As
formações mesozóicas portuguesas correspondem a sedimentos depositados
em mar epicontinental nos bordos abatidos da Meseta. Pela sua proximidade
das antigas linhas de costa são todas neríticas e muitas delas costeiras. Em consequência disso e ainda porque a região, durante essa Era,
teve diferentes posições relativamente às zonas climáticas, existe
grande diversidade de facies. Os estratos de espessura considerável
contêm materiais biogénicos e detríticos
bastante variados, mas, como estes últimos se formaram em
geral à custa das mesmas rochas do continente, encontram-se tipos
semelhantes de idades muito diversas.
A intensa erosão do
relevo hercínico e as condições do meio fizeram, no
início do Mesozóico, de o que é hoje a Europa vasto deserto arenoso
semeado de lagoas costeiras. Assim se
originou possante camada avermelhada, quase exclusivamente
constituída por calhaus rolados, grés sem fósseis e poucos leitos
argilosos com raríssimas impressões vegetais, que, como é natural,
assentam discordantemente sobre o Paleozóico. Estes depósitos do
Triássico estender-se-iam mais pelo interior da Meseta, mas só se
mantiveram aqueles que foram preservados da acção dos agentes de erosão,
pelos sedimentos das transgressões liássica e cenomaniana. Os do nosso
país devem ser referidos à série superior daquele sistema, pois, pouco a
pouco, passam a outros, de materiais mais finos com fauna do período
seguinte, primeiramente salobra e em seguida francamente marinha.
O estudo do Jurássico português mostra-nos que o seu sistema se
depositou em golfo aberto para o Sul, que não ultrapassava a região onde
hoje é o distrito de Aveiro, situado entre a Meseta, a Este, e maciço
desaparecido, a Oeste, de que
as Berlengas são testemunhas. As terras do seu litoral unir-se-iam
portanto a Norte, pela região galaico-duriense, e faziam parte do grande
continente Norte-Atlântico.
/ 186 /
Os depósitos de gesso, que ocorrem em alguns pontos,
atestam, além de um clima quente e seco, lagoas em dissecação num
litoral baixo. Todavia lentamente o mar liássico estendeu-se de certo
muito para lá dos actuais limites dos afloramentos mesozóicos, pois,
para Oriente, os caracteres paleontológicos e petrográficos não indicam
a proximidade da costa. Porém no
Oolítico o golfo foi-se reduzindo; o mar abandonou uma grande
parte do terreno anteriormente conquistado.
A regressão acentuou-se durante o Eocretácico e teve o seu máximo no
Aptiano. A sul de Torres Vedras encontram-se grés com fauna em que se
misturam espécies marinhas e de estuário, e, para o Norte, mostram-se
areias e massas lenticulares argilosas com moluscos de água salobra e
plantas terrestres. O carácter nitidamente marinho apenas se nota no
Algarve oriental e na região de Sintra onde há calcários que se sucedem,
sem descontinuidade de sedimentação, aos do anterior sistema. Mas no
final desta
época iniciou-se, embora vagarosamente e com oscilações, nova
invasão do mar que, no Cenomaniano, teve grande amplitude.
Não demorou no nosso solo aquela transgressão mesocretácica, pois, no Norte, o Turoniano médio apresenta-se detrítico e
nota-se na sua fauna tendência para salobra. Posteriormente o
mar abandonou quase por completo as orlas e ocupou apenas
pequeno golfo na Beira Litoral, que aumentou no início do
Neocretácico(1), e onde deixou sedimentos que são objecto
deste nosso trabalho.
*
* *
A primeira publicação geológica em que se estudam com
alguma minúcia os terrenos hoje considerados senonianos data de 1894.
Foi a notícia estratigráfica com que PAULO CHOFFAT fez
acompanhar a admirável memória sobre a flora mesozóica de
Portugal do Marquês de SAPORTA(2). Os fósseis tinham sido descobertos
/ 187 / um ano antes, quando se preparava a nova carta geológica do
país.
Até àquela época estas formações eram tidas como cenozóicas, o que se
verifica na carta de 1:400.000, publicada pela Comisión deI mapa
geológico de España, e para a qual os dados relativos a Portugal foram
fornecidos, em 1891, por Nery Delgado e Paulo Choffat.
Naquele estudo estratigráfico são indicados seis afloramentos
disseminados entre a Serra de Buarcos e a linha Tocha-Arazede, dois em
Mira, e o conjunto de depósitos que se estende de
Nossa Senhora de Febres a Mamarrosa e ao Vouga. Embora o autor os
descrevesse no capítulo relativo aos jazigos de idade duvidosa, pensava
que seriam inferiores ao Cenomaniano não só por as suas flórulas terem
na generalidade aspecto antigo, mas ainda por ter interpretado mal a sua
posição relativamente
a outros depósitos cretácicos.
Foi na viagem que
fez a França, em 1895, para reaver dos herdeiros de
Saporta as valiosas colecções por este estudadas, que a sua opinião se
modificou. Ao visitar o museu de Marselha verificou que, no seu
conjunto, a fauna devia ser mais moderna, do Garumniano, e isso
comunicou a Venceslau de Lima(3). Para
este a flora era do topo do
Cretácico, talvez do Daniano, mesmo cenozóica(4).
O reconhecimento de amonites,
Hemitissotia no Ceadouro e Hoplites em
Mira, junto do carácter relativamente recente dos vertebrados entregues
à reconhecida competência do Dr. Sauvage, vieram em absoluto confirmar a
idade senoniana do conjunto e em particular colocar no Campaniano o depósito marinho de Mira
(fig. 1).
