Na
progressiva e risonha vila do Couto de Cucujães inaugurou-se em 4 de Agosto do corrente ano o
Museu regional que à benemerente acção do Reverendo João
Domingos Arede o Distrito de Aveiro e a Investigação Portuguesa
ficaram devendo, e ao qual sumariamente nos referíramos já na página 111
da nossa Revista.
A solenidade efectuou-se no claustro do Seminário das Missões, e a ela
presidiu o Sr. Doutor António Luís Gomes, venerando Provedor da Santa
Casa da Misericórdia do Porto, secretariado pelo Presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis e
pela Ex.ª Senhora Dona Claudina
Alves Machado Brandão, de Cucujães.
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Numa
dependência da igreja matriz de Cucujães inaugurou-se, por ocasião
da abertura do Museu, o retrato do Rev. João Domingues Arede. O
Arquivo do Distrito de Aveiro, cumprimentando o devotado amigo
de Cucujães, honra-se em fixar igualmente nas suas páginas, ao
serviço do Distrito, o retrato do ilustre organizador do Museu. |
Usaram da palavra o Dr.
José Júlio César, de Viseu, o Sr. Abel da Silva
Valente, e o professor Sr. Álvaro Fernandes.
Enquanto nos não é possível dedicar àquela nova instituição mais desenvolvida
notícia, damos uma descrição sumária do Museu, que o seu ilustre organizador teve a bondade de expressamente traçar para
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a nossa Revista, e arquivamos igualmente nas nossas páginas
as palavras de saudação que ao Reverendo Arede foram dirigidas pelo Sr.
Álvaro Fernandes, estudioso local de quem muito há a esperar.
Ao Museu regional de Cucujães está assegurado um futuro distinto no
campo da Arqueologia; basta, para tanto, que faça a recolha do numeroso
material disperso pela zona circundante, à
qual se ligam importantíssimos problemas da Arqueologia do Distrito.
Vem a propósito registar também a resposta fornecida pelo Reverendo
Arede ao questionário enviado à Câmara Municipal
de Oliveira de Azeméis em Agosto do corrente ano, relativo
aos monumentos de Arqueologia e História militar da região;
são elementos imprescindíveis para o estudo do nosso Distrito.
MUSEU DA VILA DO COUTO DE CUCUjÃES
inaugurado a 4 de Agosto de
1915
O Museu da Vila do Couto de Cucujães tem instaladas as suas colecções de
objectos num grande armário, de madeira de macacaúba, na sacristia da
Igreja Matriz.
O referido armário é encimado com o brasão da terra e recebe luz do lado
nascente, por 4 janelas que lhe ficam defronte; tem duas divisões
iguais e, cada uma destas, quatro estantes, onde estão expostos os
objectos que formam a colectânea da nova instituição.
Designaremos, a seguir, os referidos objectos, classificando-os também
segundo as idades:
I
− Período Pré-histórico
−
1 calcite mamilar, 1 calcite estalactítica, 1 machado (coup-de-poing) de quartzite lascada.
lI
−
Período Proto-histórico
−
2 machados votivos de pedra polida,
1 amuleto
fálico (emblema do órgão da geração
− masculino), 9 machados de pedra
polida
− amfibolito
− xisto, 4 machados de pedra polida
−
fibrolito
−
sílica, 2
machados de pedra polida
− xisto-siliciosa, 2 fragmentos xistosos
apresentando pegadas de gente moça, 1 pilão, 1 fragmento de argila
grosseira
− quartzosa e micácia, 26 fragmentos de tégulas (telhas de
rebordo)
− da época romana,
11 mós manuais de pedra de tipo neolítico,
4 mós manuais de pedra
− redondas
−
da época romana.
III
−
Período Histórico
−
a) Tempos antigos
−
1 lucerna romana. b) Tempos medievos
−
1 pá árabe, de madeira, 2 caracteres de um papiro, aparecido
em Sobral de Adiça, ainda desconhecidos e alguns selos brancos do Mosteiro
de Cucujães. c) Tempos modernos
− muitos exemplares de objectos
diferentes, e também bastantes livros e alguns documentos.
IV
−
Numismática
−
a) Moedas romanas
−
23 exemplares, e mais 35 não
classificadas. b) Moedas portuguesas
− 24 exemplares c) Moedas
estranjeiras
−
46 exemplare d) Medalhas
− 2 exemplares.
