua opinião:
«É um problema historico a fundação e o local da
antiga cidade de Talabrica. Ao certo sabe-se apenas que
foi fundada pelos celtas, que no tempo dos Romanos
era
uma das 36 cidades tributarias da Lusitania pertencente ao conventus
juridicus do Vouga(1).
E é quasi provavel
que o seu local coincida com o do
moderno logar de Cacia, sobranceiro ao Vouga(2).»
Com boas razões argumenta em 1879, na revista
Portugal
Pitoresco, FILIPE SIMÕES, inquirindo Se Coimbra foi povoação romana e
que nome teve, e concluindo pela sua identificação
com Emínio.
Em 1884, BORGES DE FIGUEIREDO, que havia lançado no Boletim da Sociedade
de Geografia de Lisboa uma série de estudos subordinados ao título geral
de Oppida Restituta, publica o seu notável trabalho
histórico-arqueológico sobre Emínio. A cidade romana de entre Conímbriga
e Talábriga fica solidamente identificada com Coimbra, embora só em 1888
viesse a ser encontrada, numa casa ao fundo da Couraça dos Apóstolos, a
inscrição
epigráfica que definitivamente afastou as objecções mais renitentes àquela identificação.
Esse estudo de BORGES DE FIGUEIREDO tem sempre de ser tomado em
consideração por quem pretenda conhecer o debate entre Águeda e Coimbra
a propósito da sucessão ao título da velha Emínio; os defensores da
tese de Águeda alegavam estas razões:
«1.ª Que a tradição o diz;
2.ª Que o ltinerário de Antonino está errado; que é
um documento indigno de crédito, por isso que todos os
códices onde se encontram divergem;
3.ª Que Ptolomeu marca a Eminio tais graus de latitude e longitude que lhe assinalam uma posição muito
perto de Águeda;
4.ª Que Plínio, o naturalista, distingue o rio Emínio
do rio Munda, e Emínio cidade, de Coimbra;
5.ª Que, tendo sido coevas as duas dioceses de Conímbriga e Emínio, ficariam
muito próximas as duas sés.»
/ 316 /
BORGES DE FIGUEIREDO opõe às razões invocadas argumentação absolutamente
concludente; pela sua grande extensão a não transcrevemos aqui, e ainda
porque ao Cabeço do Vouga, que em especial nos interessa, dedicou o
mesmo historiador estudo independente, no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (5.ª série,
N.º 6 − 1881), beneficiando não só da
investigação anterior como dos progressos de método crítico da época; a
separata desse interessantíssimo trabalho, geralmente ignorado,
constitui peça bibliográfica distrital de grande raridade, razão pela
qual o transcrevemos na íntegra:
«Vacua
(Cabeço de Vouga)
I
Informa o fidedigno Gaspar Barreiros que n'um codice
da Historia Natural de Plinio se encontra a menção d'um oppidum lusitano denominado
Vacca.
Exprime-se do modo seguinte o notavel archeologo: «em hum archetypo
Toletano stá scripto da maneira q dixe. s. flumen Vacca, oppidum Vacca,
oppidum Talabrica, etc. A qual liçam Fernando Pintiano cõmendador de
SaIamanca cita nas suas castigações Plinianas»(3).
Parece ser aquelle o unico codice da obra de Plinio, em que se encontra
noticia do oppidum Vacca, pois não vi ainda nas variantes de edição
alguma, por mais completa, apontada esta particularidade: e isto póde
levar a concluir o serem aquellas palavras uma intercalação de copista.
Desprezar, porém, sem exame, aquella versão do alludido codice,
simplesmente por ser unica, é grave erro de quem olha as cousas
superficialmente e não tem aptidão para os estudos archeologicos.
Demais, outros escriptores antigos mencionaram a povoação de que se
trata, como se verá, e a sua posição é facil de determinar.
Antes de proseguir, direi que a verdadeira fórma do nome é Vacua, e não
Vacca nem Vagia, como se encontra em exemplares de Plinio e
nos
restantes auctores latinos. Aquella verdadeira fórma, designando o rio (Oùαxoúα(4)),
é comprovada pela que apparece nos documentos medievos, do IX ao XII
seculo, Vauga, e Voaga(5), d'onde a fórma
moderna Vouga. O termo parece
de origem celta, como
/ 317 /
nota o meu amigo Adolpho Coelho(6), devendo com elle
comparar-se nomes analogos, que se têem lido em inscripções e que se encontram na obra de Cesar.
Posto isto, e advertindo que apenas nas transcripções
empregarei a fórma incorrecta, vou apontar quaes as noticias que nos restam assim ácerca da povoação como do
rio seu homonymo.
II
N'um pequeno tratado cosmographico, que não tem
merecido grandes attenções, e que por muito tempo foi attribuido a
Aethico, vem mencionaào um oppidum Vacca.
Lê-se na apontada obra: «occeanus occidentalis habet famosa
oppida:
Bracara, Lacusa, Augusta, Vacca, Celtiberia,
Caesarea Augusta, Tarracona...»(7).
É evidente quanta
corrupção ha n'este texto. Entendo todavia que não offerece dificuldades a sua reconstituição. Parece á primeira vista que o
auctor attribue ao oceano occidental as sete
cidades que ficam transcriptas; mas não é, não póde de
modo algum ser, essa a intelligencia verdadeira d'aquella
passagem. Creio que a interpretação racional d'ella é do seguinte modo:
«occeanus occidentalis habet famosa oppida:
Bracara, Lucus Augusti, Vacca; Celtiberia [habet famosa oppida:]
Caesarea Augusta, Tarracona...». Isto não só porque de maneira nenhuma
caberia referir ao oceano occidental as duas ultimas povoações que
pertenciam á Celtiberia, e por conseguinte ao mar interior, senão tambem
porque a palavra Celtiberia não tem caracter de nome
de povoação, sabendo-se muito pelo contrario que ella
designava uma região do oriente da peninsula. A duvida que resta é sobre
a situação do terceiro oppidum do oceano occidental. Era a mesma cidade
mencionada no codice pliniano de Toledo, ou era uma povoação dos Vacceus? Não
me parece que se possa defender a segunda hypothese, porque, comquanto
n'esse caso o oppidum estivesse na bacia de um rio tributario do oceano
Atlantico, ficaria muito no interior para dever contar-se entre as
cidades occidentaes como Bracara e Lucus Augusti. Não caberia tambem
mencional-a, a ella só, como cidade dos Vacceus, quando se não fallava
de Palancia, a principal das povoações d'aquelle povo(8). Além disso, a homonymia chama para
/
318 /
a margem do rio Vacua a povoação, e não ha a mais leve
duvida de que este rio é o que hoje se chama Vouga.
A falta de ordem geographica na menção das tres cidades occidentaes não
deve tambem servir de argumento em contrario; porque o auctor seguiria
quanto a ellas a ordem da
importancia das terras, e sabe-se effectivamente que Bracara
era mais importante que Lucus Augusti, cabendo só depois
d'esta o fallar de Vacua. É, pois, de rasão o considerar identicos o oppidum de Plinio
e o da cosmographia anonyma.
Um escriptor hespanhol do seculo
V, Paulo Orosio,
traz o nome de Baccia attribuido a uma cidade da Lusitania, ao fallar
das luctas dos corajosos habitantes d'esta
região com os romanos. Diz o escriptor christão: «lgitur
Fabius consul contra Lusitanos & Viriatum dimicans Bacciam
oppidum, quod Viriatus obsidebat...»(9). Esta povoação é
sem duvida a mesma de que tenho fallado. Em primeiro
logar, o nome Baccia aproxima-se muito e naturalmente da
fórma Vagia que vimos achar-se em Plinio, sendo desnecessario apontar as razões que determinam esta identificação. Em segundo logar os successos de que Orosio se
occupa n'aquelle ponto da sua historia tiveram por theatro
o occidente da peninsula.