Em Julho de 1899 iniciou Choffat a publicação do seu monumental trabalho
sobre o Cretácico situado ao norte do Tejo(2). Em
Abril
de 1900 é impressa a segunda parte, relativa ao Senoniano (s.
l.).
Entretanto apresentava à Academia de Ciências de Paris um resumo(5). A
grande memória só se acabou de imprimir em Junho do mesmo ano. Nela vem
a descrição dos cortes feitos, as listas dos fósseis, algumas
reproduções panorâmicas e uma carta com «os afloramentos senonianos da
Gândara». É de notar que, no primeiro grande quadro final, não sabemos
por que razão, foram colocadas, no Turoniano superior, as formações do
Ceadouro, com Hemitissotia.
/ 188 /
|
Fig. 1 − FÓSSEIS
CAMPANIANOS DE MIRA: I − Gryphaea vesicularis, Lam. II −
Meandropsina Larrazeti; Mun.-Chal. III − Neithea regularis,
Schloth; IV − Trigonia limbata, d'Urb. V − Cyclolites
cancellata, Gold. VI − Pectunculus Geinitz, d'Urb. |
/ 189 /
Distingue o autor uma série de «afloramentos comunicantes» que tem a
base assente no Turoniano e outros, dispersos, sem relações visíveis
quer entre si, quer com aqueles depósitos. Nos primeiros são
considerados os seguinte níveis:
I GRÉS DO CEADOURO
a, b, c)
− Maciço de areias e grés de 140 metros de possança sem fósseis.
Compreende ainda as areias com Cyrena de Carrajão.
d)
− Banco fossilífero, de
1 metro, com gasterópodes, lamelibrânquios,
polipeiros e a amonite Hemitissotia Ceadourensis. Em dúvida a formação
de Berba com vegetais.
II ASSENTADAS FLÚVIO-MARINHAS
a)
− Margas pouco fossilíferas e calcários com
Cypris.
b)
− Margas vermelhas e verdes e bancos de grés calcários
ou argilosos com Pyrgulifera armata var. Gandarensis, Cyrena, corpos cilíndricos, etc. (300 metros).
c)
− Grés do Vale com
Ostrea subacutirostris. Fauna salobra
muito abundante e em geral bem conservada: Cyrena,
Hidrobia, Cerithium, etc. (2 metros e 30 cm).
d)
− Camadas com
Mytillus, Glauconia, Pyrgulifera, Anomia, Cyrena, etc. O carácter marinho é acentuado pelos
géneros Pholas, Glycimeris e Tapes.
e)
− Camadas salobras dos arredores de Aveiro. Desaparição quase completa das espécies marinhas. Margas e
grés com Cerithium, Hidrobia, vertebrados, etc. Abrange os depósitos, com vegetais, de Arada e de Pedra-da-Moura.
III AREIAS DE ESGUEIRA (fig. 2)
Areias de Esgueira, que compreendem os leitos subjacentes com vegetais.
Formação de Alumieira com Cyrena e Cyclas, e as areias de cobertura para
norte da linha Vagos-Quintãs, até ao Vouga.
Os afloramentos isolados são:
A)
− Molasso com
Hoplites vari var. Marroti e fauna francamente marinha, em Mira.
|
Fig. 2 − «Areias de
Esgueira» cobrindo os estratos neocretácicos. AVEIRO-AGRAS. |
B)
− Pequenos afloramentos, rodeados de areias cena-antropozóicas, de areias, grés e argilas com
Cyrena, escamas
/ 191 /
de peixe e vegetais terrestres, Em Vizo abundância de
vertebrados, Crocodilus Blaverieri, Clastes, etc.
C)
− Grés com vegetais, assentes sobre o Paleozóico.
Após muitas dúvidas, CHOFFAT propõe, em quadro final, o
seguinte paralelismo: Nos chamados «afloramentos comunicantes» considera-os pela ordem de numeração, do mais antigo
lIª − ao mais moderno
− III; supõe todavia que
−
lIc
− e
− lId
são, pelo menos em parte, contemporâneos. Como veremos esta
seriação é hoje insustentável.
Parecia-lhe que o molasso de Mira com
Hoplites e os restantes afloramentos isolados, poderiam ser paralelizados com I
«Grés do Ceadouro», ou então com a parte superior das «Assentadas flúvio-marinhas». Contudo, julgava mais provável a primeira
hipótese, o que, como justificaremos, é inadmissível actualmente.
Um resumo deste trabalho foi apresentado ao oitavo Congresso Geológico(6). De modo geral mantinha a mesma opinião,
mas considerava ainda mais antiga a formação marinha de
Mira: «Il semble probable qu'elle a sa place dans le massif
arénacé qui supporte les grès à Hemitissotia». Quanto ao paralelismo com as formações estrangeiras, apenas continuava a
colocar no Campaniano aquele depósito.
O estudo da fauna do complexo flúvio-marinho,
com a
descrição de onze espécies novas, aparece no mesmo ano(7). Foi
o último trabalho daquele notabilíssimo geólogo sobre o Neocretácico da «orla». Depois disso apenas fez imprimir, quando
pretendia publicar o resumo da geologia do nosso país, em
1914, uma carta, só muito mais tarde distribuída(8), na qual vêm
indicadas as manchas senonianas da região mais meridional da Gândara.
*
* *
Algumas publicações de carácter geográfico ou geológico
mais geral, também se referem ao Neocretácico português.
