SABEMOS
pelos antigos geógrafos que existiu perto do rio Vouga uma cidade com o
nome de Talábriga. O texto mais explícito é o de PLÍNlO:
«A Durio Lusitania incipit :
Turduli veteres, Paesuri : flumen Vacca . Oppidum Talabrica . Oppidum,
et flumen
Aeminium» (CAII PLlNII secundi Historiae Naturalis libri XXXVII, liv.
4.º, XXV, ed. de João Harduíno, Paris, 1723).
O ltinerarium chamado de ANTONINO menciona
Talábriga
na via militar de Lisboa a Braga, à distância de 40 milhas de Emínio e
18 de Langóbriga.
Com estes elementos tiveram de se contentar quantos até hoje tentaram
resolver o problema da localização dessa velha cidade. Salientemos para
a devida homenagem o falecido investigador Dr. FÉLIX ALVES PEREIRA e o
seu consciencioso trabalho Situação conjectural de Talábriga (Lisboa,
Imprensa Nacional, 1907).
E que saberemos nós da história dessa cidade? Talvez
nada. Vejamos, no entanto, o famoso capítulo de APlANO ALEXANDRINO que todos têm referido à
Talabriga do Vouga. Para melhor
entendimento, convém começar no capítulo anterior:
«LXXII. Deinde trajecto Durio flumine, multa loca bello
longe lateque pervagatus, ab omnibus, qui in deditionem
veniebant, magno numero obsidum accepto, ad Oblionis, qui dicitur,
fluvium perrexit Brutus, eumque Romanorum primus superavit. Inde ad
Nimin [Nebin? an Minium?] aliud flumen progressus, quum commeatus, qui ei
subvehebatur, esset a Bracaris direptus, adversus Bracaros duxit. Et
haec
gens bellicosissima est, et hi quoque mulieres armatas secum in pugnam
ducebant; et adeo fortiter pugnabant omnes, ut praesentem mortem potius
occumberent, quam aut terga verteret quisquam, aut vocem ullam indignam
emitteret.
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Quin etiam ex mulieribus, quae interceptae reducebantur,
aliae sibi manus afferebant, alliae suosmet ipsae liberos
jugulabant, mortemque servitio potiorem censebant. Oppida
tamen aliquot in Bruti potestatem deditione venerunt : quae
quidem nom multo post rursus desciscentia, ab eodem de
integro sunt perdomita .
LXXIII. Inter alia Talabriga oppidum fuit, quae, saepius rebellarat. Eo veniens Brutus, supplicantes oppidanos,
et sese ejus arbitrio permittentes, primum transfugas
Romanorum et captivos armaque omnia, adhaec obsides,
tradere jussit: deinde, ut cum uxoribus ac liberis urbe migrarent,
imperavit. Quod et ipsum ubi facere sustinuerunt, circumfusis copiis eos includens, orationem habuit, qua
quoties defecissent, quoties quanto conatu bellum renovassent, edisseruit . Ita metu illis injecto, atque opinione, quasi
gravius in eos animadversurus esset, tamen intra objurgationes istas
iram terminavit. Equis et commeatu et pecuniis
publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis, oppidum
illis praeter spem, habitandum reddidit. Post tantas res
gestas Brutus Romam rediit», (APPIANI ALEXANDRINI Romanarum Historiarum quae supersunt graece et latine
cum indicibus; Parisiis, Editore Ambrosio Firmin Didot,
MDCCCXL; liv. VI, De Rebus Hispaniensibus).