Quanto ao rio Vacua, são em maior numero as noticias.
Além de Plinio e de Strabão, como já vimos, faz d'elle
menção Ptolemeu, Oùαxoúα ποτ έχδ(10), collocando-o entre o
Mondego e o Douro; e falIa d'elle Marciano Heracleota:
'Aπò δέ Movδα πòταμοũ έχδoλάς στάδίοί τπ, στάδίοί σοέ.(11).
Depois d'estes, em plena idade media,
ÉDRISI, descrevendo o territorio portuguez comprehendido no quarto
clima, conforme a divisão que adoptára, gaba muito o paiz
em termos precisos, e diz: «Le Nahr-Boudhou est une
rivière considérable qui porte de grosses et de petites embarcations. La
marée y remonte à la distance de plusieurs milles. De là à l'embouchure
du Douira (le Duero), 15 milles.(12) Ora a distancia entre as fozes do Vouga
e do Douro orça pela indicada pelo geographo arabe, e
sobretudo não ha entre o Mondego e o Douro outro rio
além d'aquelle, a que se possam applicar as particularidades que menciona. O Vouga é navegavel por espaço de
42 kilometros(13), que correspondem a 28 milhas antigas.
/ 319 /
III
A situação de Vacua, segundo Gaspar Barreiras, é a «Ponte de Vouga. s.
Põte de Vacca, nam por causa do rio senam por causa do nome do logar,
como dizemos Põte do Arcebispo ou Ponte d'Alcantara.»(14) Conforme diz
Carvalho da Costa: «He tradição, que no cabeço de Vouga esteve
antigamente huma Cidade, chamada Vacca, & ainda hoje se acham tijolos, &
pedras lavradas, & outros vestigios de edificios. Nelle está agora hũa
Ermida do Espirito Santo.»(15).
Não se pôde, em verdade, afastar o antigo oppidum da actual villa de
Vouga, considerando ter existido no monte da ermida do Espirito Santo,
ou Cabeço de Vouga,
a cavalleiro d'esta terra. Restos da antiga povoação por um lado, por
outro o proprio nome, confirmam a identificação: Vouga, Vauga metatese
de Vagua (Vacua); com que se deve comparar a
fórma popular auga por agua(16), anáuga por
anágua, éuga por égua,
léuga por légua, réuga em vez de régua(17), etc.
Se Vouga durante algum tempo mereceu o cognome de famosa ou ao menos o
de notavel, cedo perdeu o esplendor. Foi porventura estação do
itinerario entre Eminio e Lancobriga; mas em breve foi supplantada e
substituida pela sua vizinha Talabriga, que se engrandeceu
facilmente, e com rasão, pela sua mais vantajosa posição á beira-mar, o
que lhe proporcionava o desenvolvimento da industria e do commercio; a
industria da pesca e do sal, o comercio d'estes dois productos e de
outros que recebia e armazenava.»
Cronologicamente, para se ajuizar da forma como os estudos sobre o
Cabeço do Vouga, e a região, evolucionaram, importa referir o volume XII
do já mencionado dicionário Portugal Antigo e Moderno; é de 1890, e,
conquanto fosse publicado sob o nome de PINHO LEAL, cujo trabalho
rematava alfabeticamente, «foi elaborado pelo P. PEDRO AUGUSTO
FERREIRA»(18). Do seu extenso e importante artigo sobre o rio Vouga e a
povoação do mesmo nome fixaremos o seguinte:
...«o Marnel foi povoação acastellada
e muito importante no sec. XI,
pois em um documento de Lorvão se lhe
/
320 /
dá o titulo de cidade − e em outro de villa; note-se porem que outr'ora
estes termos não tinham a significação hodierna.
Por vezes as cidades − inclusivamente o Porto e Lisboa se denominavam
villas − em quanto que Ceia, Gouveia da Beira Baixa e outras
vilIas se denominavam cidades.
Note-se também que Lamas e Marnel são
quase sinónimos, − pateira,
lamaçal, terreno alagadiço − e outrora empregaram-se indistintamente,
pelo que hoje mal podemos saber quando os velhos documentos falavam da povoação de Lamas,
propriamente dita, − ou da de Marnel.»
...........................................................................................................................
...«A cidade
romana − VACCA − Na opinião de varios
auctores, a vilIa de Vouga foi a antiga cidade romana Vacca; outros a
situam em Viseu; outros perto de Miranda do Douro, − e outros junto
dos Pireneus?!...(19)
É pois muito nebuloso este topico e não sabemos quando
se fará luz que dissipe completamente as trevas em que jaz.
O dr. Manoel Botelho Ribeiro Pereira, notavel escriptor
e antiquario visiense,(20) pugnando
pro domo sua, tractou a questão como
ninguem até hoje, sustentando que Viseu é a
legitima representante da cidade romana Vacca. Não transcrevemos aquelIe
topico dos seus Dialogos, porque é muito
extenso e só elIe daria talvez 2 fasciculos! Ardendo em
zelo pelas glorias da sua terra natal, insurge-se contra os que
sustentam opinião opposta, nomeadamente contra o distinctissimo
geographo Gaspar Barreiros, tambem filho de Viseu e seu parente,(21) por dizer que a
séde de Vacca foi a villa
de Vouga; mas o sabio conego Berardo, tambem
visense,(22) despresa a opinião dos que situam Vacca tanto
em Viseu,
como. na villa de Vouga e mostra-se disposto a crer que elIa esteve
junto dos Pirineus.(23)
D. Jeronymo Contador d'Argote falIa muito dos povos
vacceos, como povos
muito importantes, repetidas vezes mencionados por Strabão, Ptolomeu e
Plínio, sendo todos concordes em dizer que elIes demoravam junto das
nascentes do Douro, aproximadamente desde Zamora até Freixo de Espada á
Cinta.
Argote diz que os vacceos confinavam com os
astures,
tendo por linha divisoria o rio Esla.
Strabão no livro 3.º pag. 152 e 162 diz o mesmo e são
d'elIe estas palavras: «...inde vetones et vaccei, per quos
/ 321 /
Durius labitur, ad Contiam urbem vacceorum transitum
faciens.».
Em vulgar: «ali começa a região dos
vetones e vacceos, por entre os
quaes segue o Douro até Concia, (Miranda do Douro) cidade dos vacceos.»
Tambem eram cidades d'elles as seguintes:
− Intercacia, distante 15 legoas d'Astorga,
no caminho
de Valhadolid, perto de Cauca e de Palença;(24)
− Sentica, hoje talvez Zamora;
− Sarabris hoje talvez Toro;
− Pincia, hoje Valhadolid;
− Rauda, hoje talvez
Aranda, no caminho de Astorga
para Saragoça, por Cantabria.
Elles confinavam com os arevacos e
astures, ou asturianos.
Demoravam pois nas margens e nascentes do Douro,
não do Vouga.
V. Memorias d'Argote, tomo
1.º pag. 150, 160, 198, 442, 443, 444, 446, 447, 451 e 452.
É isto o que diz e prova muito bem o sabio academico
Argote; mas é tambem de grande peso a opinião de Gaspar
Barreiros: − que a cidade Vacca esteve junto da ponte da
Vouga, − opinião que seguiu e sustentou com muita erudição em um dos
seus artigos Oppida restituta o sr. Antonio Cardoso Borges de
Figueiredo, no Boletim da Sociedade
de Geographia de Lisboa (5.ª seríe, n.º 6 − 1885) da qual
é bibliothecario,
...........................................................................................................................
Respeitamos muito a opinião do sr. Borges de Figueiredo e não queremos impugnàl-a; suppomos porem que
não disse a ultima palavra sobre o assumpto;
1.º − porque o mesmo sr. Figueiredo mostrou repugnanria em acceitar a
lição de um codice de Plinio differente da
lição de todos os outros codices do mencionado geographo;
2.º − Porque o mesmo sr. Figueiredo diz que
não tem
merecido grandes attenções o pequeno tractado cosmographico anonymo, attribuido a Aetico;
3.º − Porque temos difficuldade em crer que a
Baugia de Paulo Orosio
fosse o pretendido oppidum Vacca da villa de Vouga.