LAPPARENT pensava(9) que o Emscheriano está representado entre nós,
próximo da costa, por formação flúvio-lacustre que contém na base
intercalação marinha com Hemitissotia, o que é evidente quanto a esta
última. Todavia a carta-esboço da Europa
/ 192 /
desta idade, está errada a respeito de Portugal, pois mostra
um golfo estendendo-se da foz do Sado à margem sul do Mondego. No texto nenhuma indicação dá sobre a existência do
Aturiano, porém, na carta respectiva, apresenta, não sabemos
por que razão, completa emersão do nosso solo, excepto, em
dúvida, estreita faixa de Lisboa para o sul.
Referindo-se ao Daniano diz que os vertebrados garumnianos da Provença, os géneros
Cyerena e Pyrgulifera; e uma flora
de passagem do Cretácico para o Cenozóico, se encontram em possante
maciço arenoso que se observa ao «norte do Cabo Mondego, bem como em Mira». Acentua que ocorrem ali corpos cilíndricos problemáticos, idênticos aos de Rognac, que também se
notam nas lentículas margosas, subordinadas aos tufos basáIticos nos
arredores de Lisboa. Tudo isto revela certa confusão, visto aqueles
fósseis e corpos aparecerem nas camadas flúvio-marinhas que já tinha considerado como emscherianas.
Mais cuidadoso é o
Prof. HAUG
(10) que, apesar de dispor
dos mesmos elementos e, geralmente, fazer crítica pessoal e
procurar o paralelismo com formações similares de outras regiões, se limita a apresentar rápido resumo dos afloramentos e
a lembrar que Hoplites Vari var. Marroti é espécie que, em
Espanha, na província de Burgos, aparece no Campaniano. Na
carta das zonas isópicas do Maestrichtiano indica, na região terminal das bacias do Tejo e do Sado, depósitos detríticos ou
lagunares. No texto apenas diz que o mar, nesta idade, tinha abandonado o nosso solo. Quererá considerar como maestrichtianas as formações basálticas?
Por sua vez o Prof. FLEURY publicou um interessante
trabalho de vulgarização no «jornal de Ciências Naturais»,
que mais
tarde foi ampliado com algumas notas bibliográficas e quadros
comparativos(11), visto a nomenclatura estratigráfica da carta
geológica de Portugal, publicada, como se sabe, em 1899, não
corresponder à usada actualmente. Assim, considera:
/ 193 /
Admite ainda que os «grés do Buçaco, etc.» são depósitos continentais em
parte eocénicos; e que os «marino e flúvio-marino de Mira» são os
últimos depósitos marinhos do Mesozóico.
A nossa carta geológica apenas coloca no Campaniano
−C4− a formação
marinha de Mira e considera as outras, flúvio-marinhas e continentais,
como mais modernas, garumnianas
−C5.
Quererá aquele ilustre Prof.
incluir no «etc.» que se segue aos «grés do Buçaco», todos os outros depósitos que na carta têm a
indicação de
C5, fazendo somente exclusão das formações flúvio-marinhas
perto de Mira? Ou antes pensaria considerar mais modernos apenas os
depósitos continentais assentes sobre o Paleozóico e campanianos todos
os outros, mesmo os da grande
mancha de Aveiro que na carta vêm como garumnianos? Eis o que não
podemos saber, visto não se referir no texto a este assunto. Esta
omissão não é para admirar, pois trata-se de pequeno resumo para
vulgarização, mas, apesar disso, precioso auxiliar na leitura daquela
nossa carta geológica que, infelizmente, ainda não pôde ser substituída.
Como veremos, o
C4 é incontestavelmente campaniano, mas as manchas
C5 não
são todas contemporâneas; ali se encontram englobados, sem dúvida,
terrenos emscherianos e aturianos, e possivelmente danianos, ou mesmo
mais modernos.
É de registar a opinião do Dr. ALBERTO SOUTO que, em consciencioso,
inteligente e metódico trabalho, procura tornar conhecida
a sua bela e
bem característica região. No seu cuidado estudo sobre as origens da Ria(12),
diz: «O Senoniano salobro é característico em Aveiro, entre uma
linha Ílhavo-Quintãs-Oliveirinha e a Ria. Litologicamente compreende
grés calcaríferos; duros, de aspecto dolomítico, sob o nível das águas
da Ria, andoas, argilas e margas de grande importância industrial,
calcários brancos de fraca possança, sem valor económico, e areias com
bichoiro (calhaus amigdalóides) e calhaus rolados, empregadas na
fabricação de adobos e nas argamassas. Sobre a idade das areias, porém,
mantenho reservas... Preferiria não as considerar senonianas e formar
com elas, provisoriamente, um andar de designação local
− Aradiano
− de
Aradas, onde os depósitos arenosos têm um notável
desenvolvimento...»(13).
Parece ao Dr. SOUTO que os depósitos neocretácicos emersos durante
grande parte do Cenozóico, foram mais tarde cobertos: «restos da fusão
do gelo no alto, águas impetuosas de caudalosos rios desaparecidos,
semearam esses bancos de calhaus rolados, de areias, de argilas e de
terras que invadiram o cretácico... O
manto resultante desta deposição terciária ou quaternária
− a
/ 194 /
idade das areias de Esgueira, Aveiro, Aradas e Ílhavo não está
bem esclarecida − foi depois atacado pela erosão e em muitos
pontos desapareceu por completo».
O problema é, na verdade, de difícil resolução como veremos
e ainda complicado, pelo facto de CHOFFAT, com a sua incontestável autoridade, ter dado unidade a depósitos que, decerto, são
de diferentes idades. Note-se, por exemplo, que a flórula propriamente
de Esgueira, é, de todas as consideradas senonianas,
a que tem cunho mais antigo.
