António Gomes da Rocha Madhil, Tombo das águas de Ílhavo, Vol. 1, pp. 183-198.

TOMBO DAS ÁGUAS DE ÍLHAVO

ORGANIZADO PELOS DONATÁRIOS

DA VILA MEDIANTE PROVISÃO RÉGIA DE 1772

Para o estudo geográfico que venha a fazer-se do concelho de Ílhavo, estudo que até certo ponto conduzirá à compreensão dos destinos históricos da terra, e permitirá que se ensaie a filosofia da vida do município, remate e complemento da sua história, têm de ser tomados em consideração, como é intuitivo, os cursos de água locais.

A vila, como noutro lugar notámos já
(1), e facilmente se reconhece, assenta sobre os arenitos e argilas do Senoniano, à beira justamente da linha de transição entre essa mancha cretácica e os terrenos modernos do litoral, dentro, portanto, do limite que a Geologia e a Arqueologia marcam à antiga linha do mar.


Não pode dizer-se que seja pouco rica de águas porque em quase todo o seu perímetro o subsolo fornece à população, por intermédio de poços pouco profundos e que se abrem com facilidade, o caudal necessário para consumo e para regas; fontes públicas abastecem, ainda, várias zonas da vila. Ílhavo é, contudo, pobre de cursos de água; três ribeiras atravessam o centro da povoação, algumas outras lhe correm a Norte e a Sul, mas todas de reduzido caudal; possivelmente pertencerão à mesma toalha aquática subterrânea, orientada a Sudeste da vila, que, convenientemente explorada, talvez permitisse um abastecimento em melhores condições de abundância e de higiene.


Como quer que seja, vem de longa data o aproveitamento desses pequenos cursos de água para accionar engenhos de moer grão; ao lado deles, também, férteis veigas se têm formado donde uma permanente e remuneradora cultura agrícola
/ 184 / extrai incessantemente os magníficos géneros que no mercado da vila nunca faltam.


À volta desses cursos de água se desenvolveu e foi fixando, como quase sempre sucede, o pequeno núcleo de população que deu origem a uma parte da vila; os documentos medievais por nós publicados (op. cit.) permitem identificações concludentes, bem como a situação dos casais pertencentes às congregações religiosas que possuíam domínios em Ílhavo; ainda hoje perduram na toponímia local designações como azenha dos frades, e outras.


Concedido o senhorio da terra a um donatário, compreende-se que os terrenos sobre que incidiam os direitos senhoriais fossem objecto de especial fiscalização; assim terá sido, portanto, que em 1772 D. José Joaquim Lobo da Silveira requereu, na qualidade de administrador dos bens de sua esposa, D. Joaquina Maria de Almada Castro e Noronha, 12.ª donatária de Ílhavo, provisão régia para continuar uma anterior tombação das águas das azenhas de todo o concelho, então interrompida, e fixar os foros e cabanarias por elas devidas.


Esse documento, de capital importância para o estudo do regímen de águas da vila, publica-se agora pela primeira vez, ao que supomos; servimo-nos para isso da cópia que possuímos, proveniente do arquivo da casa Rocha Fradinho, hoje propriedade nossa.


Sabemos que na Quinta do Picado, na casa Tavares Lebre, existia, em tempo, outra cópia igual, bem como em Vale de Ílhavo; há poucos anos foi também presente este tombo de águas num pleito que se derimiu no tribunal de Aveiro; são todas provenientes do mesmo original, que o procurador dos donatários em Ílhavo possuía, documento autêntico com valor probativo em juízo, e cujo paradeiro hoje desconhecemos.

 

A partir daqui, as páginas seguintes (184 a 197) estão reproduzidas em formato PDF.

A parte final do artigo, págs. 197 e 198, estão em formato HTML.

 

DOCUMENTO EM PDF (3,2 MB)

 

Como VALLAUX Géographie sociale: le sol et l' État entendemos ser de rejeitar o determinismo físico absoluto, segundo o qual as sociedades políticas seriam governadas por um ou mais agentes naturais; é inegável, todavia, que o regímen das águas duma povoação condiciona sempre, e explica, avultado número de factos da vida quotidiana que mais tarde, depois de agrupados, constituem objecto de história, esquecida, por vezes, a humilde e comezinha razão que os provocou e lhes deu origem.


O tombo acima publicado, sujeito, aliás, a confronto com o seu desaparecido original a fim de se eliminar qualquer possível inexactidão da cópia utilizada, que nem sempre era de fácil interpretação, constitui, como já fizemos notar e pela sua leitura se verifica, elemento importante para o estudo da vila.


A simples relação dos foreiros e dos respectivos casais oferece-nos apreciáveis subsídios para a topografia, o onomástico e a economia da terra; juntos a outros que possuímos, a seu tempo se aproveitarão devidamente.


Para o cálculo, não feito ainda, dos rendimentos do senhorio da vila, também não é destituída de interesse a relação, pois deles nos documenta uma parcela; recebia o donatário, das pensões julgadas pela sentença do Juiz do Tombo, 42 arráteis de cera, 64,5 alqueires de trigo, 62 capões e 3 galinhas, entrando já para este total as 21 cabanarias, a cada uma das quais no próprio tombo se dá, e por mais duma vez, a equivalência de um alqueire de trigo e um capão.


Publicámos já em 1922 (op. cit.) o foral novo, de 1514, outorgado a Ílhavo na reforma manuelina; para o conhecimento do regímen tributário da vila, outro elemento se arquiva hoje com o presente tombo das azenhas, águas e levadas, recebido em 4 de Agosto de 1775 nos Paços de Verdemilho, com a respectiva sentença do Dr. Francisco Pinheiro de Sampaio, Juiz do tombo nas terras do morgado de Carvalhais, e vilas de Ílhavo, Ferreiros e Avelãs de cima; de tudo o escrivão Manuel Rodrigo (ou Rodrigues?) da Silva deu conta e relação.

/ 198 /

Aos nossos leitores oferecemos o inventário por ele organizado, tal como a nossa cópia o regista. Actualizámos apenas a ortografia, por se não tratar de traslado coevo, autenticado ou passado segundo os preceitos que o próprio tombo prescrevia. Conquanto a casa de cujo arquivo esta cópia provém fosse enfiteuta de azenhas e vessadas que estas águas atravessavam e, em determinada época, tivesse, mesmo, a representação dos donatários, a verdade é que a presente cópia é posterior à extinção do antigo sistema tributário. Feita, talvez, sobre um traslado autêntico, mas não extraída do próprio original, a sua ortografia não nos pareceu tão segura que entendêssemos dever reproduzi-la.


No mais, a nossa leitura, conferida, está conforme, como se diz em estilo tabeliónico.

A. G. DA ROCHA MADAHIL

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(1)
ILLIABUM Série de subsídios para a história de Ílhavo 1 Um projecto de brasão de armas concelhio; Coimbra, Gráfica Conimbricense, Lt.ª, 1922, pág. 30.

 

 ERRATA  - No texto em PDF, onde na pág. 184 se lê «das provenientes», deverá ler-se «das cópias provenientes.

 

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