4.º − Porque até hoje (que nós saibamos) ninguem
ali encontrou cippos ou lapides com inscripções, muralhas,
torres, estatuas, ou quaesquer outros vestigios da famosa
/
322 /
cidade romana. Apenas o padre Carvalho(?) indica umas bagatellas.
5.º − Porque a posição geographica e estrategica da villa e monte do
Vouga é relativa á estrada que atravessa ali a ponte, mas essa estrada,
como geralmente se diz, foi
feita pelos mouros em substituição da velha estrada romana
que seguia pelo littoral, muito mais ao poente. Logo a
dicta cidade no tempo dos romanos era uma cidade sertaneja: não podia
ser estação ou castro do roteiro de Antonino − nem n'elle se encontra
como tal nas rectificações de Parthy e Pinder.
6.º − Porque os vacceos, como dizem o dr. Manoel Botelho Ribeiro e
outros, tomaram o nome da famosa cidade romana Vacca, − e elles
demoravam muito longe do Vouga, como já dissemos supra e diz tambem o
sabia Fr. Felippe de la Gandra nas Armas y Triumphos de Gallicia:
«Os vaceos, hoje campesinos, tinham por capital
Pallencia e soffreram
tambem cruel assedio durante a guerra de Numancia.
Palencia era já então cidade importante e tanto que, apesar do cerco, os
romanos commandados por Luculo tiveram de retirar, sendo perseguidos
pelos palentinos até ás margens do Douro.
Passados 2 annos foi Palencia outra vez sitiada por Marco Emilio Lepido
consul, e outra vez os romanos tiveram de levantar o cerco.»
Op. cit. supra, pag. 19 e 20.
O sr. Borges de Figueiredo podia tambem citar em
favor da sua opinião o Mappa de Abrahão Ortelio que S. ex.ª
na Memoria
sobre Eminium citára com muito louvor pouco antes,(25) pois no dicto
Mappa se encontra o pretendido oppidum, junto da villa de Vouga; mas teria tambem
pouca força tal argumento, porque, segundo diz Argote, fallando do Juliobriga,
cidade romana congenere, Ortelio... não tem auctoridade em materia tão
antiga.(26)
E que vemos nós no dicto Mappa?
Situa bem Conimbrica, hoje Condeixa Velha,
− e Eminium, a Coimbra actual, mas foi muito infeliz em outros pontos. Situa,
por exemplo, Bracara Augusta em Barcellos, na margem direita do Cavado;
o Lima no seu local proprio, entre o Minho e o Cavado, − e o Forum
Limicorum,
/ 323 /
[Vol. VII - N.º 28 - 1941]
(Ponte de Lima) aproximadamente em Santa Martha de Penaguião, no
districto de Villa Real de Traz os Montes; Lameca (Lamego) na margem
direita do Douro, ao poente
de Baião e não longe da foz do Tamega; dá o rio Vouga
como affluente do Agueda e põe a famosa Vacca a jusante da confluencia
dos dois rios, na margem direita do Vouga, etc. etc.
Tambem o sr. B. de Figueiredo podia citar o
Mappa Breve da Lusitania
Antiga do Padre Francisco do Nascimento Silveira, auctor do Côro das
Musas, etc. pois no § XLII da Taboa III, pag. 239, diz textualmente:
«Vacea. Foi cidade antiga da Lusitania, e
existia em
hum sitio alto, e forte por natureza, entre as pontes do Vouga e Marnel,
porque ali se vem vestigios de muros antigos, e signaes de huma
magestosa grandeza... − julga-se, que destruida Vacca, se deo ás suas
ruinas o nome de Marnel, que conserva até o presente...»
Apoia-se em Fr. Bernardo de Brito, que na
Monarchia Lusit. Parte II,1.
V, cap. 1.º fl. 2, V. diz efectivamente quasi o mesmo e dá uma
inscripção
encontrada por elle(?! ...) no valle de Ossella em o muro de um campo,
a qual, se não é fantasia do auctor, parece resolver o problema!...
A dicta inscripção, n.º 278, do
Portugaliae inscriptiones,
é a seguinte:
IMP. CAES. D. AVG. INTER
DIV. REL. COHOR. PRAESlD.
VACE. OCCEL. LANCO. CALEN
AEM. LEG. X. FRETENS
ElUS. NVM. SPECTACVLA
ET LVD. GLADlAT. E. V.ª
VRBES LVSIT. L. A.
EXP. ET. HECATOMB. D. D.(27)
Em vulgar: «As capitanias da legião decima, chamada
Fretense, que estavam de presidio em Vouga (Vacca) em Ossella, na Feira, no Porto, e
em Aguéda,(28) por voto particular
/
324 / celebrarão spectaculos, e jogos de gladiadores á divindade do
imperador César Augusto, contado já no numero dos Deoses, e as cidades
da Lusitania acima
nomedas fizerão os gastos d'estas festas, e celebrarão Hecatombas com
grande liberalidade.»
Em seguida faz muito judiciosas considerações sobre a dicta lapide e
aponta outra que achou entre Albergaria Velha e o Pinheiro (da Bem
posta?) no monte denominado Castello de S. Gião, onde viu restos de
muros e fortificações e uma pedra, na qual apenas (diz elle) pôde ler o
seguinte:
: : : : COS. VI
: : : :
: : : : P. IN. P. F: : : :
: : : : VAC. XII. P. M.
Suppõe ser fragmento de um marco milliar, onde esteve o nome de um
imperador que foi consul seis vezes e que teve o poder tribunicio nove
vezes. Tambem lhe davam os titulos de piedoso e afortunado, accrescentando que
d'ali à cidade de Vacca (presidio romano, como diz a
outra inscripção) havia à distancia de doze mil passos, «os quaes se
achão ao justo nas 3 legoas que ha de hua parte á outra» − diz o mesmo Fr. Bernardo de Brito, continuando a fazer muito sensatas considerações
sobre as duas lapides, até o fim do mencionado capitulo.
Lamentamos profundamente o desprestigio de tão illustrado auctor. Se
tivesse a auctoridade de Herculano ou de João Pedro Ribeiro, estava
morta a questão, mas infelizmente demanda grande desconto o que diz Fr.
Bernardo de Brito!...(29)
O assumpto é nebuloso e vasto e não podemos dar-lhe mais desenvolvimento
em um simples topico. Terminaremos dizendo que, assim como houve na
peninsula differentes cidades romanas com o mesmo nome, talvez
houvesse também com o mesmo nome de Vacca differentes cidades em pontos
distantes.»
Em 1907 regista O Arqueólogo Português (vol. XII, pág. 36
e segs.) um facto que viria a ter a mais decidida importância nos
estudos arqueológicos de toda a região do Vouga: o aparecimento,
/
325 / na freguesia de Estorãos,
a duas léguas de Ponte do Lima, duma ara celtibérica da época romana
onde se lê, em inscrição votiva:
«Camala Arqui filia Talabrigensis Genio Tiauranceaico votum solvit
libens merito».
A epigrafe é objecto de desenvolvido comentário por parte
de FELIX ALVES PEREIRA, arqueólogo cujo nome é hoje inseparável dos
estudos sobre antiguidades romanas locais, mercê doutra comunicação, na
mesma revista, a que adiante faremos igualmente referência.
Escrevendo da ara de Estorãos, nota FELlX ALVES PEREIRA, de interesse
para o presente caso:
«...Temos pois, em região de Grovios, nova lapide com onomastico pessoal
de tronco celtico; uma observação porem devo fazer: é que não eram
oriundos d'essa região os dedicantes nella residentes, senão da
Lusitania.
...........................................................................................................................