Mais recentemente,
notável professor alemão que se tem
dedicado a estudos portugueses diz(14) que verificara, mesmo
antes de ter conhecimento dos trabalhos de CHOFFAT, a quase
impossibilidade de separar as várias areias,
− cretácicas, pliocénicas e quaternárias
− da região que tratamos. Também julga
que há apenas a ter em conta a percentagem em caulino para
as poder distinguir, o que nos parece insuficiente.
É curioso que o
Prof. GIGNOUX(15) organizou, após rápido
estudo do Cretácico da Península Ibérica, quadro esquemático
das facies, onde, quanto a Portugal e sem que tenha apresentado qualquer razão, considera do Daniano as areias continentais
que se sobrepõem ao «Senoniano constituído por margas e grés
marinhos ou salobros». Nesse quadro apenas são indicadas, para
o nosso país, duas zonas: N. E.− Cercal e S. W.
− Sintra, o que
induz em erro.
*
* *
CHOFFÀT não chegou a fazer investigações na área de Aveiro,
apesar de já há muito se explorarem argilas em Agras, para a
fábrica de cerâmica de Jerónimo Pereira Campos e filhos(16).
De certo achou suficiente o ter observado o afloramento de Vilar
e o facto do Eng. VASCONCELOS PEREIRA CABRAL ter notado na cidade grés fino com fósseis, que
aquele ilustre geólogo classificou depois como Hydrobia Vasconcellosi e
Cyrena Marioni.
Toda a região a norte da linha Henricas
− Moitinha
− Chousa-do-Fidalgo
− Carrajão, foi deficientemente estudada. Só assim
se explica a criação das assentadas IIe «Camadas salobras de
Aveiro», que, como veremos, não tem razão de ser, e lII «Areias
de Esgueira» que engloba, de certo, depósitos de idades diferentes como já tivemos ocasião de indicar.
/ 195 /
O aparecimento de Bulimus Gaudry(17), que só tinha sido
encontrado em Santo André; a informação verbal do incansável
investigador Dr. Alberto Souto de ter colhido Cyrena Marioni, Cerithium
Vidali e Hydrobia Vasconcellosi, junto ao Esteiro da
Fonte Nova, e também aquelas duas primeiras espécies durante os
trabalhos para a construção do Parque; e ainda a colheita de pequenos fragmentos de quelónios, de impossível determinação, pelo
malogrado assistente Eng. Rui de Serpa Pinto, despertou-nos o desejo de
estudar aquelas formações da mesopotâmia aveirense. Parece-nos que esse
estudo veio lançar alguma luz sobre os vários problemas do nosso
Neocretácico.
Antes de fazermos as considerações que nos levarão a novas concepções
estratigráficas, passaremos a registar as observações feitas na cidade,
a começar do lado do Norte(18).
Nos terrenos anexos à «Fábrica de Mosaicos», entre o Canal de S. Roque e
o ramal da C. P. para o mesmo canal, encontra-se a seguinte série de
cima para baixo:
a)
− |
Cobertura terrosa passando a depósito argilo-arenoso bastante
limonitasado (denominado «zorra») |
0,5 m |
b)
− |
Areia fina micácea com camadas mais
ou menos regulares de pequenos calhaus rolados−o "bichoiro»−passando a
areia com quartzo e filitos rolados, gradualmente em mais nítida
estratificação |
3,5 m |
c)
− |
Areia fina amarelo-esverdeada com intercalações contendo fósseis
vegetais muito fragmentados. Nalguns pontos a camada vai-se tornando
gradualmente mais argilosa e passa a, argila negra com fragmentos de
plantas lignificadas; em outros, passa a grés fino friável argiloso
tendo disseminadas pequenas placas
descontínuas de argila azulada com raros fragmentos vegetais também lignificados
e corpos cilíndricos argilosos lisos |
2,5
m |
d)
− |
Grés fino claro muito argiloso
− «andoa»
− por vezes quase argila compacta com manchas dendríticas vermelhas. O
grés
que se continua em profundidade contém numerosos fósseis (fig. 3): Cyrena
Marioni var.,C. aff Galloprovincialis, C.
aff. Cyprina ablonga e restos indetermináveis de tartaruga. |
|
|
|
Fig. 3 − Grés com
CYRENA. AVEIRO − Entre o canal de S. Roque e o Ramal da C. P.
|
Os estratos no corte da trincheira do caminho de ferro parece mergulharem de 5º para O. S. O.. Todavia esta inclinação
é aparente, pois a verdadeira é, simultaneamente, para O. e N. O.
Uns 150 m. para o Sul e junto à linha férrea, é explorado um
barreiro pela «Cerâmica Aveirense» da viúva de João Pereira Campos.
Nota-se ali a seguinte disposição de cima para baixo:
a)
− |
Camada terrosa |
0,5 m |
b)
− |
Depósito argilo-arenoso limonitizado,
«zorra» |
1 m |
c)
− |
Passagem gradual a areia estratificada mas irregularmente de ponto para
ponto
−
num conjunto de |
1,20 m |
d)
− |
Areia argilosa amarela em camada que
termina em cunha. Espessura máxima observável |
0,5 m |
e)
− |
Calcário cinzento-azulado muito compacto, por vezes de aspecto espático |
0,15 a 0,20 m |
f)
− |
Argila azulada com raros fragmentos de
conchas de lamelibrânquio indeterminável |
1,50 m |
g)
− |
Grés fino margoso com pequenos nódulos; corpos cilíndricos lisos alongados
e raros vegetais muito fragmentados. |
0,80 m |
h)
− |
rgilas
−
em exploração
−
alternadamente
azuis e vermelhas, tendo à vista |
4 m |
Num estrato de argila azul desta última série colhemos
fragmentos de conchas de lamelibrânquios indetermináveis e de
dentalídio que parece pertencer ao género Fustiaria.