APlANO fala das guerrilhas que se formaram na Lusitânia
depois da morte de Viriato e conta como Roma enviou contra
elas o cônsul Décimo Júnio Bruto. Descritas as campanhas da
Lusitânia, entre o Tejo e o Douro (cap. 71), narra o que se
passou ao norte deste rio:
«72. Depois, atravessado o rio Douro, tendo
passeado as suas armas por muitos lugares distantes e recebido
grande número de reféns de todos os que se rendiam,
Bruto
encaminhou-se para o rio chamado do Esquecimento(1) e
foi o primeiro dos Romanos a transpô-lo. Avançando dali
para outro rio, o Minho(2), como os Brácaros lhe
roubassem os mantimentos que consigo transportava, marchou
contra os Brácaros. São estes um povo belicosíssimo, e até
levavam consigo a combater mulheres armadas; e todos
lutavam com tal intrepidez, que preferiam arrostar a morte
a volver costas ou soltar um grito de covardia. Mais ainda:
algumas das mulheres que eram apanhadas matavam-se por
suas mãos, outras assassinavam os próprios filhos e julgavam preferível a morte à servidão. Alguns ópidos vieram,
todavia, a submeter-se ao poder de Bruto e, embora se
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rebelassem pouco depois, foram por ele inteiramente dominados.
73. Foi o ópido de Talábriga um dos que mais vezes
se rebelaram. Vindo lá, como os habitantes lhe implorassem
clemência e oferecessem submissão, Bruto começou por
mandar que lhe entregassem, além dos reféns, os Romanos
trânsfugas, os cativos e todas as armas: depois ordenou
que saíssem da cidade com as mulheres e os filhos. Apenas eles se dispuseram a cumprir essa ordem, cercou-os
de tropas e dirigiu-lhes um discurso em que os advertiu
de que as suas rebeliões só poderiam reacender a guerra
e cada vez mais violenta. Tendo-lhes assim incutido temor
e a ideia de mais séria revindita, descarregou no entanto a
sua ira nestas objurgatórias. Tirou-lhes os cavalos, os mantimentos, os dinheiros públicos e os restantes apetrechos, mas
deixou-lhes para moradia o ópido com que já não
contavam. Depois de tantos feitos, Bruto regressou a
Roma».
«Quando li este trecho de APlANO − diz F. ALVES PEREIRA − Confesso que senti amargura por não podermos
ainda ir conversar na região do Vouga com as ruínas da
cidade onde estes sucessos cruéis se desfiaram, e segredar
às cinzas daquele abrasado patriotismo que o mesmo sentimento, que chamejou nesses lusitanos insofridos, ainda se
não arrefentara com o soprar sobre elas de vinte vezes cem
invernos, e em mais de um dia, já da nossa existência nacional, ele se tem ateado em protestos bem túmidos de
calor».
Sob o aspecto patriótico, tanto importa que tais factos ocorressem na região do Lima como na do Vouga. Parece, todavia,
um pouco estranho que o erudito investigador se lembrasse de
consultar APlANO a propósito de uma ara encontrada na região
do Lima e não visse que o texto do historiador o encaminhava
igualmente para lá.
«N um dos primeiros anos do século actual apareceu na
igreja de Estorãos, concelho de Ponte do Lima, ao fazerem-se obras no altar-mor, uma ara granítica [...] cuja inscrição diz:
Camala! Arqui f (ilia), Talabrigensis, Génio
Tiavranceaico (vel Tiaurauceaico) v (otum) s (olvit) l (ibens)
m (erito), em português: «Camala, filha de Arquio, de
Talábriga, cumpriu de boa vontade e com razão o voto que havia feito ao
Génio Tiauranceaico (vel Tiaurauceaico»(3)
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Bastava o texto de APlANO para concluirmos que a sua
Talábriga era um ópido dos Brácaros. O capítulo 73 é uma
continuação do anterior, cuja acção decorre no Alto Minho. Se
nessa região aparece a relíquia arqueológica da piedade de uma
talabrigense, mais um motivo para não procurarmos em outra
parte essa Talábriga; não era, aliás, muito natural, que nesses
tempos se expatriasse para as margens do Lima uma família pertencente a
um ópido do Vouga.
Temos, pois, em meu entender, duas Talábrigas: a de
PLÍNIO e do Itinerarium, na região do Vouga; a de APlANO e
da ara, na região do Lima.
P.e MIGUEL
A. DE OLIVEIRA
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