DUAS IGREJAS é nome
geográfico de uma povoação
muito antiga, pois era já habitada na época romana.
De facto, no sítio denominado «Choupêlo» encontram-se, dispersos pelo chão e em paredes velhas,
diversos objectos arqueológicos, a saber: − tégulas, láteres, ímbrices, pôndera, mós
manuárias, pedras trabalhadas, o que denota a existência, ali, de antiga
estação romana.
A ex.ma Câmara da Vila da Feira, por intermédio da sua Comissão de Arte
e Arqueologia, deve mandar proceder a bem dirigidas escavações no
referido local, como fez em Romariz e Fiães. Assim, enriquecerá o museu
municipal, recentemente criado.
A origem popular do topónimo «Duas Igrejas» é atribuída ao facto, aliás
discutível, de a primitiva igreja ser, em antiguidade, a segunda destes
arredores. Na opinião do povo, Duas Igrejas corresponde à expressão − segunda igreja.
Não é esta, porém, a opinião dos entendidos nestas matérias, os quais
sustentam que é muito diversa a origem etimológica do topónimo − Duas
Igrejas. Segundo os mestres na filologia, aquela designação provém da
circunstância particular seguinte: − a coexistência de duas igrejas, que
serviram sucessivamente de templo paroquial. Já servia ao culto a
capela-mor da segunda igreja e não fora ainda demolida a primeira.
Desta circunstância derivou seu nome a freguesia das
Duas
Igrejas.
Da «fregisia de Duabos Ecclesiis» já faz menção a inquirição de D.
Afonso II (1220), o que nos induz a conjecturar que, no actual território
de Duas Igrejas, existiu no período neo-gótico uma villa, de nome igual
ao do possuidor ou senhor da mesma, o qual por certo levantou à sua
custa a primeira ermida ou igreja.
No século XII, quando a villa se transformou em freguesia,
o povo construiu a segunda igreja e aquele povoado rústico
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passaria a denominar-se − Duas Igrejas, − pela razão acima
declarada.
A igreja actual, rica em talha dourada, é já a terceira, e
crê-se ter sido edificada pelo povo há cerca de 500 anos.
É de notar que a freguesia de Duas Igrejas teve três oragos
sucessivos: Santa Maria, São Miguel e São Silvestre I, Papa
(314-335). Refere-se ao primeiro a relação dos Censos, organizada no século XII e inserta no fim do «Censual do Cabido do Porto».
Ao segundo orago referem-se o
Corpus Codicum, o Censual
do Cabido, as Inquirições de EI-Rei D. Dinis (1288), etc. Ao
Papa São Silvestre, patrono e titular da igreja actual, referem-se
o Catálogo dos Bispos do Porto (1623), as Constituições Sinodais do
Bispado do Porto (1687), o Questionário de 1758, a Descrição
da Cidade do Porto (1788), o Portugal antigo e moderno (1874), etc.
É particularmente interessante o questionário enviado para
a Torre do Tombo na data acima referida, n.os 7, 14 e 19.
«O orago ou Padroeyro da freguesia he o Senhor São
Sylvestre. Tem a igreja somente tres altares, a saber: o Altar
Mor, onde está da parte do Evangelho a imagem de São Gonçalo e no trono
o dito Padroeyro; e no Corpo da Igreja dous
Collateraes, nos quaes da parte do Evangelho está a imagem de Nosso
Senhor Jesus Christo Crucificado, e da parte da Epistola
a Senhora do Amparo e Santa Barbora (sic).
Há na Igreja desta freguesia a romagem de São Sylvestre
no seu dia que he o ultimo do anno, onde vão muitas pessoas offerecer ao
mesmo Santo as orelhas dos cevados, que lhe prometterão pera os livrar de alguma infirmidade.
Costuma se fazer no dia de São Sylvestre, o ultimo do anno,
huma feyra, onde vão muitos mercadores de loges, ourives de
ouro e prata, e outros generos de mercancias, sem pagarem
direito algum». Vide Dicionário Geográfico de Portugal, do
oratoriano P.e LUIZ CARDOSO, vol. 13, fl. 211.
A feira franca de São Silvestre de Duas Igrejas terminou
há mais de 50 anos. Porém, desde Janeiro de 1937. vêm
realizando no primeiro dia de cada mês um mercado, regularmente concorrido de feirantes, no mesmo local. Segundo PINHO
LEAL, no vol. 2.º, pág. 487. − na extinta feira anual vendiam-se
«muitos porcos gôrdos, bois e outros generos».