Informou-nos o gerente da fábrica que abaixo do nível da
água aparece um depósito arenoso. É possível que se trate de
formação correspondente ao grés com Cyrene da Fábrica de
Mosaico.
Neste barreiro é que foram colhidos os três exemplares
de Bulimus, atrás citados.
/ 198 /
|
Fig. 4 − Estratos
aturianos.
AVEIRO - Barreiro da Fábrica de Jerónimo Pereira Campos. |
/ 199 /
Os outros locais observados ficam bastante afastados, para
S. E.. São óptimos cortes, em Agras, nas arribas do vale em que se
continua o Esteiro da Fonte Nova. Correspondem a um único maciço que a
erosão dividiu. Têm todos portanto composição semelhante. O do Sul, explorado pela «Fábrica de
Cerâmica de Jerónimo Pereira Campos», apresenta a seguinte constituição
de cima para baixo (fig. 4):
a)
− |
Camada terrosa que passa irregularmente a argila arenosa amarela e a
areia, com
espessura variável devido ao recorte do terreno. |
|
b)
− |
Argila em leitos
irregulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . .
(Em material solto, que parece
pertencer
a esta camada, notámos fragmentos de
escamas ganóides). |
1,5 ms |
c)
− |
Grés margoso
claro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . |
0,80 m |
d)
− |
Camadas argilosas
alternadamente azuladas e avermelhadas, de vários tons, que passam, ao nível da água, à
grés fino, em que colhemos escamas de Clastes Lusitanicus . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . |
10 m |
Estes estratos prolongam-se para E. Estão porém cortados
pelo entalhe onde corre a linha férrea. Ali, nos barreiros explorados pela «Empresa Cerâmica do Vouga», a composição é a
seguinte:
a)
− |
Camada terrosa .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. |
0,50 m
|
b)
− |
Argila terrosa amarela que
no local
observado é menos espessa por se encontrar na encosta. No ponto mais
alto
da barreira ultrapassa |
3 m |
c)
− |
Areia com calhaus
rolados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
1,5 m a 2 m
|
d)
− |
Argilas amarelas
e azuladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
1,5 m |
e)
− |
Grés margoso com Bulimus Gaudry
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . |
0,80 m |
f)
− |
Argilas alternadamente azuis e vermelhas, tendo na base outras manchadas,
com numerosos restos de quelónios da família Bothremydidae (fig.
5), coprólitos e corpos cilíndricos . . . . . . . . |
6,5 m |
g)
− |
Grés fino argiloso com:
Cyrena Marioni, C. aff. Galloprovincialis, C. aff.
Cyprina oblonga (os moldes apresentam
por vezes a superfície limonitizada), fragmentosde teleósteo indeterminável e escamas
e vértebras de Gastes Lusitanicus (fig. 5). Estes grés, numa espessura
média de 0,80 m, passam, abaixo do nível da água, a argila que se
continua em profundidade. O conjunto é observável numa altura de |
5 m |
/ 200 /
|
Fig. 5 − FÓSSEIS ATURIANOS
DE AVEIRO
I − Fragmentos de quelónio da
fam. Bothremydidae
II − Vértebras e escamasde Clastes Lusitanicus, Seg.
III − Cyrena cf. Gallo-provincialis, Math.
IV − Coprólitos |
/ 201 / [Vol. III - N.º 11 - 1937]
Os estratos mostram pender de 4º a 6º para O. N. O.;
todavia parece haver simultânea inclinação para O. e para N.O.
Neste barreiro foi colhido, na camada gresosa, um notável
exemplar de quelónio, da família Bothremydidae, que estudaremos em outro lugar. Exemplares desta família só em 1931 foram
reconhecidos na Europa, no Daniano do Sul da França. Apenas
tinha sido registada na América.
*
* *
Os mais antigos depósitos senonianos são fundamentalmente detríticos.
Encontram-se em contacto com o Mesocretácico em Penedos, Palhaça e
Carrajão, mas como as suas primeiras camadas e as do Turoniano superior
são areias mais ou menos consolidadas que não contêm fósseis, é difícil determinar o
limite.
Esse conjunto serve de base,
−
no Ceadouro, Mina e Picotos
−
a grés
compacto cinzento, de grão irregular unido por cimento mais ou menos calcário, bastante fossilífero. Os invertebrados, indicam-nos o
Senoniano inferior, porém os vertebrados apresentam-se com cunho mais
moderno, como aliás em todos os nossos depósitos neocretácicos.
Foi certamente
esse facto que levou Choffat a considerar as camadas de
Mira com Hoplites, incontestavelmente campanianas,
como contemporâneas ou mesmo mais antigas do que aquelas;
hipóteses inadmissíveis não só por ser muito pequena a afinidade
das faunas atendendo à sua riqueza, como ainda por considerações de
outra ordem. Devemos ter como norma, na classificação dos terrenos
mesozóicos, o considerar em primeiro lugar os fósseis de invertebrados
desde que sejam suficientemente característicos
−
como por exemplo os
amonitídeos
−, visto conhecer-se melhor a sua distribuição cronológica e
corológica.
Nas nossas formações senonianas colheram-se vários polipeiros que foram estudados por notável especialista,(19), o qual
/ 202 /
reconheceu que Cyclolites hemisphaerica e C. Choffati (espécie nova
muito próxima de C. scutellum) indicam, em relação aos corais de Mira,
uma idade mais antiga; o que é confirmado pelas amonites.