O novo Museu continua a ser muito visitado e a interessar bastante o
povo desta região.
O Abade aposentado,
JOÃO DOMINGUES AREDE
/
311 /
NA INAUGURAÇÃO DO MUSEU DE CUCUjÃES
Depois de terem falado verdadeiras autoridades na ciência arqueológica, hoje tão cultivada, seja-me permitido proferir duas palavras
alusivas
à cerimónia de hoje e sobretudo ao Rev.º JOÃO AREDE, fundador do
pequenino mas valioso Museu de Cucujães.
Um homem que, não sendo natural desta freguesia, teve coragem bastante para levar a cabo três monografias completas da sua terra
adoptiva,
entendo eu que bem merece o aplauso sincero de todos os naturais dessa
terra tão carinhosamente monografada. Cucujães tem de há muito para com
o Rev.º AREDE uma dívida de gratidão, que não deve fugir a pagar. Longe
dos grandes centros, da convivência dos grandes mestres: afastado das
grandes bibliotecas, onde apenas se encontram as obras antigas imprescindíveis aos trabalhos históricos: o esforço
do P.e AREDE tem um valor
particular, porque foi realizado em condições excepcionais, sem as
facilidades que muitos encontram no caminho.
Para tirar uma simples dúvida, na escassez deste meio, quantas viagens
não faria o P.e AREDE, a consultar os in-fólios ocultos nas
bibliotecas principais do país? Para escrever a sua obra, que só a leigos pode
ser tida
por fácil de realizar, sei perfeitamente que não pôde fugir a viagens
inúmeras ao Porto, a Aveiro e a Coimbra, sujeitando-se a despesas e a
incómodos
dolorosos. Mas a Arte, como a Ciência, não é uma actividade lucrativa,
de
que se esperem proventos e que possa ser exercida sem sacrifícios de
toda
a espécie; é um culto, uma devoção, uma inclinação do espírito, de que
nada mais se espera que o interesse colectivo e o simples prazer espiritual.
Por isso o P.e AREDE, vigoroso por natureza, tenaz por índole,
entregando-se à História e à Arqueologia por bairrismo e tendência do
espírito,
perseverou nos seus estudos e, com o decorrer dos anos, pôde concluir a
sua missão, legando à sua terra um monumento escrito e um local de
concentração e estudo.
Isolado na província, nas horas de folga do sacerdócio, o
Rev.º AREDE, triunfando das maiores dificuldades, pôde realizar sobre a sua
freguesia,
como disse, nada menos de três monografias. Poucas terras de âmbito tão pequeno se poderão gabar de possuir tamanha historiografia,
«Cucujães»,
«Cucujães e o seu Mosteiro com o seu Couto nos Tempos Medievais e
Modernos» e «Museu de Cucujães» são as três obras de valor histórico e arqueológico que ficarão a recordar continuamente a passagem luminosa do
P.e AREDE por esta terra.
Para rematar com chave de ouro a sua vida de historiador e arqueólogo, acaba de ser inaugurado o
pequenino Museu de Cucujães, para o
qual a devoção do P.e AREDE vinha de há anos reunindo elementos, percorrendo
os terrenos da região, sobretudo o célebre monte de Recarei, onde
existiu outrora um castro, à procura de pedras da época pré e proto
histórica.
Como escrevi noutro lugar, «a pedra, melhor elo que o ouro, pode marcar,
com símbolos bem distintos, as várias etapas ela existência humana».
As toscas pedras aqui guardadas, de valor nulo a olhos de profanos,
vistas por estudiosos têm valor inegável, pois ressuscitam milénios extintos, falam-nos de celtas e romanos, são documentos da história dó
homem.
A marreta do pedreiro, por
esse mundo além, tem obliterado monumentos
sem conta, que, embora toscos, conservados intactos muita luz
espalhariam sobre o Passado. Não são o vandalismo, a barbaria, o
instinto de maldade, que levam a destruir as heranças preciosas das
gerações extintas, mas quase sempre a ignorância. A ignorância, como se
sabe, é o pior de todos os males e o que mais prejuízos acarreta.
