BATALHA DE MONTES CLAROS
Por ANTÓNIO JÚDICE MAGALHÃES BARROS
Havia já muitos anos que estava travada a
luta entre Portugal e a Espanha, quando esta em 1665 resolveu dar um
golpe decisivo e, reforçando poderosamente o seu exército, deu o seu
comando a um general bastante hábil, o Marquês de Caracena que se havia
ilustrado nas guerras de Itália.
Também o nosso exército se organizara
rapidamente, mercê do Conde de Castelo Melhor, do seu comandante o
Marquês de Marialva e do chefe do estado maior, o notável Schomberg, com
20.500 homens.
Os espanhóis atacam de surpresa Vila Viçosa,
a qual se defende com energia desesperada durante oito dias. Entretanto
o Marquês de Marialva, com o seu exército, marchava de Estremoz em
socorro da praça, e o Marquês de Caracena, avisado de tal disposição,
resolveu vir ao seu encontro para o surpreender.
O nosso exército estava bem longe de
suspeitar que teria de bater-se nesse mesmo dia, 17 de Junho de 1665,
quando, na altura de Montes Claros, seis esquadrões de cavalaria que iam
na vanguarda em reconhecimento constataram que todo o exército inimigo
marchava ao nosso encontro. Retrocederam esses esquadrões e avisados o
Conde de Schomberg e o Marquês de Marialva, surpresos, mas não
desnorteados, fizeram alto na melhor ordem e aí dispuseram os seus
homens para o combate.
O campo de batalha não era dos mais
desfavoráveis para uma luta defensiva e as disposições do inimigo, em
breve, foram conhecidas. Admitida a imprudência do abandono das linhas
de Vila Viçosa, o plano do Marquês de Caracena era bem concebido porque,
esperando surpreenderem-nos em marcha, com a usual separação da
cavalaria e pelas duas alas, contara esmagar com a sua cavalaria toda a
nossa direita, antes que a da outra ala a pudesse socorrer e possuir no
lado esquerdo a superioridade do número, pela hábil divisão do exército
em duas grandes massas, uma de infantaria outra de cavalaria.
O Conde de Schomberg conseguiu que os nossos
soldados operassem com tanta rapidez, que logo percebido o plano do
inimigo, pôde fazer passar imediatamente a cavalaria do flanco esquerdo
para o direito, e o que prova que a presteza da manobra nos salvou; foi
que, ainda mal tivera tempo de se formar no seu novo posto o último
esquadrão, já a cavalaria contrária nos carregava.
O seu primeiro ímpeto esmagou vários terços
e os esquadrões da primeira linha, mas a nossa artilharia, que ocupava
os clarões dos terços quase rotos, à voz de D. Luís de Menezes,
valeu-nos então de muito, desconcertando um tanto a cavalaria
castelhana, com uma saraivada de metralha.
Voltando a formar-se os esquadrões
espanhóis, desabaram sobre as nossas tropas, rompendo as duas primeiras
linhas dos esquadrões e a primeira dos terços, ao mesmo tempo que um
corpo de mais de mil homens fazia outra aberta e indo reunir-se com os
seus felizes camaradas já dentro da vanguarda dos nossos terços de
segunda linha.
Pretenderam os inimigos romper também essa
parte do nosso exército mas, sendo o Marquês de Marialva que a
comandava, opôs-lhe a sua serena constância e indomável energia, ao
mesmo tempo que a cavalaria portuguesa, ordenando-se de novo ameaçava
ficar-lhe à rectaguarda e que as três últimas fileiras de terços
recompostos da primeira linha faziam frente à rectaguarda e se mostravam
prontos a vender cara as vidas, determinaram retroceder, afim de tomar
campo para nova carga.
Deu-se esta efectivamente e o ímpeto levou
os esquadrões espanhóis ao mesmo ponto onde tinham chegado, mas o
intervalo que lhes fora necessário para reorganizar as fileiras, bastou
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nossos se ordenassem e por isso o inimigo retrocedeu pela segunda vez. A
carga foi ainda repetida, mas então já frouxa e inútil.
Enquanto isto se passava, no outro extremo
do campo de batalha, a infantaria castelhana avançava impetuosamente
contra a nossa esquerda, destroçando todos os terços e a batalha parecia
perdida nos dois flancos.
Da mesma forma que na direita, o Marquês de
Marialva suspendia o ímpeto da cavalaria inimiga, assim também na
esquerda o Conde de Schomberg, chamando a si todos os terços que achou à
mão, conseguia demorar a marcha dos contrários, não podendo porém
surpreender de todo, pelo que os espanhóis avançavam passo a passo, mas
incessantemente.
Durava o combate havia sete horas e se a
nossa resistência fora desesperada e heróica, a vitória parecia ainda
pender para o lado dos castelhanos; se estes conseguissem romper o nosso
flanco esquerdo, a batalha estava irremediavelmente perdida para os
portugueses.
Viu o Marquês de Marialva o perigo e,
desguarnecendo um pouco o flanco direito, correu ele mesmo à esquerda
com alguns terços e restabeleceu o combate. O inimigo, apesar dos seus
sucessos estava enfraquecido.
A sua cavalaria procurava retirar em boa
ordem, contra marchando para nos iludir, mas o general D. João da Silva,
com Simão de Vasconcelos e o general de cavalaria Dinis de Melo e
Castro, mandam os nossos esquadrões que tinham sido demasiadamente
lançados para a direita, carregarem então os espanhóis e ao nosso
primeiro ímpeto o inimigo desordenou-se e fugiu à rédea solta.
A infantaria contrária persistiu na luta,
mas logo que a sua cavalaria desapareceu no horizonte, o Marquês de
Marialva envolveu os infantes com todo o nosso exército, e eles,
vendo-se cortados, destroçaram.
Foi então um desbarato completo, os
prisioneiros caíram aos milhares nas mãos dos nossos e só quatro terços
conseguiram retirar-se em boa ordem para a serra da Vigaria, mas
rodeados por todas as nossas tropas, viram-se obrigados a depor as
armas.
O que tornou este desastre mais terrível
para os espanhóis foi a imprudência do oficial que comandava um corpo de
tropas que ficara em observação diante de Vila Viçosa ter intimado o
bravo governador da praça para se render. Mas este, que sabia da batalha
travada, fez uma sortida furiosa, destroçando os assaltantes e foi ainda
cortar a retirada ao exército derrotado em Montes Claros.
O destroço foi completíssimo, caíram nas
nossas mãos 6.000 prisioneiros, entre eles 8 generais e 176 oficiais.
Também toda a artilharia inimiga, 102 bandeiras e um número incrível de
cavalos e armas, mas a vitória custou-nos bastante cara, porque perdemos
3.000 homens entre mortos e feridos.
A batalha de Montes Claros, pode dizer-se que pôs termo à guerra,
porque, se esta se arrastou ainda por três anos até se ajustar
definitivamente a paz, nenhum outro acontecimento militar importante se
deu; e a guerra da Restauração pôde considerar-se finda com a
brilhantíssima vitória do Marquês de Marialva e dos portugueses. |