Nestas condições, por tais depósitos se seguirem ao Turoniano e por o
género Hemitissotia não ultrapassar o Coniaciano, a este os referiremos.
Aos grés coniacianos do Ceadouro seguem-se, em continuidade de
sedimentação, margas, mais ou
menos xistosas, com massas lenticulares
de calcário de aspecto marinho, mas com
fauna salobra: Cypris em grande abundância, Cyrena Marioni, coprólitos e
restos de vegetais e vertebrados. Não há um único
fóssil característico, porém, atendendo à
disposição dos depósitos, pensamos que estes só poderão ser coniacianos
ainda, ou, quando muito, santonianos. Na impossibilidade de fazer esta
distinção parece-nos correcto incluir aquelas margas no Emscheriano.
Na Palhaça a sobreposição não é nítida devido a deslocações. No
Carrajão dá-se o facto curioso do Turoniano ser, na sua parte superior,
mais ou menos detrítico, ou então faltar. Aos calcários incontestavelmente mesocretácicos seguem-se margas com raros fósseis mal
conservados, como Pectunculus e Neithea regularis (?), que poderão ser
já coniacianos. Depois sobrepõem-se mais de seis metros de depósito arenoso, tendo perto do topo outras
margas mais ou menos micáceas com Cyrene e restos de vegetais.
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Fig. 6
− Corpo cilíndrico
AVEIRO-AGRAS |
A camada margosa
estende-se muito para S.E. Logicamente consideraremos também
como emscherianos tais depósitos.
O Turoniano que ocorre entre Carreira e Furadouro e ainda para E. e N.
desta linha, próximo de Abrunheira, em Silveira, Giesta, Rego e Monte é
quase todo constituído por grés e areias, de certo devido à proximidade
da antiga costa. É portanto possível que as últimas camadas, desprovidas de fósseis, sejam já senonianas, pelo menos na área contornada pelos afloramentos calcários.
Pela posição em que estão relativamente aos depósitos incontestavelmente cenamo-turonianos, não poderão ser inferiores
à assentada com Neolobites Vibrayanus, como CHOFFAT, embora em dúvida,
os colocou no seu esboço geológico da
Gândara, nem certamente são maestrichtianas como se mostram na carta de
1899. Devido à falta de elementos somos obrigados a indicar, na pequena
carta geológica que acompanha este
/ 203 /
trabalho, tais sedimentos como; «grés e areias turono-senonianas.
*
* *
Ao Emscheriano de Penedos segue-se, em continuidade de
sedimentação, uma série de estratos margosos, ora vermelhos
ora azulados. Em Picotos, aos calcários com Cypris sobrepõem-se margas e
argilas, alternadamente vermelhas e verdes, com
corpos cilíndricos, tendo intercalados bancos de grés argilosos,
«andoa», ou calcários. Apenas a sul, entre Covões e Balças, em
camada arenosa, foram colhidos alguns fósseis de mais valor: Pyrgulifera armata
var. Gandarensis e Cyrene.
Que idade devemos atribuir a estes depósitos?
Pyrgulifera
é fóssil comum no Neocretácico. A variedade portuguesa de P. armata não corresponde à forma típica do Daniano; embora
tenha analogias com esta, tem-nas também com P. Matheroni
do Maestrichtiano. Atendendo a isto e à sequência de sedimentação, classifica-los-emos como aturianos.
Não são
conhecidas as relações estratigráficas entre estes
depósitos
−
lIb
−
e outros que Choffat designou por
lIc «Grés do
Vale»,
lId «Camadas com
Mytilus» e
lIe «Camadas salobras de
Aveiro».
Em primeiro lugar deve-se registar que não se trata de
uma sucessão regular, mas sim de afloramentos estudados isoladamente; e depois, que a diferença entre as faunas é muito
pequena. Apenas se nota cunho mais marinho em
lId devido à
abundância de Mytilus (Septifer) cf. lineatus. Todavia esta espécie, embora com intensidade variável, nota-se por toda
a parte
Tabuaço, Chousa-do-Fidalgo, Lavandeira, Quintãs, Lila, etc.
Mais importante nos parece ser a ocorrência de
Pyrgulifera Gandarensis em
lIb e
lId que falta nas outras, sendo substituída
no «Grés do Vale», por P. Franciscoi. Por sua vez
lIc e
lIe
têm
de comum Hydrobia Vasconcellosi que não aparece naquelas.
Acentuemos que CHOFFAT chegou a achar lógica a suposição de
que o «Grés do Vale» poderia corresponder a formação intercalar descontínua, possivelmente isópica das «Camadas com
Mytilus».
E são tão nítidas agora, após as nossas investigações, as
afinidades petrográficas e paleontológicas entre
lIb e
lIe, que não
podemos deixar de as considerar contemporâneas, pelo menos
em grande parte.
Se observarmos a fauna no seu conjunto, verificamos
existência de animais marinhos como Glauconia e a maior parte
dos lamelibrânquios; outros adaptados a meios de fraca salindade, Pyrgulifera,
Melania, Hydrobia, Paludina, Cyrena, etc.; e ainda terrestres, Bulimus.
