O
rei D. Fernando doara a vila de Vagos, de juro e herdade, com todos os
direitos, jurisdições e pertenças, a Alice Gregório, para si e seus
sucessores, e fizera posteriormente doação da mesma vila e com igual
amplitude a favor de Soeiro Anes de Parada.
Falecido aquele monarca e eleito o mestre de
Avis regedor e defensor do
reino, ou porque Soeiro Anes seguira o partido de Castela, ou porque se
apresentou a necessidade de premiar
dedicação e lealdade excepcionais, fez doação da mesma vila a João Gomes
da Silva, em atenção aos serviços dele recebidos e a receber.
Mais tarde, passadas as dificuldades da guerra com Castela e consolidado
D. João I no trono a que por eleição ascendera em 1385, entendeu o
donatário que devia consolidar também a sua doação, fazendo-a renovar
pelo rei ou diligenciando convertê-la de temporária em perpétua(1). E
efectivamente, por carta régia de 26 de Fevereiro de 1412 (era de 1450),
com a assistência da rainha D. Filipa e do príncipe herdeiro D. Duarte,
foi
/ 82 /
confirmada a doação a favor de João Gomes da Silva, então
alferes-mor do reino, nos termos em que D. Fernando doara a vila a
Soeiro Anes, de juro e herdade, para ele e seus herdeiros e
sucessores, com seu termo, e com suas entradas e saídas e com
suas jurisdições altas e baixas, mero e misto império, reservadas
apenas as apelações e a correição.
Ao alferes-mór João Gomes da Silva, senhor de Vagos, sucedera seu filho
Aires Gomes da Silva(2). A Aires Gomes
da Silva, sucedeu seu irmão Diogo da Silva e a este, João da
Silva, seu filho; a este, Aires da Silva, seu filho, regedor das
justiças e camareiro mór de D. João II
(3); e a
este, seu filho
João da Silva, regedor da Casa da Suplicação, por direito de
primogenitura, como seus avós. E como a doação, naquelas
sucessivas transmissões, não tivesse sido sujeita à confirmação
régia, o regedor das justiças entendeu dever sanar a irregularidade e pediu a confirmação extemporânea, que lhe foi concedida por carta de 6 de Julho de 1540.
Ao regedor João da Silva, sucedeu o filho mais velho vivo,
Jorge da Silva, pois que o primogénito Diogo da Silva falecera antes do
pai. Devidamente abonado, porém, com o régio aprazimento, Jorge da Silva
procurou trespassar o direito que herdara sobre a vila de Vagos a seu
sobrinho Lourenço da Silva, filho do falecido Diogo da Silva, com a
condição de ele lhe dar
uma renda igual à representada pela vila de Vagos, trespasse
que não teve efeito para D. Luísa, mulher de Jorge da Silva,
por haver recusado para tanto o seu consentimento.
Isso levou a uma medida de violência como a de por Alvará
de 3 de Dezembro de 1558 se segurar a vila de Vagos para vir, «por
falecimento do dito Jorge da Silva a ele dito Lourenço da
Silva», no caso de Jorge da Silva não deixar sucessor varão
legítimo. E ainda que Lourenço da Silva falecesse antes de
/ 83 /
Jorge da Silva, ao seu filho primogénito varão ficaria também seguro o
direito de sucessão, como se seu pai sobrevivera ao tio.
Mas Lourenço da Silva partira para Alcácer-Quibir e lá morrera em
combate, e Jorge da Silva falecera também sem deixar descendentes. Por
esse motivo, e na conformidade do Alvará de 1558, Diogo da Silva, filho
de Lourenço da Silva, como seu bisavô regedor da Casa da Suplicação, não
se esqueceu de pedir a confirmação da doação, a qual veio a ser-lhe
concedida por carta régia de 18 de Fevereiro de 1587(4).
Ao regedor Diogo da Silva sucedeu Lourenço da Silva, filho varão mais
velho do casamento em primeiras núpcias com D. Brites de Mendonça. E
pedida por ele a confirmação, foi-lhe
outorgada por carta régia de 8 de Agosto de 1597.
Anos depois, por Alvará de 18 de Fevereiro de 1650, o senhorio de Vagos
foi doado ao conde regedor João da Silva Telo de Menezes, irmão de
Lourenço da Silva, passando-se a respectiva carta em 3 de Março do mesmo
ano.
Por morte de João da Silva Telo de Menezes, devia suceder-lhe seu filho
o regedor da justiça e Vice-Rei do Estado da Índia, Luís da Silva Telo
de Menezes, 2.º Conde de Aveiras, que se esqueceu de pedir a confirmação
da doação da vila de Vagos no prazo de um ano, assim perdendo o direito
à sucessão. Foi-lhe todavia suprida a falta e feita a confirmação por
carta régia de 14 de Setembro de 1659.