A inquirição de D. Afonso III (1251), no «Item... de freguesia de Duas
Igreias», diz que o prelatus (= pároco) Pedro João e os 2 homens bons da
terra − João Gonçalves e João
Rúbens − afirmaram com juramento, perante os juízes inquiridores, que em
Duas Igrejas não possuía o rei quaisquer reguengos ou terras foreiras à corôa. Tratava-se, portanto, de uma
povoação que andava por honra, não podendo entrar nela o mordomo do rei.
A inquirição de D. Dinis (1288) fala da «parrochia de Saõ
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Miguel de Duas Igrejas» dizendo que fora interrogado Estêvão Pires, de
Duas Igrejas, e que este jurara que havia na sua freguesia uma casa
fidalga ou quintã de Dona Maria e Rui Martins, e que sempre a vira
trazer por onrra, honrando por igual toda a aldeia, isto é, todos os
casais daquela terra. João Migueis e Domingos Pires, ambos de Duas
Igrejas, e Ângelo Martins, confirmaram as declarações de Estêvão Pires,
que seria talvez o pároco da freguesia.
Em 1290, D. Dinis proferiu a sentença seguinte:
« Item... freguesia de Sam Miguell de duas igreias. A hy
(= há aí) huma quintaam de Dona Maria e de Roy Martijz e trage na por
honrra cum essa aldea que nom entre hy mordomo mais (= mas) entra hy o
porteiro e peitam ende vooz e cooima e omezio. Estee como estaa».
Continuou, pois, Duas Igrejas a gozar os privilégios que naqueles
recuados tempos eram concedidos às terras honradas, que muitas eram
elas.
O «Catálogo de todas as Igrejas, Comendas e Mosteiros do Reino de
Portugal e Algarves», organizado em 1320, − diz-nos que a igreja de S.
Miguel de Duas Igrejas pertencia à Terra da Ordem de Cristo, fundada
pelo rei poeta em 1319, e fora colectada em 15 libras para a guerra
contra os mouros da Península.
Do «Corpus Codicum Latinorum», editado pela Câmara
Municipal do Porto, vol. 1.º, pág. 536, − vê-se que «a freguesia de Sam
Miguel de duas Igrejas não pagava portagem à cidade do Porto ».
Por fins do século XII ou começo
do XIII, foi colectada a igreja de
Santa Maria de Duas Igrejas em 15 soldos de mortórios, um quarteiro de
aveia e outro quarteiro de milho, a título de Censórias à Mitra e
Cabido do Porto.
Votos de Sant' lago ou do Rei Ramiro
− pagou-os a freguesia de Duas
Igrejas durante alguns séculos; na segunda metade do século XVI, eram
sete os casais voteiros de Duas Igrejas,
somando os votos 16 alqueires (8 de milho e 8 de centeio). Só em 1822
foi extinto pelas Cortes este tributo.
Donatários da terra,
− foram-no os Mestres da Ordem de
Cristo, os Condes da Feira e a Casa do Infantado.
Pelo que diz respeito ao padroado da igreja, a princípio seria exercido
pelo senhor da villa e fundador da primeira ermida: foi o que sucedeu em
inúmeros casos similares.
Mais tarde, o fundador (ou algum seu herdeiro) cedeu ou vendeu o direito
ao padroado de Duas Igrejas ao Abade de
São Jorge de Caldelas, que só em 1834 deixou de apresentar na dita
igreja o cura-pároco.
O mesmo Abade percebia os dízimos e mais rendimentos
do Passal de Duas Igrejas. Constava este de terras lavradias e terreno
de mato, com pinheiros e sobreiros. Foi arrematado em hasta pública
perante o Governador Civil de Aveiro, no
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dia 18 de Abril de 1872, pela quantia de seiscentos mil reis. Foi
arrematante José Luís de Sá, do lugar do Fundo de Vila, de Duas Igrejas.
Por carta Régia de D. Luís I, de 5 de Maio do referido ano, o
Administrador da Feira, António Soares Barbosa da Cunha, foi autorizado
a dar posse do Passal de Duas Igrejas ao arrematante: posse que se
verificou a 2 de Agosto.
Os dízimos incidiam sobre o pão, vinho, legumes e os demais frutos que
os lavradores recolhiam. O Abade de São Jorge, na qualidade de
padroeiro, era obrigado aos reparos que fossem precisos na residência e
na capela-mor da igreja, bem
como a fornecer a cera e paramentos para a mesma.
O Cura tinha o pé-de-altar e uma côngrua insignificante.