/ 204 /
Este facto é corrente quando os depósitos se formam em
grandes estuários ou em deltas. Então é frequente suceder que algumas
áreas do domínio marítimo se encontrem mais ou menos isoladas por
cordões litorais. E dois casos se podem dar: ou elas passam a lagoas de
evaporação onde após a deposição da argila se precipita o gesso, mais
raramente o sal-gema; ou, se recebem cursos de água doce, vão
progressivamente diminuindo o seu grau de salinidade, dando lugar a
lagoas salobras. Ainda pode acontecer que fiquem temporariamente, umas e
outras, em comunicação com o mar. E assim, é natural que, em
tais regiões, se formem sedimentos variados com fauna um pouco diversa
nos diferentes pontos.
Deste modo se deve ter formado a série neocretácica, na
Beira Litoral. E pelas razões já anteriormente expostas, somos levados
à convicção de que todos aqueles depósitos se sedimentaram no Aturiano.
Não é todavia possível distinguir as formações campanianas das
maestrichtianas, nem procurar paralelismos entre determinados conjuntos
de estratos.
Apesar de não se terem encontrado fósseis nos afloramentos que se
estendem de Angeja para Albergaria, em Fermelã, e
entre Salreu e Canelas, referi-los-emos, embora em dúvida, à mesma
idade, devido aos seus caracteres petrográficos e à situação em que se
encontram em relação àqueles.
Quanto aos retalhos que se mostram em vários pontos, até próximo da
margem direita do Mondego, como estão isolados por grande extensão de
areias, não é fácil verificar a sua posição
relativamente às formações anteriormente estudadas. Apenas num local
ocorrem fósseis característicos. Em Mira, num molasso
que na parte superior passa a verdadeiro conglomerado, embora
de calhaus de pequenas dimensões, foi colhida abundante fauna: Hoplites
vari var. Marroti, Bacutites, Inoceramus Crispi, Meandropsina Larrazeti,
etc. Sobre esta área bem restrita não há que hesitar; trata-se
incontestavelmente do Campaniano.
Para CHOFFAT, os jazigos que ficam próximo deste seriam superiores à
série Mamarosa- Vale, se a inclinação para o Oeste fosse constante sob
as areias consideradas pliocénicas e, neste caso, corresponderiam aos
estratos com vegetais das «Camadas
salobras de Aveiro» ou da base das «Areias de Esgueira». Contudo
apresentava-se-lhe grave objecção: «c'est que les lits à végétaux des couches d'Aveiro sont intercalés dans des lits à faune
saumâtre qui n'existent ni à Mira, ni dans la Gandara méridionale».
Ora a verdade é que, em Presa e entre Cabeço e Portomar, se encontram
grés com Cyrena cfr. Galloprovincialis e argilas cinzentas, mais ou
menos escuras, com restos de plantas, tudo bem semelhante ao que notámos
na «Fábrica de Mosaico», como
tivemos ocasião de referir. Registe-se ainda que em Cential foram
colhidos vegetais absolutamente idênticos aos de Arada.
/ 205 /
Não é para admirar que haja certa semelhança com os depósitos de Aveiro,
pois, como de modo geral os estratos se inclinam simultaneamente para O.
e N.O., será natural encontrar os mesmos terrenos numa zona orientada N.E.-S.O.
Os afloramentos que ficam a Sul, da linha Mogofores-Tocha, também se
acham isolados por areias; não tendo sido ainda possível verificar a sua
posição relativamente ao Turoniano que, por vezes, afIora próximo. Os
fósseis colhidos não nos dão indicações precisas, mas tanto os vegetais
como os animais −
Clastes Lusitanicus, Cyrena Marioni, Hydrobia
Vasconcellosi, Mytilus cfr. lineatus
− são idênticos aos que ocorrem no
Norte. Por isso consideraremos também todos estes depósitos como
aturianos.
*
* *
Camadas arenosas cobrem considerável área que se estende
da Ria à Bairrada. São sobretudo possantes em Esgueira e no planalto das
Quintãs. Choffat considerava umas como fazendo parte da sua assentada
lII
«Areias de Esgueira», outras como
pliocénicas.
A composição daquela assentada é bastante variável: grés mais ou menos
friáveis mesmo do tipo «andoa»; argilas; mas sobretudo areias, sendo
algumas caulínicas. Em diversos. pontos vê-se a acção das vagas, noutros
estratificação entre cruzada. Pelos calhaus que lhes estão associados
confirma-se que não se trata de formação de origem eólica. Como é
natural em sedimentos desta natureza, são raríssimos os fósseis.
Em alguns locais, como para sul e noroeste de Esgueira, areias
caulínicas de aspecto cretácico sobrepõem-se a outras de tipo pliocénico
como considerava CHOFFAT. No planalto de Quintãs há tal continuidade e
passagem tão gradual que é impossível notar separação.
No corte a 180 metros a O. do sinal trignométrico do Casal, próximo a
Mataduços, que aquele notável geólogo incluiu na sua assentada III,
nota-se disposição muito semelhante à que encontrámos em Aveiro. Grés
calcário muito duro passa a outro do
tipo «andoa» a que se segue argila cinzenta escura com numerosos restos de dicotiledóneas e de
Frenelopsis occidentalis, depois
argila amarelada e finalmente, com a espessura de 1,50 m areias e
calhaus bem acamados, que repousam em discordância sobre os depósitos
precedentes.
Aquela espécie vegetal é bem antiga, pois aparece no nosso Eocretácico.
Isto conjugado com o tipo do jazigo e com os caracteres
petrográficos, leva-nos a considerar tal depósito, pelo menos na parte
inferior à camada em discordância, como contemporâneo das camadas
salobras de Aveiro.