/
312 / Quantos castros, quantos dólmens, quantas lápides funerárias, quantos pelourinhos não têm sido destruídos, irreverentemente, pela ignorância, aproveitando-se
os destroços em obras de alvenaria?...
Se o alvenel conhecesse o valor dessas pedras
− desses castros, desses
dólmens, dessas lápides funerárias, desses pelourinhos −, suspenderia o
golpe cego que sobre elas descarrega, e colocaria essas pedras em lugar
de destaque, no melhor ponto da freguesia, para que fossem veneradas
por todos os olhos.
A falta de carinho para com as rudes pedras arqueológicas não é
apenas atributo de ignorantes e analfabetos. Pessoas letradas conheço eu
que não ligam a mínima importância a um dístico, a uma coluna, a um monumento da antiguidade.
Para combater essa falta de carinho e essa ignorância, torna-se necessária uma campanha intensa feita pelos arqueólogos, não apenas em
revistas da especialidade, mas em jornais de larga difusão, para que
possam ser iniciadas no culto pelo Passado as camadas populares.
E como o padre e o professor são as duas individualidades mais em
contacto com o povo nos meios rurais, para conservar o mais possível o
nosso património histórico e artístico, entendo que deveriam ser criadas
cadeiras de elementos de arqueologia nos Seminários e nas Escolas do
Magistério. O padre e o professor, convenientemente preparados, ficariam
sendo os guardas vigilantes desses tesouros magníficos espalhados pelas
aldeias de Portugal. E um e outro seriam auxiliares preciosos dos
mestres arqueólogos, nos seus trabalhos de alta investigação.
A classe sacerdotal possui já hoje uma boa falange de arqueólogos:
o abade do Baçal, o Rev.º VASCO MOREIRA, o cónego AGUIAR BARREIROS, o
Rev.º AREDE − para falar apenas nestes; e, entre os professores, conheço
dois que têm realizado importantes estudos de arqueologia e etnografia
no
Alto-Minho: ABEL VIANA e MANUEL BOAVENTURA.
A história local e a arqueologia são, pois, duas ciências valiosas que,
cultivadas conscienciosamente, vão reflectir-se na História Nacional,
servindo-lhe de alicerce. O
P.e AREDE, que uma e outra tem cultivado com amor, ciência e prudência
− não esquecendo nunca a frase de FUSTEL DE
COULANGES que afirma que «em trabalhos eruditos, é necessário um ano de
análise para autorizar uma hora de síntese» −, merece bem o aplauso dos
estudiosos portugueses e sobretudo o reconhecimento, a gratidão de todos
os cucujanenses, sem distinção de seitas, porque, acima de homem, susceptível de errar, incapaz de agradar a todos, está
o historiador desta
terra
e o fundador do pequenino Museu de Cucujães, onde se guardam tantas
relíquias.
O
P.e ARE DE, escrevendo a sua obra e fundando
este museu, que ficará sendo o relicário das coisas preciosas da freguesia, deu provas do
seu
talento e da sua cultura e concorreu para a elevação intelectual de
Cucujães, chamando para ela a atenção dos arqueólogos portugueses, que,
como
todos os estudiosos, põem acima de tudo as questões espirituais.
Mesmo que a sua obra estacione por aqui e não seja acrescida de
mais nenhum volume, o
P.e
AREDE trabalhou já o bastante para que o seu nome mereça consagração e
para que Cucujães, mesmo depois da sua morte, o relembre e o consulte através dos tempos.
Na qualidade de amigo e quase discípulo
−- pois o Rev.º AREDE tem
posto à minha disposição, obsequiosamente, o seu saber e os seus livros
−
eu o saúdo, neste momento festivo para si e para a terra ao serviço da
qual tem vivido e trabalhado.