De Talabriga, se dizia a dedicante de Estorãos. No
ltinerario de
Antonino ha menção de um oppidum assim denominado. Quem lhe chama
oppidum é Plínio, texto
mais antigo que o Itinerario (Nat. Hist., IX, XXXV). Tambem chama
oppidum a Conimbriga e bem sabemos a que condições estrategicas
correspondem as ruinas de Condeixa-a-Velha e de todos os outros oppida.
Alem d'isto, o elemento briga é considerado celtico e significa:
«altura, castello» (Alt-Celt. Sprachschatz, A. Holder,
s. v. briga). Isto demonstra que Talabriga deverá ser povoação de origem
preromana e situada numa eminencia, acaso provida de cintura de
muralhas ou equivalente sistema de defesa. A Talabriga do ltinerario, na
via romana Lisboa-Braga, não está ainda identificada. Suppôs-se que
seria Aveiro ou junto d'esta cidade. O que porém acabo de dizer é
sufficiente, creio eu, para enfraquecer esta opinião; as ruinas de Talabriga não terão de encontrar-se em
terrenos planos sem cabeços apropriados, como são as cercanias de Aveiro.
É plausivel acreditar que a patria do dedicante da ara de Estorãos seja
a Talabriga do ltinerario, como a mais proxima e conhecida do logar
habitado por Camala.
Æminium está hoje provado, por uma inscrição romana, ser a actual
Coimbra (A. Filipe Simões, ob. cit. pp. 24 sgs., e Borges de Figueiredo,
«Oppida Restituta» in Bol. da Soc. de Geographia n.º 2, 1884 e
Rev. Arch. e Hst.. II, 66 e lnscr. Hisp. Lat., suppI. n.º 5239).
/
326 /
Talabriga distanciava-se 18 milhas para o sul aproximadamente de
Lancobriga (sic no Itinerario) e 31, na mesma orientação, de
Calem, que
corresponde a uma cidade marginal do Douro, perto da foz deste (Religiões
da Lusitania, II, 29,n.º 7).
Langobriga seria, no pensar do Sr. Dr. Leite de Vasconcellos (Relig. da
Lusit., II, 34) a povoação de Longroiva, entre Marialva e Freixo de Numão, no concelho de Meda.
Langobriga, computada a milha romana em 1:481 metros(30), dista 26:658
m. de Talabriga e 19:253 m. de Calem. A situação d'aquella Longroiva não
corresponde á distancia marcada no Itinerario com respeito a Gaia; em
linha recta, seriam 169 Kilometros para leste. Havia pois mais que uma
Langobriga, reconhecendo-se que aquelle vocabulo deve ser etymo de
Longroiva.
Só de Æminium e de
Calem do Itinerario, por serem pontos
incontroversos, principalmente o primeiro, é que
podemos partir para verificar a situação de Talabriga. E á
identificação d'esta cidade com Aveiro ou arredores obstam, alem do que
já expus, as medições do Itinerario e outros considerandos, que mais
categoricamente desenvolvo em especial artigo, que fica no prelo.
Depois de registada a conclusão a que chego, embora conclusão de
gabinete, restará pesquisar in loco as ruinas ou os vestigios que possam confirmar ou enjeitar o alvitre
apresentado. Ora segundo as medições do Itinerario, que,
nesta parte, concordam com a realidade, como demonstrarei, Talabriga distava 59,240
Km ou XL mpm. de Eminio, para norte; este
afastamento não se concilia com o de Aveiro, mas obriga a colocar o
velho oppido ao norte de Vouga e não muito longe de Albergaria-a-Velha.
Plinio (Nat. Hist., IV,
XXXV) dá-nos Talabriga como cidade dos Turduli
veteres, situada entre o Tejo e o Douro,
na região do Vouga e do Mondego. Alem d'este escritor antigo, tambem
Ptolemeu e Appiano referem Talabriga. Aquele inclue-a na lista das
cidades dos lusitanos (Cf. Ptolemaei Geographia, ed. de Car. Müller,
I, 137).
Este narra um episodio da campanha de Decimo J. Bruto passado com esta
cidade, uma das menos resignadas, a principio, ao dominio romano (Appiani
Alex. Rom. Hist. q. s. Didot, 1840).
Parece que na Hispania não era uma só a povoação com este nome, o que
aliás succedia, como acabo de mostrar,
/ 327 / com
Langobriga e, alem d'estes, com outros nomes.
Hübner chega a dizer que, talvez em nenhuma outra região
como na peninsula iberica, se encontrem repetidos tres e
quatro vezes os mesmos nomes de rios, montes, povos
e oppidos (Mon. Ling. Iber., p. IC)(31). Ainda succede o
mesmo.»
. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . .
Esta nova inscripção votiva veio: ... b) − dar-nos pela
primeira vez, em monumento lapidar autentico, uma referencia ao oppido preromano
Talabriga, conhecido pela
literatura antiga e pelo ltinerario». (Pags. 41-43 e 51)
Do mesmo ano de 1907 e do mesmo volume do
Arqueólogo
Português é o outro estudo a que acima FELIX ALVES PEREIRA
faz referência e que intitulou Situação conjectural de Talábriga.
É um trabalho notável, que versa «o problema da trajectória exacta da via romana entre Aeminium e Calem, da qual não se
conhecem mílliários decisivos e suficientes, especialmente
da sua passagem por Talábriga».
FELlX ALVES PEREIRA, para enunciar o problema e para lhe
buscar solução, utiliza métodos geométricos cujo rigor se não
coaduna com as irregularidades do trajecto duma estrada antiga,
necessariamente sinuosa em consequência da sua adaptação ao
terreno; servindo-se dum mapa da região e tomando a distância
assinalada no ltinerario, atribuído a ANTONINO, entre Cale e Talábriga, faz centro em Gaia e descreve um arco de círculo estabelecendo a «linha zona de Talábriga»; baseado ainda no
ltinerario, toma a distância de Eminium a Talábriga e, fixando-se
em Coimbra, descreve segundo arco de círculo que intercepta
o primeiro; na zona de confluência (arredores de Salreu e de
Albergaria-a-Nova) se deverá pois, segundo ele, procurar a
jazida de Talábriga: é a área provável da sua situação.
Avisadamente, porém, e logo de início, ALVES PEREIRA concorda em que o problema, «de modo definitivo, não se resolverá senão com a verificação
in loco de vestigios arqueológicos
incontestáveis.»
/
328 /
Assim é, de facto; isso não impede, porém, que na
Situação
conjectural de Talábriga existam elementos de interesse incontestável
para o problema do Cabeço do Vouga que presentemente nos ocupa; são
esses os que, a seguir, transcrevemos;
em primeiro lugar, ALVES PEREIRA transcreve a passagem de PLÍNIO muito
nossa conhecida, para logo discordar da situação do Vouga ao norte de
Talábriga, comentando a sequência estabelecida por aquele autor:
...«a) rio Vouga:
b) cidade de Talabrica;
c) cidade e rio Aeminio (Coimbra);
d) e as cidades de Conimbrica (Condeixa);
e) Collippo (Leiria) e
f) Eburobricio (Obidos, vejam-se Relig. da Lusit.,
II, 31).
Se não for certo, como não me parece, que Vouga é ao norte de Talabriga
e este oppido ao sul do mesmo rio, pelo menos conclui-se que Talabriga
vizinha de um lado ou outro aquele estuário » (Pág. 9 da separata ).
.......................................................................................................................
Relacionando os marcos miliários conhecidos na época
(fragmento da Mealhada, com a marcação M.XII; outro de Coimbra,
registando M.IIII, omite o de Ul, que hoje se guarda no átrio dos Paços
do Concelho de Oliveira de Azeméis e que diz TIB. CAESAR. DIVI AVG. | FILIVS. AVGVSTVS I PONTIFEX.
