Abade José Luciano Lobo, Sever do Vouga e seus costumes, Vol. 2, pp. 131-135.

SEVER DO VOUGA E SEUS COSTUMES

SEVER DO VOUGA a antiga «Villa Severi» dos documentos medievais é, como as Beiras, terra portuguesa de lei nos seus usos e crenças, costumes e tradições.

Este concelho, apesar de estar incluído na província do Douro, possui geralmente os mesmos costumes e usanças dos povos beirões.

Quem conhecer alguma coisa das Beiras chega a esta conclusão.

Têm as Beiras, como é fácil verificar, o seu carácter especial e costumes muito seus.

Ora o tipo destes habitantes de Sever é caracteristicamente o tipo beirão.

Como eles, também o severense é resignado e forte, caritativo e simples, tolerante e enérgico, sincero e bom.

Aqui, por enquanto, ainda há paz, caridade e amor trilogia esta que nunca se tornou tão necessária como nos tempos que vão correndo, em que por esse mundo em fora tantas almas e tantas bocas só exprimem rancores e só pregam guerra, ódio.

Aqui, por enquanto, o homem ainda não é o homo homini lupus de Hobbes; aqui finalmente ainda o viver social se não metamorfoseou nessa fementida guerra que faz dos homens uma alcateia de feras.

É por tudo isto que o povo deste concelho é feliz, e é por isso também que muitos viajados e ausentes relembram com saudade o viver destes povos com as suas crenças e devoções.

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É laboriosa a gente deste concelho.

Como porém as indústrias não são em grande número, a / 132 / receita para as suas despesas provém para muitos do desenvolvimento maior ou menor da sua cultura agrícola.

Em diferentes povoações deste concelho são as produções agrícolas abundantes e variadas.

Freguesias há aqui que vão tirar exclusivamente aos gados e ao amanho da terra o preciso para a sua alimentação e viver sóbrio.

Pena é que os processos de cultura (modos culturais) sejam ainda geralmente antiquados, rotineiros.

Pois bem, para que a cultura mais se intensifique, necessárias se tornam leituras e prelecções agrícolas para se aprender a cultivar e a adubar melhor a terra, de modo que ela dê tudo quanto pode dar por forma compensadora.

Apesar do atraso agrícola, podemos dizer afoitamente que o severense é bairrista; ama o progresso da sua terra pela qual se sacrifica e trabalha. Esforça-se também por possuir, senão encostas e montes para desbravar, ao menos uma casa sua onde se abrigue e descanse e umas leiras que lhe forneçam, já não digo o cereal para a sua despesa anual, mas ao menos legumes à farta para a sua alimentação quase vegetariana.

Gosta de deixar a seus filhos o que herdou acrescido de mais alguma coisa; e para isso trabalha continuamente, economiza o que pode, vive sem luxo e até sem conforto e comodidades.

Há coisas encantadoras aqui; por exemplo, a fé e o amor do trabalho.

O verdadeiro severense crê sempre em si é bairrista, e em trabalho não consente que o excedam.

É claro que no meio desta regra geral aparecem as excepções, constituídas por aqueles que vivem despreocupados, folgando, rindo e esbanjando num não te rales contínuo sem jamais se preocuparem com o dia de amanhã.

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Tiveram estes povos usos e costumes tradicionais, alguns dos quais ainda perduram em parte.

Um desses costumes que ainda não se perdeu totalmente é o comunitarismo sob o ponto de vista agrícola.

Mas que é isso de comunitarismo agrário? perguntará um ou outro leitor amigo?

É fácil a resposta.

Consiste esse comunitarismo em se tornarem comuns as lides e o viver agrícola. Assim, é comunitarista para pastagens, estrumes e lenhas a utilização dos baldios, é comunitarista para alguns a água na rega dos campos, é comunitarista a ceifa dos cereais, o moinho onde se prepara a farinha, a eira onde se debulha / 133 / o grão e até para muitos o forno onde se coze o pão, e comunitarista foi (e ainda é aqui ou além) a apascentação dos gados e tosquia.

VISTA PARCIAL DE SEVER DO VOUGA

Ao centro, o edifício dos Paços do Concelho

Era o caso dos habitantes de cada lugar que juntavam todos os seus gados; depois, duas ou três pessoas conduziam-nos dia a dia ao pasto e no dia seguinte ou no fim de cada semana revezavam-se os pastores até chegar a vez a todos os proprietários das reses apascentadas para começarem de novo «a roda», como eles lhe chamavam. Com a tosquia sucedia o mesmo: ajudavam -seuns aos outros. Era a tradição.

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Este povo é inteligente, tem aptidões, como o provam diferentes pessoas que se têm dedicado às letras, às ciências, às artes e às indústrias.

Também é morigerado, se bem que às vezes se abuse da bebida como ordinariamente acontece por esse país fora.

Fala-se regularmente aqui, embora entre as camadas baixas se note de quando em quando, numa ou noutra palavra, uma pronúncia defeituosa, geralmente a troca do e pelo a; por exemplo, tampo em vez de tempo.

Também há quem empregue a 3.ª pessoa pela 1.ª

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Assim, eu tive medo; eu fiz um serviço bom. Um ou outro severense dirá: eu teve medo; eu fez um serviço bom.

Mas isto raramente e em poucas pessoas se nota.

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Nas suas crenças não se desmente a tradição católica, os sentimentos de fé que nos tornaram grandes, conhecidos, respeitados e admirados em todo o mundo.

É religioso este povo por tradição e convicção. Ouve geralmente a Igreja Católica. Uma provada sua religiosidade nota-se nas diferentes capelinhas erguidas e com carinho conservadas nas diferentes povoações deste concelho. Podemos dizer que não há lugar ou povoação que não tenha o seu santuário e respectivo padroeiro, anualmente festejado em dia próprio.

As diferentes confrarias ou instituições piedosas erectas nas respectivas freguesias vêm também em abono dos sentimentos de fé e da religiosidade dos seus habitantes.

Não quero dizer com isto que nas suas crenças não apareça às vezes um bocadinho de ignorância que é preciso combater.

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Há amor de família e espírito caritativo.

Os que estendem a mão à caridade encontram sempre quem os socorra. E até se abusa neste particular; isto é, dá-se indistintamente a qualquer pedinte que da porta se aproxima muitas vezes cheio de saúde, indo nestas circunstâncias a esmola alimentar a ociosidade que é a mãe de todos os vícios.

Seja como for, há espírito caritativo, e desta forma e com o auxílio duma ou doutra conferência de S. Vicente de Paulo se supre a fraca assistência.

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Superstições, preconceitos, são felizmente poucos, se bem que ainda apareça quem respeite o número 13, quem não queira cumprimentos em cruz, quem reconheça alguma virtude a essa planta venenosa o trovisco, quem não queira realizar o casamento em certo mês ou dias, quem se preocupe com maus olhados, etc., etc.

Mas isto é nada comparado com outras terras, podendo dizer-se que este povo é até bastante isento de preconceitos e superstições, e sê-lo-á cada vez mais se a educação e instrução mais e mais se intensificar.

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Instrua-se, e sobretudo eduque-se convenientemente, e contribuir-se-á para a valorização, levantamento e progresso da sociedade, e por conseguinte deste concelho.

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Eis um resumo dos costumes desta terra.

Mais se poderia dizer, se quiséssemos roubar muito espaço ao «Arquivo».

A seu tempo mostrar-se-á que esta região, a par das suas belezas naturais, tem uma história brilhante e é rica em lendas, produções, curiosidades e paisagens.

Pessegueiro do Vouga -Março de 1936.

ABADE JOSÉ LUCIANO LOBO

 

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