A
SEGUIR, publicamos uma carta do grande escritor OLIVEIRA MARTINS,
dirigida ao falecido antiquário de Aveiro, JOÃO AUGUSTO MARQUES
GOMES, a propósito da elaboração das Lutas Caseiras, porventura o
melhor trabalho do investigador aveirense. Devemo-la ao nosso bom amigo,
sr. tenente Fernão Marques Gomes, filho do autor das Lutas, a quem neste
lugar nos apraz agradecer a atenção.
Ex.º Sñr
Respondo com o maior prazer
á sua carta do dia 11 acompanhando o summario da obra de que V. Ex.ª me
annuncia a publicação.
As Luctas Caseiras,
abrangendo o período que vae de 1826 até 1846, esmerilhando os diversos
episodios d'esses quatro lustros tão eminentemente graves para todo
aquelle que deseje possuir uma idéa exacta ácerca dos acontecimentos do
regime em que vivemos hoje, compendiam os acontecimentos por uma forma
lucida e, ao que se vê do Summario, com uma tal minudencia que farão da
sua obra o repositorio indispensavel a todos os homens d'estudo.
Param no principio da guerra
civil de 1846-47 e a meu ver param bem, porque essa guerra, apesar dos
seus incidentes pittorescos, é, ja pelo deploravel imbroglio em que se
agita, ja pelo modo tristemente desolador por que acaba, um episodio que
pertence mais aos nossos tempos do que ás epochas em que se debateu a
implantação do liberalismo portuguez.
A revolução que poz termo ao
proconsulado restaurador do Sr. Conde de Thomar falhou completamente,
mistér é dizel-o; e falhando, a força das cousas ajudada pela fraqueza
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dos homens havia de trazer-nos inevitavelmente a um estado a que só por
ironia amarga se pode chamar ainda Regeneração, pois de facto foi, tem
sido e é o relaxamento de toda a virtude, de toda a nobreza, de todo o
caracter − uma degeneração universal.
Hoje porem que, não sei se
os meus olhos se a allucinação do meu bom desejo apenas, descortinam um
vago anceio de sair d'este atoleiro em que chafurdamos: é hoje mais do
que nunca a hora propicia da publicação de obras como a de V. Ex.ª,
destinadas a generalisar o conhecimento da nossa historia contemporanea.
É nas angustias supremas,
quando se corre um perigo de vida, que o homem cáe em si e faz um exame
geral aos actos da sua vida: tal é a meu ver a situação actual da
sociedade portugueza, e tal é tambem o merecimento que eu encontro em
obras como as Luctas Caseiras.
Pensando assim, não posso
deixar de applaudir a publicação do seu livro como obra interessante,
opportuna e util a todos os respeitos; e pedindo-lhe que faça d'esta
carta o uso que lhe aprouver, espero que me creia
De V. Ex.ª
Mt.º V.or
e Obr.º
J. P. Oliveira Martins
C. de VEx.ª
Porto 15 de fevereiro
Não se sabe em que ano foi escrita esta carta. OLlVElRA MARTINS
data-a, porém, do Porto, onde, como é sabido, viveu desde 1874 a 1888.
As Lutas Caseiras foram
publicadas em 1894. Abre o único volume publicado, por uma introdução,
em que se faz uma rápida resenha dos acontecimentos políticos que vão
desde a implantação do liberalismo (1820) até 1834. O assunto principal
da obra é a História de Portugal compreendida entre esta última data e
1837 (Quatro capítulos: 1−1834-1835; lI−A revolução de Setembro;
llI−A Belemzada; IV−Conspiração das Marnotas). Na
Advertência Preliminar, diz o autor que «fica para ser tratado em
subsequentes volumes a epocha que decorre de 1837 a 1851, em que o
movimento chamado da Regeneração fechou o cyclo das revoltas partidárias
em Portugal»; mas nenhum outro volume foi publicado.
Vê-se, portanto, que o
primitivo Plano do trabalho, − que abrangeria, segundo o que se lê na
carta de OLIVEIRA MARTINS, de 1826 a 1846 −, foi posteriormente
modificado e alargado.
J. T.
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