O Questionário de 1757,
n.º 8, reza assim: − « Duas Igrejas é Curato
e apresentado o Cura pelo Reverendo Abbade de
São Jorge, que percebe os dizimos e o rendimento dos Passais,
por ser a igreja de Duas Igrejas filial ou anexa da de São Jorge, e
somente o Reverendo Abbade dá ao Cura, annualmente, seis mil reis e o
pé de Altar, o que tudo renderá vinte mil reis. E os dizimos e
Sãojoaneiras se arrendão junctamente
com os de São Jorge».
Apesar disso, a lista dos curas da paróquia de Duas Igrejas é
quase
completa, de 1590 a 1835.
Dos Autos que existem na Câmara Eclesiástica do Porto, consta que os
habitantes de Duas Igrejas requereram ao Governador (intruso) do
Bispado, Fr. Manuel de Santa Inês, a anexação da sua freguesia à de
Santa Maria de Pigeiros: e foi-lhes isto concedido, a título provisório,
em 14 de Abril de 1835.
Em 7 de Julho do mesmo ano, foi definitivamente anexada à
de Santo Isidoro de Romariz. Este despacho descontentou muito os
Duas-igrejenses. Perante o dito Governador, a Rainha D. Maria II e a
Câmara do julgado de Fermedo manifestaram em representações a sua completa discordância e o vivo desejo de terem pároco próprio,
conservando
a sua freguesia independente da de Romariz.
A humilde voz dos filhos de Duas Igrejas não teve eco nas altas
esferas; foi apenas vox clamantis in deserto: não foi escutada. A
freguesia de Duas Igrejas continuou anexada a Romariz e até os foros e
regalias de igreja anexa lhe foram
cerceados!...
Mas, post tempus...
tempus venit.
Esse fogo sagrado que no século passado ardeu em labaredas, lavra ainda na minha terra natal e não se apagará jamais.
Teve Duas Igrejas registo paroquial exclusivo, de 1688 a 1861, o qual se
encontra no Arquivo da Universidade de Coimbra e na Conservatória do
registo civil da Feira.
Por concessão perpétua do Ordinário, tem Sacrário e Santíssimo a partir de 1849.
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[Vol. VII - N.º
27 - 1941]
O cemitério de Duas Igrejas data de 1885. Anteriormente,
os cadáveres eram sepultados dentro da igreja ou no adro da mesma. Foi
benzido pelo rev. António Francisco de Matos († 1904), Abade de Romariz e Duas Igrejas. Nesse tempo, a Junta de paróquia era presidida pelo Dr. Manuel José da Conceição (†
1907),
filho ilustre de Duas Igrejas, a quem se deve este e outros
melhoramentos locais.
Duas Igrejas, do concelho da Vila da Feira, é um centro agrícola de
certa importância.
A sua população, que não avulta em número, é muito laboriosa, ordeira,
bairrista, e dotada de acrisolada Fé e vivos sentimentos religiosos. E
parece ter herdado estas belas qualidades... de seus avoengos.
Com efeito, no fim do século XIII (1299), Dona Maria Anes, mulher do
cavaleiro fidalgo Martim Pires Moreiral, − doou ao mosteiro de Grijó o
seu casal de Duas Igrejas, chamado = da Velhêta, = com o piedoso fim de
sufragar as suas almas e as daqueles a quem houvessem, porventura,
causado algum dano.
Por sua vez, o mosteiro obrigou-se a alimentar os doadores, enquanto
vivos fossem, dando-lhes do seu celeiro uma rraçom igual à de um cónego
regrante. Vide Tombo do Mosteiro de Grijó, liv. 7, págs. 199 a 200,
Torre do Tombo.
Já no século XII haviam sido doados àquele mosteiro três casais sitos em Duas Igrejas, como se depreende da inquirição
de D. Afonso II: − «... habet Ecclesiola III casalia».
Também a de D. Dinis (1288), nos diz que «existem aí herdamentos de mosteiros, e honram-nos porque foram dessa
avoenga (Dona Maria)».
O Tombo dos votos de Sant'Iago, relativo a 1586, menciona
três casais voteiros pertencentes a Grijó e um do mosteiro
de Arouca.
Do Tombo dos prazos do Mosteiro de Grijó, livro 85, sala 20,
do Arquivo Distrital do Porto, − vê-se que no século XVIII
possuía o dito convento dez casais foreiros em Duas Igrejas,
dos quais percebia renda, lutuosa e laudémio.
Fecho este já longo e fastidioso artigo, frisando
− que o
foral novo de D. Manuel I (1514) se refere a Duas Igrejas na verba =
Pigeiros = e o Censo geral de D. João III (1527) atribui a esta
freguesia do termo da Feira − 26 vizinhos ou fogos.
Fiães − 1940.
P.e MANUEL FERREIRA DE SÁ |