Falecido o 2.º conde de Aveiras,
Luís da Silva Telo de Menezes,
sucedeu-lhe o filho legítimo varão mais velho, João da Silva Telo de
Menezes, Regedor da Casa da Suplicação, 3.º conde de Aveiras, que obteve
a confirmação da doação de Vagos por Alvará de 2 de Setembro de 1729,
passando-se a respectiva carta em 16 de Novembro do mesmo ano, não
obstante ter-se esquecido, como seu pai, de requerer a confirmação no prazo legal.
Por morte de João da Silva Telo de Menezes, passou a doação para sua
filha D. Inês Joaquina da Silva Telo de Menezes Côrte-Real, 5.ª condessa
de Aveiras, que foi casada com D. Duarte da Câmara, ficando desse
casamento Francisco da Silva Telo de Menezes Côrte-Real.
A requerer a confirmação da doação com dispensa da lei mental, aparece o
marido, que consegue deferimento em carta de 14 de Dezembro de 1741.
Por morte de sua mãe, que enviuvara, veio Francisco da
/ 84 /
Silva Telo de Menezes Côrte-Real, 6.º conde de Aveiras, pedir
a confirmação por sucessão, a qual lhe foi concedida por Alvará de 3 de
Julho de 1743, passando-se a respectiva carta de confirmação em 22 de
Setembro do mesmo ano.
Tudo o que vem de dizer-se se
contém no documento a
seguir transcrito, e que se encontra registado nos livros do Arquivo
Municipal de Coimbra, incorporado na Biblioteca Municipal da mesma cidade(5).
________________________
Registo do Padraõ, ou confirmação, que Sua
Mag.de que Deus guarde
Concede o ao Il!.mo e Ex.mo Conde de Aveiras do Senhorio da V.ª de Vágos de juro, e herdade, como
melhor consta do Seu theor, que hé o seguinte =
DOCUMENTO
REFERENTE AO SENHORIO DE VAGOS
[FORMATO PDF 3 MB]
________________________
Para melhor compreensão do senhorio de Vagos junta-se
ao documento do Arquivo Municipal de Coimbra, acima transcrito, o que no Livro Segundo dos Brasões da Sala de Sintra ANSELMO BRANCAMP FREIRE escreveu a propósito e que no referido documento se não podia encontrar por lhe ser posterior
no tempo.
A obra de BRANCAMP FREIRE não é vulgar, muitos dos leitores
do Arquivo a não conhecerão e há sempre vantagem em deixar
reunidos os elementos que ao mesmo assunto se referem.
/ 94 /
«XV − FRANCISCO DA SILVA TELO DE MENESES, filho único da 5.ª Condessa
de Aveiras, nasceu em 1723, foi 6.º conde de Aveiras, em sua vida, por
carta de 22 de Setembro de 1742 (Registo das Mercês de D. João V, liv.
20.º, fl 535, v.), e 15.º senhor de Vagos, em sucessão a sua mãe, por
carta de confirmação de 22 de Setembro do ano seguinte (Registo das
Mercês de D. João V, liv. 34.º, fl. 95, v.). Já era tenente general
quando, por decreto de 20 de Novembro de 1783, entrou para conselheiro
do Conselho de Guerra (Gazeta de Lisboa de 8 de Dezembro); serviu de
mordomo mór da princesa D. Maria Benedita, por despacho de 5 de Abril de
1790 (Gazeta de Lisboa de 7 e 13 de Abril), e no ano seguinte foi
promovido ao posto de tenente general efectivo por decreto de 13 de Maio
(Gazeta de Lisboa de 10
de Junho de 1791). O Príncipe Regente concedeu-lhe, por despacho de 14
de Novembro de 1802 (Gazeta de Lisboa de 30 de Novembro), o título de
marquês de Vagos, em duas vidas, sendo-lhe passada carta a 2 de Dezembro
(Atendendo aos serviços do conde de Aveiras, Francisco da Silva Telo de
Meneses, nos postos militares até ao de general de artilharia e
conselheiro de Guerra, como no paço, no emprego de mordomo mór da
princesa D. Maria Francisca Benedita, e também atendendo ao zelo, fidelidade e préstimo com que tem servido seu filho o conde de Aveiras, Nuno
da Silva Telo, no exercício de meu gentil-homem da câmara, etc. Carta de
marquês de Vagos, em, duas vidas. − Chancelaria de D. João VI, liv. 1.º,
fl. 217). Teve as grã-cruzes de Avis, em Maio de 1793 (Gazeta de Lisboa
de 7 de Maio) e de Cristo, no mesmo mês de 1804 (Gazeta de Lisboa de 2
de Junho). Faleceu, sendo governador das armas da corte e província da
Estremadura, a 5 de Janeiro de 1808 (Gazeta de Lisboa de 12 de Janeiro),
com oitenta e cinco anos de idade.