MAXVM | TRIB. POTESTAT. XXV | XII) escreve
ainda ALVES PEREIRA:
...«3.º Um pretenso milliario descrito por Fr. Bernardo de Brito na
Monarchia Lusitana, II, V. p. 3. Este vicio de origem obriga-me a pôr
ainda de parte este monumento como comprobativo da directriz; Hübner
fulmina-o com a sua desconfiança (Corpus, II, 55 a) dizendo que Brito
queria demonstrar com elle a existencia de Vacua. Não lhe darei
porém eu maior valor que o proprio monge, que, como por prevenção,
confessa que as letras da pedra eram «mal distinctas e muy quebradas».
Assim a sua interpretação deve desinteressar-nos, visto que não ha meio
de contraprovar a leitura de Fr. Bernardo de Brito, duvidosa para elle
proprio. Para este, a lapide era porém um padrão de estrada, o que
pouco vale por entretanto para nós; mas provinha do Castello de S. Gião,
ao que parece, castro rico em ruinas de muros, etc. Isto, cuja
importancia só modernamente se aprecia, é que não se inventa e dá visos
de que com effeito alguma coisa lá pudera ter apparecido. Mas Brito, com
o
dizer que a lapide era padrão de estrada, contrariava sem o advertir a
propria crença de que a via romana seguia pela
/ 329 /
beiramar e Talabriga era em Aveiro. (Mon. Lusit. id., p. 130). Não
obstante, ponha-se de parte a exactidão da epigraphe do supposto, mas
rehabilitavel, milliario do castro
de S. Gião, e fique, provisoriamente, apenas um facto − o achado de um
padrão de via romana num castro das margens do Caima.» (Pág. 10).
Feita a demonstração geométrica a que acima nos referimos, nota o arqueólogo que
estamos seguindo:
...«Esta primeira phase da minha demonstração, porém, já torna
incompativel a actual situação de Aveiro com vestigios de Talabriga. E
mais do que isto; vem levantar um equivoco de Plinio, que parece suppôr
aquelle oppido ao sul do Vouga; se assim fosse, não seria possivel
encontrar o ponto de reunião do caminho que descia de Cale a encontrar
Lancobriga aos 19 kilometros e se prolongava na direcção do sul até
mais 26 kilometros, onde devia beijar a
Talabriga do Itinerario sem encontrar a de Plinio(32). O hiato
resultante fica, parece-me, fechado e annullado, desviando Talabriga de
Aveiro e aproximando-a de Albergaria, ao norte do Vouga; isto é, a
hipothese que proponho é a que
se concilia em todos os pontos com o Itinerario.» (Págs. 13-14).
...«Agueda está tambem perto de um
Crasto (Pinho Leal).
Nas margens do Vouga, naquelle logar onde subsiste
ainda a ponte medieval (Pinho Leal), encontra-se na aldeia de Vouga um
morro que foi castro (Brito e P.e Carvalho, II, 161); explica Francisco
do Nascimento da Silveira
(Mappa breve da Lusitania), p. 239) que Vacca existia em sitio forte por
natureza, entre as pontes de Vouga e Marnel,
porque alli se vêem vestigios de muros antigos e sinaes de uma majestosa grandeza;
existem ainda tijolos, cantarias, muralhas
em Lamas de Vouga (Arch. Port., V, 50 e VII, 191)(33), e havia ahi a
civitas Marnele (Port. Mon. Hist., «Diplom.
et Chart.», n.º 819), ruja origem deve ter sido outro castro.
/ 330 /
Na carta geodesica vê-se, junto ao rio, um
Castello (IIl).
Isto é ainda do concelho de Agueda.
Na freguesia de Serem, tambem concelho de Agueda, outra
civitas
(Viterbo, s. v. Cidade); ha lá sitios elevados a norte e a sul (Cfr. M.
Gomes).
Na freguesia da Branca ha um logar de
Cristellos
(M. Gomes e Arch. Port., II, 313).
Na serra de S. Julião, mesma freguesia,
onde passa a estrada real, diz o
Sr. M. Gomes que ha ruinas de muralhas e fossos; acreditava-se (Arch.
Port., loc. cit.) que ahi era a antiga Langobria (sic). Não sei se é
precisamente o mesmo local a que Brito (Mon. Lusit., II, V, p. 3) chama
castello de S. Gião, onde havia ruinas de muros e elle encontrou o tal
padrão suspeito e onde presume Lancobriga, não na Feira, diz, mas entre
Albergaria e Bemposta, defronte de Pinheiro.
Significativa confusão! Aquelle logar de Cristello vem
na carta geodesica entre Estarreja e a estrada real.
Na freguesia de Ul ha outro castro (aldeia do crasto), de que porém não
conheço o ubi. Tem uma cintura de muralha de pedra solta ou cousa que o
valha. (Pinho Leal, s. v. Ul).» (págs. 16-18).
.......................................................................................................................
«Relançando novamente o olhar ao mappa, poder-se-há notar que a zona
attribuivel á situação de Talabriga não está erma de castros, antes
nella se dão varias circunstancias que não posso deixar de aproveitar
para a minha these conjectural.
Branca é uma freguesia cuja sede fica na margem
direita de Caima e que é cortada pela estrada real; ha nella um logar de
Cristellos, que só pelo topónimo demonstra a existencia de um castro ou
oppido. Mas alem d'este, infere-se do Sr. Marques Gomes, de Fr.
Bernardo de Brito (loc. cit.) e d-O Arch. Porto (II, 313, «Mem.
Parochiaes») que ha um local sito na serra de S. Julião, atravessado
pela estrada real e que Brito mais claramente chama castello de S. Gião
(castello por castro), no qual, segundo aquelles tres testemunhos, ha
ruinas de muralhas e fossos, que o Sr. M. Gomes presume serem ruinas de
uma atalaia e que o parocho das Memorias tambem capitula de vestigios
romanos, acrescentando muito singularmente (note-se bem
o que isto pode significar) que ahi esteve... Langobria (sic). Foi
aqui que Brito diz ter encontrado a tal pedra de letras mal distinctas
de que não affiança a leitura, mas que lhe pareceu padrão de estrada.
E aqui tem cabimento o que já atrás deixo dito, para absolver de fraude
consciente a noticia archivada em Fr. Bernardo de Brito.
Parece-me pois ser neste aro, se não neste mesmo
/ 331 /
ponto, que se deverá procurar o jazigo, não de Langobriga,
mas da nossa Talabriga, e é precisamente a estas immediações que o
compasso me levou ao medir sobre a carta a primeira secção da via romana
de Coimbra a Gaia.
Não desconheço quanto de problematico isto tem antes de serem
perguntados pelo archeologo os logares, as ruinas, os vestigios e os
montes e as vozes da região, mas nem por isso o meu espirito deixa de
ficar demonstrado, até o possivel, que as cinzas de Talabriga nunca
podem estar guardadas em Aveiro. As coincidencias que acabo de notar,
não são bases frivolas.
Só pois a inspecção directa do terreno, nas immediações da Branca,
poderá concorrer para confirmar ou destruir a minha conjectura.
.......................................................................................................................
As pontes de Vouga e Marnel são indicios bem importantes da frequencia
das viagens através d'esta parte da região, afastada da costa baixa e
paludosa. São decerto obras da idade media, dos mouros, diz Pinho Leal
(s. v. Marnel e Vouga). Mas os indicios pre-romanos e romanos
soletram-se nessas ruinas de muralhas, pedras lavradas, vestigios de
edificios e toponymia, que os cabeços de Vouga e Marnel nos conservam,
segundo descrevem Brito, Pinho Leal e os parochos do sec. XVIII nos
extractos publicados pelo Archeologo Português.» (págs. 20-22)
.......................................................................................................................
