Manuel F. de Sá, Subsídios para a história de Fiães da Feira, Vol. V, pp. 237-239.

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA

DE FIÃES DA FEIRA

II

ESTA linda terra de Fiães-da-Feira muito se distinguiu e floresceu na época romana, sobretudo na baixa.

Dessa prosperidade e grandeza nos dão irrefragável testemunho os importantes achados arqueológicos do monte de Santa Maria, uma ponte romana e alguns enormes blocos da grande via militar, de ANTONINO PIO.

Umas pinceladas ou respigos de história geral não serão inteiramente descabidos neste lugar.

A província da Lusitânia que abrangia, segundo a divisão de Augusto, o território compreendido entre os rios Douro (Durius) e Guadiana (Anas), − era povoada por 45 ou 46 unidades demográficas, ou circunscrições municipais, com regalias muito diferentes, a saber: cinco colónias; um município de cidadãos romanos; três cidades do antigo Lácio; e trinta e seis povos ou civitates estipendiárias.

Das mencionadas circunscrições, estavam em território hoje português − duas colónias, a de Beja (Pax Julia) e Santarém (Scalabis); um município de cidadãos romanos − Lisboa (Olisipo); três cidades do antigo Lácio: Évora (Ebora), Mértola (Myrtilis) e Alcácer do Sal {Salacia); e muitas outras civitates, que eram apenas estipendiárias.

Mérida (Emerita Augusta) foi capital da Lusitânia.

Nos municípios, como no de Lisboa, a vida municipal é 'activa e conserva a cor e os modos retintamente locais.

Os membros dos municípios eram considerados cidadãos romanos; mas, como estranhos e originários das regiões vencidas, eram cives sine suffragio.

Quanto à origem, as colónias diferem muito dos municípios. Durante a conquista, Roma estabeleceu-as nos territórios de que se apossava, com veteranos ou com cidadãos quase sempre romanos, como outros tantos postos avançados do seu domínio. Os membros das colónias, que eram reputados cidadãos romanos pleno jure, exerciam todos os direitos civis e políticos. / 238 /

Pelo que respeita às cidades latinas, eram pela origem estranhas como os municípios; costumavam ter direito de cunhar moeda, como verdadeiras repúblicas, e, por especial concessão, seus membros, quando tivessem desempenhado na respectiva cidade encargos municipais, ficavam com o direito de cidade em Roma, ao menos no tocante ao jus suffragii.

Terminada a conquista no ano 38 da nossa era, a Lusitânia, com o resto da Península, aceitou completamente as instituições e em geral toda a civilização romana.

Com a paz e sob a influência dos romanos, desenvolveram-se as indústrias rudimentares que já existiam; e introduziram-se outras novas, como a do fabrico da telha e de tijolo; progrediu a indústria de tecidos caseiros; multiplicaram-se os artefactos de ferro e de outros metais; prosperaram as pescarias, as indústrias agrícolas e suas derivadas. O comércio mais importante fazia-se com a Itália: exportação de metais em bruto, principalmente ouro, prata e cobre; de frutas e outros diversos produtos naturais; importação de objectos de metal, vidro, olaria e outros. O mar constituía a mais importante via comercial; porém, os romanos não deixaram de beneficiar a Lusitânia, como faziam em todos os países conquistados, construindo pontes e vias ou estradas militares.

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Foi então que a Colónia ou Civitas, estabelecida no monte «Redondo» ou de Santa Maria de Fiães, muito floresceu, como o comprova o importantíssimo espólio arqueológico, a que já se fez referência no fascículo 18 desta revista.

Acrescentarei apenas esta nota: a mais fina cerâmica da estação luso-romana de Fiães é idêntica à encontrada, há pouco, na importante estação arqueológica de Conimbriga.

Na opinião do ilustre feirense Sr. Dr. AGUIAR CARDOSO, in Terra de Santa Maria, − Lancobriga, de fundação céltica, foi engrandecida pelos romanos, que lhe chamaram Lancobriga, e, no século V, arrasada pelos bárbaros do norte.

O seu assento foi, provavelmente, o dito monte Redondo, de Fiães. A Lancobriga sucedeu a Civitas Sanctae Mariae, de fundação gótica, depois assolada pelos mouros e mais tarde reconstituída pelos neo-godos.

A esta Civitas sucedeu a Vila da Feira. Não se discute, diz o citado autor, que o leito das três povoações seja precisamente o mesmo; mas, a sucessão, quanto à hegemonia ou predomínio na região, é insofismável.

Sendo assim, é muito verosímil que a povoação existente no monte Redondo de Fiães, fosse, na época romana, a mais importante neste território da Lusitânia. / 239 /

Fiães da Feira, mesmo antes de ter este nome, marcou e teve predomínio sobre as restantes vilas desta região de entre Douro e Vouga.

Em Portugal existem ainda numerosos monumentos do tempo dos romanos: edifícios, arcos, restos de obras de viação, pontes, etc.

O Sr. Dr. ARMANDO DE MATOS, ilustre Director do Museu Municipal de Gaia, sustentou na Brotéria, fasc. de Junho de 1937, − que na época romana pelo menos três vias militares foram construídas no actual território dos concelhos de Gaia e da Feira. Das três, a mais importante é a grande estrada militar romana, que ligava Lisboa a Braga, passando por Santarém, Coimbra, Azeméis, Arrifana, Fiães, Lourosa, Grijó, Pedroso, etc.

Dentro dos limites de Fiães, existem dois documentos valiosos que atestam a solidez da construção romana: alguns blocos enormes da estrada militar, de ANTONINO PIO (séc. II), os quais resistiram à fúria do tempo e dos homens, − e a ponte de boa cantaria sobre o rio de Gualter, ou Às-Avessas.

Esta pequena ponte romana tem dois arcos iguais e, tendo sido construída há dezassete séculos, está sólida e aprumada como na hora em que foi acabada. As pedras lavradas da cantaria dos dois arcos não acusam o mínimo desvio ou desnível.

«Os cipos ou marcos miliários das vias romanas, escreveu alguém, estão-nos recordando um dos meios poderosos de que Roma se serviu para tornar efectivo o seu domínio. Lançados desde esta cidade (Roma), ligavam também, entre si, as mais importantes das províncias, como eram entre nós Ossonoba (Faro), Pax Julia, Olisipo, Scalabis, Emerita, Bracara, e Asturica (Astorga), e davam passagem fácil e sobretudo segura às tropas e correios do império, aos governadores, aos comerciantes, a toda a gente, numa palavra, que, por qualquer motivo, pretendia viajar.

A calçada, ou agger, era um pavimento sólido, que podia ter cerca de um metro de espessura, com passeios marginais para peões; traçada, em geral, a direito, e portanto com rampas empinadas, vencia com longos aterros e fortes viadutos os terrenos alagados e os vales profundos, e transpunha os rios, sobre pontes de cantaria.»

Existem, portanto, nesta freguesia de Fiães − inapagáveis vestígios da colonização e domínio romanos.

Fiães da Feira − 1939.

P.e MANUEL F. DE SÁ

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