/ 206 /
O mesmo sucede com ó grés friável com
Cyrena que, em
Alumieira a norte de Mataduços, assenta sobre areias grosseiras, amareladas, micáceas, contendo calhaus amigdalóides. Do
outro lado do ribeiro esta camada parece continuar-se em outra
de areia com calhaus rolados absolutamente idêntica à de
Esgueira. Note-se ainda que a altitude do depósito é inferior à
da «andoa» da Fonte-do-Senhorio.
O corte considerado típico da assentada III, é o da colina
que se encontra na extremidade setentrional do viaduto de
Esgueira. Trata-se de depósito mais desagregado; areias amarelas grosseiras tendo na parte superior argila amarela a que se
segue areia argilosa muito fina e escura com restos de vegetais,
«andoa», e depois novamente areia amarela com bancadinhas de
argila clara. A este conjunto sobrepõem-se areias e calhaus
rolados como em Aveiro, mas constituindo depósito de grande
possança, 8 metros.
No flanco oriental da mesma colina à borda da estrada de
Angeja, foram colhidos fósseis vegetais. E de notar que CHOFFAT
considerava esta flórula como a mais moderna da região, mas
VENCESLAU DE LIMA que a estudou juntamente com as de Berba e Arada
concluiu: «Segundo nos informa o sr. Choffat, o jazigo
de Berba pertence à parte inferior do complexo flúvio-marinho.
Arada deve estar mais ou menos na parte média e os jazigos
de Esgueira devem ser os mais superiores... As plantas destas
localidades parecem-nos indicar dois níveis:. um homotáxico do
que precedentemente estudámos (Mira e Gãndara meridional) e
o outro mais antigo»(3).
É em Esgueira que ocorrem as espécies
mais antigas.
Atendendo aos factos expostos somos de opinião que, na
sua quase totalidade, tais depósitos representam uma facies mais
grosseiramente detrítica das margas e argilas aturianas.
Em Aveiro a camada arenosa superficial parece que de
facto se depositou após uma lacuna. Assenta sobre grés na «Fábrica de Mosaico», mas noutros locais sobre estratos que nos
parece serem incontestavelmente superiores àqueles grés. No
planalto das Quintãs a areia com curiosos calhaus, em forma de
cunha, na parte superior, tem por base argila com restos de vegetais
que, no Bonsucesso, se encontram a 9 metros de profundidade. Nas aberturas dos poços segundo ainda nos informou
p Dr. Alberto Souto, os depósitos argilosos aparecem a altitudes
diferentes, dando a impressão de que extenso depósito argiloso
tivesse sido ondeado por movimentos orogénicos ou em parte
erodido, antes da deposição das areias.
Pode dar-se o caso de estarmos em presença de depósitos lenticulares
descontínuos tão frequentes em tais facies. É possível
no entanto que a parte superior da assentada III «Areias de Esgueira» seja de facto bastante mais moderna.
Do Daniano como escreveu GIGNOUX, sem o ter justificado? Cenozóica ou
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mesmo antropozóica como chegou a pensar o Dr. Alberto Souto? São
perguntas a que não é possível ainda responder-se.
É que não devemos esquecer que a alternância rápida de
sedimentos é fenómeno vulgar nos depósitos fluviais, litorais ou de
estuário. Que neste último caso os elementos grosseiros se
dispõem muitas vezes directamente sobre outros finos. Que a
sedimentação feita a pouca profundidade é geralmente descontínua, pois
como varia com frequência o movimento da água, muitas vezes esta retoma
os detritos para os transportar mais além, alternando-se a sedimentação
e a erosão. E ainda que uma
mudança na direcção das correntes dá lugar a que os vários
estratos possam vir a apresentar entre si ângulos muito variáveis, sem que tenha havido deslocamento posterior.
*
* *
Falta considerar os depósitos quartzo-feldspáticos, geralmente designados por «Grés do Buçaco», que, discordantemente,
assentam no Paleozóico.
Raros são os fósseis que ali ocorrem. Apenas foram encontrados restos de
vegetais que o Marquês de SAPORTA considerou como do Cretácico.
VENCESLAU DE LIMA que estudou depois a
flórula de S. Pedro-de-Mucela a N. E. de Poiares, chegou à conclusão de
que esta era contemporânea das senonianas de Casal-de-Bernardos, Vizo,
etc.(3).
Petrograficamente a formação é
semelhante a outras que se encontram em
Espanha e que correspondem ao Cenozóico.
CHOFFAT perguntava(20), se a analogia das floras do Buçaco e do
Senoniano da Gândara não teria por acaso induzido em erro a
Saporta quando do seu estudo preliminar, sendo afinal estes
grés da mesma idade que os de Salamanca; ou se na verdade
serão senonianos, apesar da semelhança dos seus caracteres
petrográficos e das condições de jazida com os daquela região
espanhola.
Mais tarde os Serviços Geológicos de Portugal encarregaram o Prof.
Laurent, do Museu de Marselha, de fazer o estudo
que Saporta tinha entre mãos quando faleceu e que Venceslau
de Lima não pôde concluir. Comunicou aquele ilustre homem
de ciência que no exame prévio desse material, reconhecera
espécies vegetais do Cretácico superior, do Eoceno e ainda
outras, em dúvida, do Oligoceno.
Infelizmente, não permitiram as condições financeiras daqueles serviços que se completasse tal estudo e se publicasse a
respectiva memória.
/ 208 /
Pensa-se hoje que tais depósitos sejam, pelo menos em parte, eocénicos
como os seus similares espanhóis(21). Todavia nada se pode garantir.
A resolução deste problema é de grande importância para
o estudo da tectónica de Portugal.
Laboratório Mineralógico e
Geológico da Universidade do Porto
−
1937.
J. CARRINGTON DA COSTA
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