...« O que Barreiros conta
relativamente a Cacia, encontra-se repercutido num local situado muito
mais acima sobre o Vouga. No sec. XVIlI corria que em eras passadas ainda os navios subiam aquelle
estuario até a antiga cidade de Vacua, onde depois foi a villa de Vouga
e agora mero cabeço de Vouga (Arch. Port., VII, 191), que aliás tende a desapparecer, como desappareceu a de Marnel pelo impaludismo
(Pinho Leal, Port. Ant. e Mod., S. V. Vouga).» (pág. 34).
Para remate destas transcrições do substancial estudado arqueólogo FELIX
ALVES PEREIRA, que procurámos reduzir ao mínimo, daremos ainda esta
página literariamente perfeita (embora historicamente falsa em quanto
conclui sobre a nossa região, como adiante veremos), pois tem servido de
cansado tema, dedilhado em todos os tons, à literatura, local pretensamente científica, até mesmo a propósito do Cabeça do Vouga:
...«De Talabriga temos uma das paginas da sua historia escrita por um
autor do meio do sec. II d . C., Appiano de Alexandria.
É certamente este um caso particular, mas não deverá deixar de ser
considerado como uma amostra de dramas
/ 332 /
analogos que succederam com os oppidos lusitanos, no
embate das cohortes romanas.
Talabriga, escreve Appiano, era uma das cidades (da
Lusitania) que mais frequentemente se revoltava. Esta falta
de resignação, este, direi eu, germen de patriotismo ou melhor
de municipalismo, não podia tranquilizar Decimo Junio Bruto,
que julgou que o caso era de reclamar a sua presença no local
da cidade. Partiu com numerosa gente, e ao seu apparecimento responderam os irrequietos Talabrigenses com supplicas e o seu incondicional abandono á discrição do conquistador.
Então J. Bruto foi energico e insaciavel, mas ao mesmo tempo
teve um lanço inesperado de generosidade. Quis fazer-lhes
sentir primeiro a dureza cruel do seu braço de guerreiro, e para isso
impôs-lhe a immediata entrega dos transfugas das
hostes d'elle, certamente alliados dos romanos, a dos prisioneiros, a de todo o armamento e ainda por cima exigiu
refens. Depois chegou a ordenar-lhes que abandonassem
a cidade com suas mulheres e filhos. Parece que o prestigio militar de
J. Bruto não valia menos que seu tino de politico
e conquistador. Os Talabrigenses aprontaram-se para obedecer alli mesmo. Mas o capitão romano queria compôr
lhes um quadro que lhes impressionasse perduravelmente
a imaginação. E ia espreitar o effeito produzido.
Desdobrou em circulo as suas tropas e, agglomerando
dentro a chusma dos habitantes humilhados, arengou-lhes.
Fez-lhes perceber que não receava a sua turbulencia indomita, porque quantas vezes desertassem, outras tantas elle
viria combatê-los e reduzi-los com a necessaria firmeza.
Incutido assim o receio e a convicção de que no momento
adequado, J. Bruto cairia sobre elles com toda a energia, o
general romano quebrantou a sua ira, satisfeito com estas
objurgatorias. Mas não sem que lhes tornasse os cavallos,
os mantimentos, os dinheiros da cidade com todo o outro
material publico(34). Isto era claramente deixá-los na impotencia e até na penuria. E por fim J. Bruto, contra tudo
quanto os Talabrigenses podiam já esperar (Praeter spem),
restituiu-lhes a cidade para nella continuarem a habitar.
Isto passava-se já meado do sec. II, antes de Christo (138a. C.).
Feito isto, o conquistador regressou a Roma.
Esta pagina da conquista da Lusitania é tanto mais
importante quanto é, com igual individuação, a unica que
nos resta de historia escrita dos oppidos lusitanos, e,
embora narre um só episodio da guerra da conquista, não
deixa de ser elucidativa.
/ 333 /
Quando li este trecho de Appiano (Appiani Alexandrini Rom. Historiarum quae supersunt . Parisiis . F. Didot.
MDCCCXL), confesso que senti amargura por não podermos ainda ir
conversar na região do Vouga com as ruinas da cidade, onde estes successos crueis se desfiaram, e segredar ás cinzas d'aquelle abrasado
patriotismo que o mesmo sentimento, que chammejou nesses lusitanos
insoffridos, ainda se não arrefentára com o soprar sobre ellas de vinte
vezes cem invernos, e em mais de um dia, já da nossa existencia
nacional, elle se tem ateado em protestos bem tumidos de calor.
Talabriga continuou a existir e refazer-se, atravessando a epoca
imperatoria, como nos attesta: I.º, a data a que pertence a ara de Estorãos, sec . IlI-IV; 2.º, a sua inscripção no Itinerario (sec . IV). » (Págs.
35-36).
No Ensaio de inventario dos Castros portugueses por
F. TAVARES DE PROENÇA (J.or), de 1908, já no distrito de Aveiro se
recenseiam 6 castros (os n.os 54, 134, 284, 412, 414, 436); destes, é um
o da Branca e outro o de Lamas do Vouga.
A bibliografia do castro de Lamas do Vouga já acima a demos, extraída
do Arqueólogo Português; também no mesmo admirável repositório colheu TAVARES DE PROENÇA o registo do castro da Branca, conhecido como tal
desde o século XVIII; a esse registo se refere ALVES PEREIRA, como
vimos, e, para melhor esclarecimento dos problemas arqueológicos locais,
e bem assim para se saber como, por quem, e quando foram registados,
para aqui o transcrevemos também:
...«Ha tradiçam antigua que nesta Serra (de S.
Julião) no tempo dos
Mouros estava situada huma cidade a que chamavam Langobria, e ainda
agora se vem
(sic) no alto da serra alguns vestigios, donde se tiraram as pedras das muralhas(35)»... (Arq. Português,
II, 313)
Em 1909 registam os Anaes do Município de Oliveira de
Azemeis, entre muita notícia de valor arqueológico para o distrito, o
marco miliário de Ul, a que já acima nos referimos;
/ 334 /
determina a milha XII da estrada, faltando porém a indicação donde
começava a contagem, isto é, se de Langóbriga ou de . Talábriga:
,..«O milliario é do tempo do imperador Tiberio
Claudio Nero, augusto como todos os successores, pontifice
supremo, filho do divino Augusto; e foi levantado na orla da estrada,
entre 27 de junho do anno 23 da nossa éra e igual dia do anno 24.
Addite-se, por fim, que elle constitue o primeiro
documento authentico, a primaria prova material de que a via militar
descia de Cale para Aeminium, cortando pelo
interior a servir os numerosos castros da região; e não se encostava
toda ao littoral para visitar Aveiro, como se pretendia. Assim, tambem
a velha hypothese da identificação de Aveiro com Talabriga, tão grata a
muitos dos nossos antigos chorographos, recebe um rude golpe, quiçá
mortal.
O precioso cylindro granitico, de grandes dimensões,
não podia ter vindo de muito longe para os alicerces da desapparecida
igreja ulense. Era, pois, por alli, na encosta do desmantellado castro,
que rompia a estrada romana a
demandar a gloriosa Talabriga, perdida e esquecida hoje n'um insondado
mysterio.» (Págs. 350-351).
É já de nossos dias a restante bibliografia a citar,
seleccionada de harmonia com o plano que estabelecemos para o estudo
da estação luso-romana do Cabeço do Vouga.