Havia casado a 22 de Outubro de 1743 com D. Bárbara da Gama, filha dos
4.os Marqueses de Nisa (Gazeta de Lisboa de 29 de Outubro) falecida com
vinte e dois anos de idade, na noite de 26 para 27 de Fevereiro de
1753 (Gazeta de Lisboa de 8 de Março), deixando entre outros, a Nuno da
Silva Telo e a D. Maria da Silva, condessa de Povolide, mulher do 3.º
conde (Despacho de 17 de Dezembro de 1792. − Gazeta de 21) José da Cunha
Grã Ataíde e Melo, falecido repentinamente na noite de 16 para 17 de
Janeiro de 1792 (Gazeta de Lisboa de 21) e ela a 3 de Março de 1806.
XVI. − NUNO DA SILVA TELO foi 7.º conde de Aveiras de juro e
herdade, por carta de 15 de Janeiro de 1772 (Registo das Mercês de D.
José, liv. 25.º, fl. 110), 2.º marquês de Vagos, por despacho de 15 de Agosto (Gazeta de Lisboa, de 5
de Outubro) e carta de 26 de Novembro de
1805 (Chancelaria de D. João VI, liv. 2.º, fl. 368). Ambos estes títulos
teve em vida de seu pai, a quem sucedeu no senhorio de Vagos, sem
contudo lhe haver sido passada carta de confirmação. Foi gentil-homem da
câmara de
D. Maria I, seu estribeiro mór no Brasil, mordomo mór da princesa viúva
D. Maria Benedita, grã-cruz das ordens de Cristo e Torre Espada,
conselheiro do Supremo Conselho Militar e de Justiça, governador das
armas da corte e do Rio de Janeiro, marechal do exército, etc.; morreu
no Rio de Janeiro a 12 de Novembro de 1813 (JOÃO CARLOS FEO, Resenha
das famílias titulares, pág. 249).
Casara em 1772 com D. Leonor da Câmara, filha dos 5.os Condes da Ribeira
Grande (na carta de 15 de Janeiro de 1772 do título de conde de Aveiras
a Nuno da Silva Telo declara-se estar ele então justo a casar), a qual
já era falecida em 1798, deixando três filhas, que eu saiba: D. Joana da
Silva Telo, adiante; D. Bárbara da Silva Telo, condessa dos Arcos,
mulher do 9.º conde D. Manuel de Noronha e Brito; e D. Leonor Maria da
Silva Telo, marquesa de Tancos, mulher do 4.º marquês D. Duarte Manuel
de Noronha.
XVII − D. JOANA DA SILVA TELO foi 3.ª marquesa de Vagos, por despacho de
17 de Dezembro de 1813 (Gazeta de Lisboa de 12 de Março
de 1814) e carta dada no Rio de Janeiro a 13 de Abril de 1818 (consta da
/ 95 /
carta do assentamento, dada a 15 de Dezembro de 1818 e registada a fl.
48, V.,
do liv. 27.º da Chancelaria de D. João VI), e 17.ª senhora da mesma vila
que foi confirmada por carta de 6 de Dezembro de 1825, em sucessão a seu
pai, declarando-se haver sido seu avô o último donatário encartado (Chancelaria de D. João VI, Liv. 27,
fl. 279). Morreu a 24 de Abril de 1828
(consta de
uma apostila passada à Marquesa sua filha e registada a fl. 100, v., do
liv. 12.º
da Chancelaria de D. Pedro IV, aliás D. Miguel), tendo casado a
10
de Setembro de 1815, conforme dizem as Resenhas, com D. José de Noronha,
irmão de seu cunhado o 9.º Conde dos Arcos. Foi D. José o
3.º marquês de Vagos, par do reino em 1826, e faleceu a 24 de Janeiro
de 1834.
XVIII − D. MARIA JOSÉ DA SILVA TELO DE MENESES CÔRTE REAL, filha dos precedentes, sucedeu a sua mãe no titulo de marquesa de
Vagos e no senhorio da mesma vila, o qual era de juro e herdade. Por
provisão de 24 de Setembro de 1829 foi o Marquês seu pai autorizado a
administrar o dito senhorio durante a sua menoridade, constando pelo
mesmo documento ser ela já então a 4.ª marquesa de Vagos (Chancelaria
de D. Pedro IV, aliás D. Miguel, liv. 13.º, fl. 175). Não lhe foi porém
reconhecido o título pelo Governo Constitucional, o qual contudo posteriormente lho concedeu, de juro e herdade, por carta de 16 de Dezembro
de 1836 (Chancelaria de D. Maria lI, liv. 7.º, fl. 61). Morreu a 14 de
Março
de 1854, tendo casado a 26 de Novembro de 1836 com D. Francisco António
de
Noronha, que foi 4.º marquês de Vagos e morreu a 29 de Outubro de 1883
(estas datas são das Resenhas).
