Com suas moradias cor de neve;
salinas e canais por toda a banda,
Aveiro relembra, hoje, a quem
escreve,
os trechos lagunar's da baixa Holanda.
Terra pacata e do
silêncio abrigo!...
Pelas sacadas, o gerânio em flor,
que as embeleza, segundo o uso antigo,
o ambiente asperge de seu
forte odor.
Entre as rendas dum fino cortinado,
rosto afável
descubro, fugidio,
que se esconde ligeiro, apressurado,
porque, ao vê-lo, contente lhe
sorrio.
Na janela, um bichano, que ronrona,
sob a ardência do Sol, posto em
repouso,
à mais feliz soneca se abandona,
inocente prazer
sentindo e
gozo.
Na Ria, de luz cheia e sempre bela,
desliza ágil bateira triunfal
pelos remos imp'lida, e não por vela,
que, actuosos, vão
f'rindo o
alvo cristal,
enquanto numa praça, algo pequena,
grupos de pescador's, e homens
de nau,
duns plátanos fruindo a sombra amena,
em voz alta calculam o
bacalhau
da Terra Nova há pouco vindo, agora.
De sardinha aguentando cestos
cheios,
velozes calcorreiam estrada fora
as varinas gentis, de fartos seios.
Cintilantes resplendem,
luminosas,
à tela brilho dando peregrino,
pirâmides se erguendo majestosas,
sobre as eiras sem
fim, de sal
marino.
Donde a onde, uma forte ventania,
que do Oceano assopra, em si conduz,
quando perpassa, o cheiro à
maresia.
No Convento, chamado de Jesus,
dorme a Beata Joana o eterno sono.
Na palidez da morte ainda sorri,
enlevada no sonho que, do trono,
formosa a arrebatou para até ali...
Diz, oh, Filha dum Rei, de reis oriunda,
porque do mundo às pompas
tu fugiste
e vieste buscar, simples, jocunda,
a solidão do Claustro, fria e triste,
nesse Mosteiro humilde aonde a prece
co'o perfume se eleva da
verbena,
que modesta entre as flores vive e cresce,
numa ditosa paz,
casta e serena?!...
Oh, lírio imaculado, puro e santo,
que de fulgores vãos, fúteis, desdenhas,
desprezando uma c'roa e o
áureo manto,
p'ra teu corpo
vestires de estamenhas
e ao peito aconchegar's a Cruz de Cristo!
Santa Joana, és lustre,
brilho e glória
deste Povo pequeno, tão bemquisto,
que venera, com fé, tua memória,
vívida luz que além nos altos
Céus
há-de junto pairar sempre de Deus!
ANDRÉ DOS REIS
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