Em 1922, dedicando à Bacia do Vouga um estudo geográfico
modelar, o Sr. Dr. AMORIM GIRÃO, da Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra, mostra como não é inconciliável a tradição secularmente
mantida de que Talábriga era cidade romana da foz do Vouga, e a
localização que os recentes estudos tendem a determinar-lhe no interior,
longe da costa; a foz do Vouga ao tempo da dominação romana não
coincidia com a actual, e esse facto, que a geologia e a documentação
histórica permitem estabelecer com absoluta segurança, é fundamental
para todas as identificações arqueológicas locais; a linha da costa
ficou irrecusavelmente estabelecida no referido estudo, de que
registamos os períodos seguintes:
...« Não se conseguiu ainda determinar com segurança onde ficava
situada esta cidade (Talábriga), sendo contudo verosímil, em face de um
bem deduzido estudo(36), que devia localizar-se não em Aveiro, Cacia ou
Esgueira, como escritores antigos, modernos e mesmo até contemporâneos
/
335 /
teem pretendido, mas sim bastante mais para o interior: o que de forma
alguma exclue, em nosso entender, a idea
tão arreigada de que ficava junto da foz do Vouga, não
onde ela hoje está, mas onde estava ainda ao tempo da
dominação romana. É esta diversidade de aspecto topográfico entre a região do Baixo-Vouga na época actual e o
que era na época proto-histórica que deve harmonizar,
segundo cremos, a opinião unânime dos antigos escritores de que Talabriga ficava junto da foz desse rio, e a contagem das
milhas na estrada romana e considerações
derivadas da natureza do terreno, que se opõem fundamentalmente a que
ela ficasse situada em Aveiro ou nas suas
imediações. A notável povoação da antiga Lusitânia devia,
com efeito, ficar mais no interior, perto do braço marinho onde o Vouga
desaguava e, onde desaguavam também,
independentemente dele, o Agueda e o Cértoma, braço
marinho que as aluviões dos três rios posteriormente
haviam de fazer desaparecer.
Então, ainda Aveiro e muitas povoações vizinhas da
ria não existiam, e a ria não existia também, muito embora
estivessem já em actividade as causas que contribuíram para
a sua formação, e talvez mesmo a-pesar-de o cordão litoral
estar já em parte construído, pois doutra sorte não teriam
os escritores coévos passado em silêncio aquele singular
acidente, em que a Natureza prodigaliza ao homem os mais
variados recursos.» (Pags. 60-61).
Também o escritor Sr. Dr. ALBERTO SOUTO, que em 1923
contraditara a opinião justificada na Bacia do Vouga, acima referida,
acerca da época da formação da Ria, manifestando, de
preferência, concordar com o engenheiro ARAÚJO E SILVA
que
atribuiu à mesma a idade de 25 séculos (Origens da Ria de
Aveiro, pág. 119)(37) e dizendo que «a formação da Ria na
sua fase presente, deve ser obra anterior à dominação romana»
(Págs.119-120)(38) − opinião que, a justificar-se, influiria nas
conclusões a tirar de toda a arqueologia dos arredores de
/
336 /
Aveiro − refere-se, no opúsculo intitulado A Estação Arqueológica de Cacia, I, Primeiras palavras* Primeiras impressões,
publicado em 1930, ao Cabeço do Vouga; aqui se transcrevem
igualmente essas referencias, no mesmo intento de deixar
reunido quanto apresente algum interesse para o estudo daquela
estação arqueológica:
...«Falou Plinio no oppidum Talabriga.
Existiu tambem, segundo outra versão do mesmo classico, o
oppidum Vacca.
Houve tambem a civitas Marnele.
E todos estes tres povoados demoraram pelas proximidades do rio Vouga.
Podemos admitir que Marnele e
Vacca (Vacua, Vagia)
tenham sido nos sitios do Marnel e Vouga, entre cujas
povoações fica o historico cabeço regado pelo sangue dos combatentes de
1828, onde são evidentes os traços romanos e os restos de uma povoação
de altura, bem providos de meios de defeza, e onde o exame do terreno
não deixa duvidas da sua antiguidade.
Sem necessidade de excavações ali encontrei eu o
classico poço e ali recolhi tegulas e tejolos de molde
romano, um pondus e mós manuarias de que houve, segundo o meu inquerito,
enorme quantidade.
O Itinerario de Antonino Pio menciona Talabriga que
ficava não longe da foz do Vouga sobre a estrada romana que ia de
Aeminium para Calem.
Ora segundo o abalisado e notavel estudo do sr. dr. Felix
Alvares (sic) Pereira, sobre a Situação conjectural de Talabriga, a velha e heroica cidade da Lusitania, não podia ter existido na
margem esquerda do Vouga.» (Pág. 13).
Em 1927, no jornal aveirense
"O Debate" de 5 de Maio, iniciou o Sr. DR. FERREIRA NEVES uma série de artigos a propósito
da ara de Estorãos, que FÉLIX ALVES PEREIRA estudara vinte anos antes,
como acima vimos. Notando, muito justamente, não ter
lido nem ouvido até à data «nenhuma referencia a tal monumento feita por qualquer aveirense quando sobre Aveiro ou Talábriga têm
escrito», conclui que o mesmo era deles desconhecido. Descreve-o então e historia-o, e, admitindo que a
talabrigense referida na inscrição pudesse ter sido originária da
região de Aveiro, propõe que no Museu desta cidade se recolha um
decalque e uma fotografia da ara.
Em carta de 19 de Abril de 1929, que tive presente, conta
o Sr. DR. ANTÓNIO DE PINHO E MELO ao Sr. DR. FERREIRA NEVES como seu
pai, proprietário de terrenos no Cabeço do Vouga,
neles mandara semear pinhal, tendo os trabalhadores, por essa
/
337 /
ocasião, entulhado o velho poço lá existente, que a lenda ou tradição
afirmava ser a entrada para um refúgio que atravessava o leito do Vouga
indo desembocar para os lados de Carvalhal.
Nas operações então feitas para o arroteamento do terreno foram
encontradas algumas moedas romanas, que o Sr. DR. PINHO E MELO conserva,
descrevendo, na referida carta, uma delas em
que muito distintamente se vê o conhecido símbolo alusivo à fundação de
Roma − a loba amamentando Rómulo e Remo.
E acrescenta:
...«A poente de Pedaçães e na encosta que desce para o Marnel junto à
sua confluência com o Vouga, ainda existem ruínas da povoação antiga.
Ali foram encontradas algumas pedras aparelhadas, enormes, a tal ponto
que era custoso a um carro de bois transportar uma por cada vez, e
tijolos que a ignorância dos lavradores fez destruir. Consegui apenas
dois deles, que não tinham qualquer inscrição, mas perfeitos relevos,
altos, e que leguei ao museu de Coimbra.
Ainda hoje se encontram e por lá existem, mós de granito, pequenas, e
que deviam servir para os escravos moerem o trigo manualmente.»
Mantendo a cronologia que temos seguido tanto quanto nos
tem sido possível, cumpre registar a série de artigos escritos no jornal
"Correio do Vouga" pelo Sr. Tenente-coronel A. STRECHT DE VASCONCELOS, de
3 de Março de 1934 a 26 de Maio seguinte, donde extraímos os períodos
seguintes, suficientes ao nosso problema:
...«Para averiguarmos a situação exacta de Talábriga,
temos que considerar o que dela se diz nos textos e o que dela consta no
Itinerário.
Segundo êste, Talábriga ficava a 18 milhas de
Lancóbriga, que
corresponde muito aproximadamente ao Castelo da Feira e a 40 milhas de
Aemínio ou Coímbra.
Se medirmos na Carta de 1/850.000, por exemplo, a distância entre Feira
e Coimbra, notamos que é de 0,095 m. o que representa uma distância real
de 80,675 Km. As 58 milhas de 1472,5 m., que segundo o itinerário separam
estes dois pontos e valem 84,405 Km, o que é natural, pois a distância
pela estrada ha-de ser fatalmente superior à distância em linha recta.
Talábriga, devendo ficar a 18 milhas no sul da Feira, deve encontrar-se
a cêrca de 18K,1472m,5 ou seja a cêrca de 26K,505 para o sul.
Se seguirmos na Carta Itinerária a estrada que liga a Feira com o
procurado logar de Talábriga, perto da estrada
/
338 /
nacional Porto-Lisboa, verificamos que coincide sensivelmente com Lamas
do Vouga.