Nesta senhora terminou a posse do Senhorio de Vagos, o qual esteve
na mesma família durante quatro séculos e meio, com uma pequena interrupção entre o 9.º e o
10.º senhor.
Muitos destes Silvas foram regedores das justiças da Casa da Suplicação
e, se algum interesse pode ter para a História a lista dos senhores de
Vagos, muitíssimo maior o tem, sem dúvida nenhuma, o catálogo
cronológico dos
Regedores, por isso lá adiante, em apêndice a este artigo, deixarei para
ele uns
apontamentos (Encontra-se a referida lista de Pág. 149 a 167 do mesmo vol. lI).
Era o marquês de Vagos D. Francisco irmão de D. José António de
Noronha Abranches de Castelo Branco, 9.º conde de Valadares, falecido sem
sucessão em 1873, ambos filhos de D. Pedro António de Noronha, 8.º conde
de Valadares, e da condessa D. Maria Helena da Cunha, irmã de António
da Cunha Grã Ataíde e Melo, conde de Sintra e senhor da casa de Povolide,
a qual, depois de ter estado algum tempo na posse de um seu irmão,
passou
a seu sobrinho o 9.º Conde de Valadares. Morreu este sem filhos e passaram ambas as casas, tanto a de Valadares, como a de Povolide, ou pelo
menos a sua representação, ao último Marquês de Vagos.
Chamou-se ele D. José Telo da Silva de Meneses Côrte Real, foi
9.º conde de Aveiras (o 7.º conde de Aveiras havia sido Nuno da Silva Telo, acima mencionado; o 8.º foi seu filho primogénito por despacho de
6 de Maio
de 1793 (Gazeta de 17); posteriormente só torno a encontrar menção deste
titulo no documento apontado no texto), de juro e herdade, por decreto
de 28 de Fevereiro de 1863, 5.º marquês de Vagos, também de juro e
herdade, por outro decreto de 28 de Dezembro do mesmo ano. É já
falecido.
Na casa de Valadares houve o titulo de marquês de Torres Novas
concedido ao 7.º conde, D. Álvaro António de Noronha Abranches Castelo
Branco, por despacho de 13 e carta de 22 de Maio de 1807 (Gazeta de
Lisboa de 19 de Maio; Mercês do Príncipe Regente, liv. 8.º, fl. 385.
−
Na carta invoca-se o bom e continuo serviço do Conde de Valadares, do conselho e gentil-homem da câmara real, o seu sangue e os merecimentos e qualidades de
sua pessoa e daqueles de que descende). Este titulo não se repetiu.
Acrescentaram os Silvas de Vagos ao escudo das suas armas dois ramos de
silvas de verde, acompanhando em orla o leão heráldico.
/ 96 /
As armas dos Condes de Valadares eram: esquartelado o I e IV das armas
do reino com um filete de negro sobreposto em barra; o II e III de
vermelho, castelo de oiro, o campo mantelado de prata com dois leões
batalhantes de púrpura, armados de vermelho, bordadura de escaques de
oiro e veiros de dezoito peças (Noronha). Sobre o todo: cortado de um
traço, partido de dois, o que faz seis quartéis: o I, III e V de oiro,
dois lobos
passantes, sotopostos de púrpura, armados e linguados de vermelho (Vilalobos)/ o
II, IV e VI de oiro, quatro palas de vermelho (Lima); sobre
o todo,
de oiro liso (Meneses). Timbre: leão nascente de púrpura, armado e linguado de vermelho. São as armas dos Marqueses de Vila Real de quem os
Valadares eram os representantes por linha não legitima; mas, apesar
disso,
por sua extinção reivindicaram a casa da Coroa, que, para com eles se
compor, lhes deu o titulo de conde e umas rendas em Leiria.»
Daqui se vê, portanto, que o 6.º Conde de Aveiras foi
feito marquês de Vagos em duas vidas por despacho de 14
de Novembro de 1802, casou com D. Leonor da Câmara, desse
casamento nascendo Nuno da Silva Telo, 7.º Conde de Aveiras
e 2.º marquês de Vagos, que veio a falecer no Rio de Janeiro
em 12 de Novembro de 1813.
Do casamento de Nuno da Silva com D. Leonor da Câmara
nasceu D. Joana da Silva Telo, 3.ª marquesa de Vagos que
casou com D. José de Noronha, sucedendo-lhes sua filha D. Maria
José da Silva Telo de Menezes Côrte Real, 4.ª marquesa de
Vagos, que casou com D. Francisco António de Noronha e veio
a falecer em 29 de Outubro de 1883, com ela terminando o
senhorio de Vagos.
Coimbra, Junho de 1939.
J. PINTO LOUREIRO |