Documentos relativos a
marinhas de sal na ria de Aveiro merecerão sempre ao Arquivo especial
atenção e acolhimento; contribuem para a história duma indústria de
tradições multisseculares na região, ainda hoje ocupando o primeiro
lugar na economia local, e subsidiam dois importantes problemas do nosso
litoral: o problema da chamada propriedade alagada, brevemente
aqui versado pela pena competentíssima do Sr. Comandante ROCHA E
CUNHA, que ao assunto se tem dedicado, já como particular já corno
comissionado do Governo Português, e o problema, interessantíssimo
também e intimamente ligado ao primeiro, da constituição da laguna.
Como é evidente, são as referências documentais, pelos séculos fora, a
lugares que hoje se encontram afastados da linha de maré, e que algum
dia foram marinhas de sal, que permitem verificar o avanço da linha
interior da costa e estabelecer com segurança, serenamente e sem
fantasias, a cronologia do formosíssimo acidente.
A colecção Diplomata dos Portugaliae Monumenta Historica,
as Memórias da Academia, a História da Administração Pública
em Portugal nos séculos XlI a XV, de GAMA BARROS, o Professor
AMORIM GIRÃO, o Comandante ROCHA E CUNHA, o Dr. ALBERTO
SOUTO, e outros mais, têm publicado documentos revelando a
existência de marinhas de sal em Ovar, Alquerubim, Cacia, Esgueira, Sá,
Vagos, Sôza, Mira, etc..
Mas essa contribuição documental está longe de atingir o ponto de
saturação; o problema continua em suspenso.
Há pouco ainda, em 1931, sensatamente escrevia o Sr. Dr. ALBERTO SOUTO
no prefácio à simpática e prestimosa tentativa de Monografia da Vila
de Sôza, do Sr. MANUEL DOS SANTOS COSTA: A cronologia das
vicissitudes da Ria, é, pois, ainda, um grande problema em cuja
resolução devemos pôr o maior empenho.
Publicaremos, nós, quanto pudermos, os arquivos, públicos e
particulares, têm ainda dezenas de inéditos aproveitáveis.
O que a seguir estampamos subsidia o problema da propriedade alagada.
É a autorização que D. Afonso V concede ao Padre Fernão de Sá, morador
em Aveiro, para fazer uma marinha;
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permitira-lhe já adquirir bens de raiz até cem coroas, mas o clérigo
considerava esse limite insuficiente e, receoso de lhe tolherem a
marinha depois de pronta, solicitou nova e expressa licença para a
concluir e ficar possuindo.
Diz a carta régia, pergaminho original do arquivo da casa Rocha Fradinho,
de Ílhavo, donde por herança o recebemos:
Nos EIRey ffazemos saber A quaães quer Nossos correJedores Juizes
Justiças oficiaaes e pessoas a que o conheçimento Desto perteemcer que
fernam De ssaa creliguo De missa moraDor em aaueiro. Nos Disse que eIle
ouuera nossa carta de liçença pera comprar bëes De rraiz. ataa comthya
De Çem coroas pera soportamento De sua vida por nom teer nehuü benefiçio.
E que teendo eIle Ja empregaado nos dectos bees açerqa De todo o Decto
preço Desejando De teer huüa marinha. a começou de fazer em termo Da
Decta villa em huü luguar onde chamam Fero maçeeira.
−
E que porquanto eIle se temia que acabando. a. De fazer. lhe. fosse
posto alguú em bargo neella aleguando. que passaua. aalem Do preço pera
que lhe assi tijnhamos DaDa. liçença, pera comprar os Dectos beës de
rraiz. Nos pidia. que lhe ouuessemos. a ello Remedio. E Nos visto seu
Requerimento E querendo lhe. fazer mercee Nos praz que elle possa acabar
a Decta marinha. E que a tenha. e faça Della. o que lhe prouuer
liuremente. posto. que. sua valia seja mais. DaquelIo que aJnda tijnha
por empreguar nos Dectos beës De rraiz aalem do que Ja neelle empregado
tijnha. do preço Das Dectas Çem coroas pera que tijnha nossa liçença Sem
embarguo de quaeesquer lex ou hordenaçoães que em contrario hi aja Porem
nos Mandamos. que assi lhoo leixees fazer e lhe nõ façãaes Nem
conssentaaes por eIlo fazer nehuú nojo nem sem rrezã. Conprindo lhe este
nosso aluara como ë elle he comthiudo se outra DuujDa nem êbargo alguü
por que assi he nossa mercee ffecto. em curuche xb Dias Dabrill. gº
cardoso o fez anno de nosso Sor ihú Xº de mjll iiije Lix &
−
Rey .;.
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que este creligo Daaueiro possa acabar esta marinha e a teer posto que
passe aalë Da conthija pera que lhe teendes DaDa licença
Ficava a marinha em Pero maceeira, termo de Aveiro; a cota coeva
posta no verso da carta, confirma:
Carta delrrey ë que da liçëça a fernã de ssaa pera fazer a marjnha de
pero maçeeyra.
Mas o lugar perdeu o primitivo nome; outra cota, já do século XVIII, diz
assim:
«Aveyro. Carta de Licença q El Rey deo a Fernão de Saa Clerigo p.ª fazer
hüa marinha em vaI de maceyra.»
Vale de Maceira será, pois, a mais recente designação de tal
lugar. Que outro lhe corresponde na actualidade? Onde ficava, afinal, a
marinha do P.e Fernão de Sá?
Resultaram infrutíferas todas as informações, que solicitei.
Têrmo de Aveiro é designação muito vaga; Águeda, e outras
povoações distantes, diziam-se ao tempo Têrmo de Aveiro.
Pode algum leitor do Arquivo fornecer este pormenor que para
esclarecimento cabal do documento nos falta?
A. G. DA ROCHA MADAHIL
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