De Lamas do Vouga a Coimbra, medem-se na Carta de 1/850.000
0,06 m,
equivalentes a 51,00 Km; as 40 milhas que segundo o itinerário separavam
Talábriga de Aemínio valem 57,900 Km. Tem pois uma diferença de cêrca de 7
kilometros entre as duas medidas: mas se considerarmos que este trôço de
estrada àlêm de dever ser superior à distância em linha recta é muito
sinuoso, temos que concordar que as distâncias coincidem e que é entre o
Agueda e o Marnel que havemos de situar a celebrada Talabriga.»
Comentando, a seguir, o conhecido texto de PLÍNIO, diz o
mesmo escritor:
...«A palavra pessures deve estar estropiada; pelo que me parece que o
texto dizia: A Durio incipit Lusitania; Turduli Veteres, pessune eris
Vacca oppidum Talabriga, ad Mundam. Isto é, os Turdulos habitam desde o
logar onde no rio Vouga se está submergindo (pessum eris) o oppidum
Talabriga.
Esta interpretação leva-nos a colocar Talábriga, não só no rio Vouga,
mas em logar onde se estava erguendo, subvertendo nas suas águas ou nas
suas areias, a mesma povoação e logares adjacentes.
Ora em Lamas (entre o Agueda e rio Marnel, ha duas pontes que estão já
tão assoriadas, que se passa navegando sôbre elas, e tendo em
consideração o que se deu com a ponte de Coimbra, que já é a terceira
sobreposta, não repugna acreditar que, neste logar, ou próximo dele se
tenha submergido no terreno uma antiga povoação, que se encontrava à
margem, ou era atravessada pela estrada romana.
Alem disso, o logar de confluência de dois rios foi sempre o escolhido
pelos
(sic) para edificarem as suas domus, citanias ou condados,
preferindo os picos ou cabêços dos montes a que os cursos de água faziam
defêsa natural. A quando da invasão romana foram desalojados destas posições e obrigados a estabelecerem-se nos vales. Ora, perto do Marnel, ha no Cabêço do Vouga, vestígios de uma antiga povoação que, ou
foi arrazada pelos romanos, como aconteceu à Feira, ou edificada pelos
romanos para seu cómodo e defêsa, em logar do que se estava submergindo
no fundo do vale.»
Tenta, por fim, várias etimologias de Talábriga, e
conclui
o seu estudo escrevendo:
...«De modo que, por mais voltas que dermos à palavra,
ela se traduz sempre ou por povoação, logar ou fortaleza
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339 /
[Vol. VII - N.º 28 - 1941]
de Lamas, ou, abismada, submersa nas Lamas, Paul ou Marnel.
Ora esta coincidencia de distância aos pontos mais proximos do
itinerário conjugada com a propriedade do toponimo em relação às
caracteristicas do logar, parecem-me suficientemente persuasivas e
fundamentaveis de Conclusão que a célebre Talabriga se encontra
enterrada nas areias do Marnel; sendo por isso que se não encontram
vestigios dela, como de muitas outras povoações que identicamente teem
sofrido.»
Estudando as Estradas romanas no distrito de Aveiro, o
Rev. Abade JOÃO DOMlNGUES AREDE, em 1937, emite a opinião de que é pelo
leito da velha Estrada Real «que se deve fazer a contagem das milhas
para a localização da Langóbriga e Talábriga», devendo esta «estanciar bastante ao norte do Vouga, por alturas da Branca», de harmonia com a
conclusão a que chegara já FÉLIX ALVES PEREIRA.
A localização de Talábriga na margem esquerda do Vouga, baseada no
conhecido texto de PLÍNIO, é pelo Rev. AREDE considerada
...«Sedutora hipótese, que encaixava à maravilha Talábriga na estação
arqueológica do Cabeço do Vouga, a
«civitas Mamelæ) do Portug. Mon. Hist. perto da antiga estrada e
velhíssima ponte, para cuja fábrica ou reconstrução contribuiu D.
Sancho Pires, Bispo do Porto, como já fica referido, e Langóbriga,
arrastada por Talábriga, desceria para o «castelo» ou castro de Lações,
sonho obsidiante do velho abade de Oliveira de Azeméis − Dr. Oliveira
Ferreira.
Mas de Lações (paróquia de Azeméis) a Gaia vai o dôbro da distância, que
no ltinerario separa Langóbriga de Cale, e do Marnel a Coimbra deve
apurar-se menos 10 milhas que as contadas por Antonino entre Emínio e
Talábriga.»
(Arq. do Dist. de Aveiro, voI. IV, pág. 30).
Demonstrando o extremo
cuidado que a utilização dos velhos textos
exige e como, afinal, se torna necessário refazer inteiramente o
processo histórico destes problemas, tem aqui justo cabimento o pequeno,
mas altamente elucidativo, artigo do Sr.
P.e MIGUEL DE OLIVEIRA no Arquivo do Distrito de Aveiro (Vol. IV,
págs. 117 a 120) subordinado ao título de Talábriga.
Transcrevendo e traduzindo o famoso texto de APlANO
ALEXANDRINO, invocado sempre que a literatura local pretende exaltar o
civismo aveirense, entroncando-o na rebeldia com que
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340 /
as populações indígenas resistiam à dominação romana, esclarece o Sr.
P.e MIGUEL DE OLIVEIRA:
...«APlANO fala das guerrilhas que se formaram na Lusitânia depois da
morte de Viriato e conta como Roma enviou contra elas o cônsul Décimo
Júnio Bruto. Descritas as campanhas da Lusitânia, entre o Tejo e o Douro
(cap: 71), narra o que se passou ao norte deste rio:
72. Depois, atravessado o rio Douro, tendo passeado as
suas armas por muitos lugares distantes e recebido grande número de
reféns de todos os que se rendiam, Bruto encaminhou-se para o rio
chamado do Esquecimento(39) e foi o primeiro
dos Romanos a transpô-lo.
Avançando dali para outro rio, o Minho(40), como os Brácaros lhe
roubassem os 'mantimentos que consigo transportava, marchou contra os
Brácaros.
São estes um povo belicosíssimo, e até levavam consigo a combater as
mulheres armadas, e todos lutavam com tal intrepidez, que preferiam
arrostar a morte a volver costas ou soltar um grito de cobardia. Mais
ainda: algumas das mulheres que foram apanhadas matavam-se por suas
mãos, outras assassinavam os próprios filhos e julgavam preferível a morte à
servidão.
Alguns ópidos vieram, todavia, a submeter-se ao poder de Bruto e,
embora se rebelassem pouco depois, foram por ele inteiramente dominados;
73. Foi o ópido de Talábriga um dos que mais vezes se rebelaram. Vindo
lá, como os habitantes lhe implorassem clemência e oferecessem
submissão, Bruto começou por mandar que lhe entregassem, além dos
refens, os Romanos trânsfugas, os cativos e todas as armas: depois ordenou que saíssem da
cidade com as mulheres e os filhos. Apenas eles se dispuseram a cumprir essa ordem, cercou-os de tropas e dirigiu-lhes um discurso em que os advertiu de que as suas rebeliões só poderiam
reacender a guerra e cada vez mais violenta. Tendo-lhes assim incutido
temor e a ideia de mais séria revindita, descarregou no entanto a sua ira
nestas objurgatórias. Tirou-lhes os cavalos, os mantimentos, os
dinheiros públicos e os restantes apetrechos, mas deixou-lhes para
moradia o ópido com que já não contavam. Depois de tantos feitos, Bruto
regressou a Roma.»
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«Bastava o texto de APlANO para concluirmos que a sua Talábriga era um
ópido dos Brácaros. O capítulo 73
/ 341 / é uma
é uma continuação do anterior, cuja acção decorre no Alto
Minho. Se nessa região aparece a relíquia arqueológica da
piedade de uma talabrigense,(41) mais um motivo para não
procurarmos em outra parte essa Talábriga, não era, aliás,
muito natural, que nesses tempos se expatriasse para as
margens do Lima uma família pertencente a um ópido
do Vouga.
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