ÁLVARO FERNANDES
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QUESTIONÁRIO
Aveiro, 8 de Agosto de 1935
Ex.mo Sr. Presidente da Câmara:
Encarrega-me, S. Ex.ª o Sr. Governador Civil de pedir a V. Ex.ª se digne enviar, com a possível brevidade, ao Ex.mo Comandante da Escola Central de Oficiais
− Caxias − relação dos monumentos de arqueologia e história
militar, do País, tais como citânias, cidadelas, castelos, alcáçovas,
crastos,
torres, cercas-militares-recintos amuralhados, atalaias, fortes,
fortins, ou
quaisquer vestígios dos referidos monumentos, que existam na área desse
concelho. Da relação deve constar a indicação da localidade e uma ideia
geral desses monumentos, estado de conservação e quaisquer outras informações que possam interessar sob o ponto de vista histórico ou
tradicional,
incluindo quaisquer fotografias, desenhos ou croquis que obsequiosamente
possam ser fornecidos,
A Bem da Nação
Servindo de Secretário Geral, O Chefe da Repartição
(a)
António Correia Vaz de Aguiar
RESPOSTA FORNECIDA PELO REVERENDO AREDE
MONUMENTOS DE ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA
MILITAR EM CUCUJÃES E S. MARTINHO DA GÂNDRA
DO CONCELHO DE OLIVEIRA DE AZEMÉIS
I − Da Freguesia de Cucujães:
a) Um Marco Geodésico,
quase demolido, no lugar de Rebordões, junto de uma Mamoa, construído em 1854.
b) Um Marco Trigonométrico, bem conservado, no lugar de
Fermil, do
mesmo ano do anterior.
Ambos serviram para continuação da triangulação geodésica, de 2.ª ordem, cujos trabalhos principiaram em Portugal em 1788.
lI − Da Freguesia de São Martinho da Gandra:
Crasto
− monte alto arredondado, e de difícil acesso. É sito no lugar
chamado do Monte Crasto, da dita freguesia. Tem vestígios de muros.
Como se nota pela
sua configuração e situação topográfica, mostra o mesmo ter sido uma aglutinação castrense, e ainda habitado, com seus
terrenos circunjacentes, por algumas raças primitivas, e outras em
sucessivos períodos históricos, como o certificam muitos objectos encontrados no referido sítio e já guardados no Museu Arqueológico e Etnológico de Cucujães
− verdadeiros documentos da ciência da antiguidade
na terra de Cucujães e de São Martinho da Gandra.
E assim:
a)
No Período Pré-histórico − foram seus primeiros habitantes − homens da
Época da pedra lascada (Época paleolítica).
Documento comprovativo: 1 machado (coup-de-poing) de quartzite Lascada.
− Teriam sido os Iberos (Euskaros) a mais antiga raça humana que habitou
esta região?
b) No período
Proto-Histórico − foram seus habitantes − homens da Época da pedra polida (época neoIítica).
/
314 /
Documentos comprovativos:, 2 machados votivos de pedra polida,
1 amuleto
fálico de pedra dura (emblema do órgão da geração-masculino), e outros
machados de pedra de uso pessoal e doméstico, e ainda mós de pedra
(manuais) do tipo neolíticó.
− Teriam sido os Celtas, a que pertenciam os Lusitanos, os habitantes
desta mesma região logo a seguir às primitivas raças?
c) No Período histórico − foram seus habitantes principalmente:
1.º
− Os Romanos.
Documentos comprovativos: Ponte Romana, do lugar
da Pica, de Cucujães,
tégulas, e mós redondas de pedra (manuais) da Época romana.
2.º
− Os
Godos, além de outros povos bárbaros juntamente com os naturais da
região.
Documento comprovativo: a denominação de
Castro Recharei, dada ao
Crasto, acima referido, por D. Afonso Henriques, em sua Carta de Instituição do Couto de Cucujães para o Mosteiro Beneditino de Cucujães,
datada de 7 de Julho de 1172 (ano de Cristo 1139). Além deste há outros
documentos da época que dão ao Crasto a mesma denominação
de «Castro Recharei».
«Castro Recharei», do lat. bárbaro da Idade-Média, é o mesmo que no
lat. clássico «Recaredi Castrum».
Recharei, genit. de Rechareus, é evidentemente nome godo e, no caso
sujeito, de pessoa. Essa pessoa foi Recaredo, 18.º Rei Visigótico, que
se converteu ao catolicismo com a Rainha Bada, em 587, e fez a sua
profissão de Fé Católica, no 3.º Concílio Toletano em 589.
É de crer, portanto, que o supradito Crasto tivesse servido de
acampamento militar no tempo dos Romanos, e também nas invasões dos povos
bárbaros e, nomeadamente, dos Godos, como se deduz do nome «Castro Recharei».
Cucujães, 17
de Agosto de 1935.
O Abade aposentado,
JOÃO DOMINGUES AREDE
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