4.1 –
Metodologia utilizada
Embora publicada
em 1997, um ano após a morte do seu autor, Cagaréus e Ceboleiros:
Aveiro – usos e costumes é fruto de um longo e continuado
trabalho de pesquisa que durou, podemos dizê-lo, uma vida inteira.
Nesta obra, João
Sarabando não se ficou por uma recolha textual da cultura de um povo
que tanto amava – o povo de Aveiro –, já que, compreendendo a
complexidade própria de uma cultura popular, alargou e diversificou
os seus campos de estudo. Mantendo-se interessado pela literatura e
pelas tradições populares, atraíam-no, também, a arte popular, as
formas de vida e de organização social, a arquitectura popular, etc.
Na linha de um
Adolfo Coelho e de um Rocha Peixoto, também João Sarabando
compreendeu que, para se captar verdadeiramente a alma de um povo,
não basta ouvi-lo e transcrevê-lo. É necessário observá-lo
atentamente, sem pressas, nos afazeres diários, nos momentos de dura
luta pela sobrevivência, mas também nos momentos de lazer, de
diversão ou de simples recolhimento familiar. Para o compreender,
há, então, a necessidade de multiplicar os campos de estudo, devendo
proceder-se, o mais possível, a um alargamento temático. Tudo isto,
não só João Sarabando efectuou, mas partilhou e viveu
apaixonadamente com as suas gentes aveirenses. Os seus amigos disso
foram testemunhas, dizendo que, quando visitavam a sua casa, estavam
perante um autêntico museu popular, onde se podiam observar peças de
artesanato, (p. ex., painéis de moliceiros) cerâmica variada e
escultura popular.
Deste seu
meticuloso e persistente método nos dá conta o próprio sobrinho –
Jorge Sarabando – no prefácio a esta obra, por ele elaborado: “...o
autor fez todos os percursos possíveis na região, buscou todos os
veios donde pudessem brotar puros cristais de sabedoria popular, do
trabalho, do engenho, da arte, da vida do povo, visitou um sem
número de casas e lugares, e encontrou as pessoas certas, com quem
conversou, com sensibilidade e encantamento...”.
A própria mãe da
autora do presente trabalho foi testemunha deste incansável método,
ao ter presenciado, já lá vão largos anos, a conversa animada entre
sua mãe (a entrevistada) e João Sarabando, daí resultando
directamente algumas contribuições para a obra Cagaréus e Ceboleiros,
como é o caso (verídico) do episódio a que deu o nome Um “desafio”
na Póvoa do Paço (pp. 29-30).
Com simplicidade,
paciência e ternura, conseguia inspirar um ambiente de cumplicidade
e confiança ao seu interlocutor, que lhe permitia captar, com
fidelidade e genuinidade o pensar, o saber e o ser de um povo.
4.2 – Temáticas abordadas
João Sarabando subscreveu, nesta sua obra[1],
as seguintes palavras de Trindade Coelho: “O povo é o passado. O
povo há-de ser também o futuro. Tudo o que vem do povo interessa:
costumes, crenças, superstições, poesia, música – e até a sua
própria culinária.”
Ilustrando a sua
total concordância a tais palavras, João Sarabando percorreu a sua
visita às gentes do Concelho de Aveiro, dando-nos a conhecer as suas
superstições, a sua fé, a sua malícia e humor, o seu desespero e
tristeza, as suas preocupações, as suas alegrias, os seus usos e
costumes mais genuínos. Com a sua ajuda, podemos partilhar a
gastronomia aveirense, a sua habitação mais típica, os seus medos e
fantasias (através de rezas e mezinhas), uma ida a uma feira, a uma
romaria ou a um simples “serão “.
Em Cagaréus e
Ceboleiros, o autor optou por iniciar a sua viagem ao Concelho de
Aveiro (e com toda a lógica), pelo mundo mágico da infância, a que
deu o título Entretenimentos e Jogos. Aí, podemos (re)conhecer
jogos, brincadeiras, lengalengas ou até canções de embalar de ontem,
de hoje e, talvez, de sempre.
Continuando o
percurso, encontramos um título mais abrangente: Usos e costumes.
Estes vão desde a tradicional matança do porco, passando por rituais
de iniciação de jovens na vida adulta, seguindo pelos serões e
desafios na aldeia, interrompendo, de quando em quando, para
descrever uma figura regional: a mulher das camarinhas, a vendedora
de cabras quentes, ou o sapateiro do Carregal. Não ficou esquecida,
nesta viagem, a vida dura dos marnotos e de toda a lide ligada à
ria, bem como a sua gastronomia mais típica, a sua habitação no
bairro piscatório da Beira-mar, ou até disputas com gentes vizinhas.
Momentos de indiscutível importância para o homem, como o casamento
ou a morte, também são aqui retratados.
Prossegue a viagem
pelas Feiras da região, umas ainda teimosamente
sobreviventes, como é o caso da Feira da Oliveirinha, a Feira de
Eixo e a Feira de Março, outras já desaparecidas no tempo (Feira dos
moços, feira do Outeirinho e Feira de S. José).
O autor dá-nos
também conta de alguns Vestígios comunitários. Alguns deles,
desconhecíamos terem existido na região, como é o caso das vaias no
salgado ou os fornos da poia, existentes na Beira-mar até ao
terceiro quarteirão do séc. passado. Outros são-nos ainda
familiares, como o andar por ajuda ou as soltas do gado.
Visitamos, em
seguida, as Festas e Romarias do Concelho, algumas, também,
já desaparecidas, como a Senhora das Dores em Verdemilho, mas a
grande maioria ainda continua a animar o povo e a alimentar a sua
alma. São-nos dadas a conhecer algumas curiosidades ligadas ao tema,
como é o caso do Santo Grande, ou seja, S. Cristóvão, também
maliciosamente designado pelo povo por Santo da Pentilheira. Temos
ainda a lenda de S. Bartolomeu e seu moço (o diabo), ou até a
secreta Dança dos mancos feita, alta noite, na capela de S.
Gonçalinho.
Fazendo referência
a algumas Gentes de Aveiro, prossegue o autor pelo imaginário
aveirense, dando-nos conta de vários Contos e contarelos
tradicionais.
Dado que não
ficaria completo o trajecto se não se pudesse saborear o que de mais
tradicional há (ou houve) na região, João Sarabando continua,
fornecendo-nos um rol de iguarias, algumas, infelizmente, já
desaparecidas, como é o caso das Boroas doces de S. Simão, mas todas
devidamente contextualizadas nas respectivas quadras festivas. Qual
o aveirense que, no dia da romaria da sua terra prescinde do
Carneiro de Caçoila, no dia de Páscoa dos Folares de Aveiro ou no
dia de Natal dos Bilharacos?
Passa esta viagem
pela Medicina Popular, encontrando-se aí, os remédios e
mezinhas necessários para a cura de toda e qualquer enfermidade,
seja ela aftas, dores de barriga, lombrigas, fios desligados,
medranças, pés gretados, sangue ruim, trasorelho ou mesmo ventre
caído.
Para
terminar, referem-se as Crenças e superstições sempre ligadas
a todos os momentos importantes da vida humana, começando no
nascimento, passando pelo casamento e indo até à morte,
completando-se assim uma viagem e um ciclo que transmite e constitui
equilíbrio.
In: Cagaréus e Ceboleiros,
pág. 12.
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