A
vila de Aveiro, elevada à categoria de cidade por carta régia de 25 de
Julho de 1759, era cabeça de bispado, como foi até 1882, sede vacante,
de correição e de provedoria. Tinha juiz de fora, que era presidente da
Câmara, pois que no regime antigo todas as câmaras municipais eram
presididas pelos respectivos juízes, ou estes fossem territoriais, isto
é, eleitos por um ano, dentre as pessoas que costumavam andar na
governança, e destes era o maior número, quer fossem juízes letrados,
nomeados pelo governo, chamados vulgarmente juízes de fora, porque não
podiam ser naturais do julgado em que serviam.
Limitadíssima era a área do concelho e
julgado na, para assim dizer, respectiva metrópole, pois que findava
pelo norte e poente na ria, ilhas e marinhas, que ainda hoje pertencem
às freguesias da cidade, excluindo a costa de S. Jacinto, que era
pertença da de Ovar, assim como todo o areal, além da barra, até ao
marco de Mira.
Pelo nascente terminava a cidade e
concelho ao Carmo, pois que já o convento de Sá, sobre cujas ruínas está
edificado o quartel militar e todo o lugar daquele nome, até pouco além
da capela do Senhor, das Barrocas, era uma ouvidoria pertencente ao
concelho de Ílhavo. Estendia-se o concelho de Aveiro para sudeste,
abrangendo os lugares da Presa, Quinta do Gato, Vilar, e S. Bernardo,
até ao marco onde começava o concelho de Eixo. Para o sul, findava na
Estrada Nova, um pouco além da Fonte dos Amores, confinando por aí, com
o microscópico concelho de Arada, formado apenas da povoação deste nome,
porque os lugares de Verdemilho, Bom Sucesso, e Quinta do Picado, embora
pertencentes à freguesia de S. Pedro das Aradas, faziam parte do
concelho de Ílhavo.
Mas, se a cidade não tinha, adjunto senão
o território das suas quatro freguesias, o mesmo que hoje pertence às
duas da Vera Cruz e Nossa Senhora da Glória, tinha, no entanto, catorze
ouvidorias, formadas por diversas povoações intercaladas nos diferentes
concelhos da respectiva comarca, constantes da relação que adiante se
juntará. Estas ouvidorias eram as que davam alguma importância ao
julgado, pois que nelas exercia jurisdição o juiz de fora da cidade, e
serviam os seis escrivães do cível e crime, além do que era privativo
dos órfãos.
O corregedor exercia jurisdição na
comarca, que era composta de trinta e oito concelhos, advertindo, porém,
que a vila de Mira, por ser pertencente à Casa das Rainhas, gozava do
privilégio de formar por si uma comarca, sendo, porém, o seu corregedor
o da comarca de Aveiro, por não poder, em razão da sua pequenez, manter
pessoal privativo. Eram duas correições e uma só provedoria, pois que o
provedor era-o também de Vila da Feira, tendo esta só corregedor
privativo.
À comarca de Aveiro pertencia o concelho
de Fermedo, situado no interior da comarca de Vila da Feira, e a esta, o
de Macieira de Alcoba, encravado na comarca de Aveiro. Também se achavam
encravados na comarca de Aveiro os concelhos de Eixo, Paus (pertencente
à freguesia de Alquerubim), Óis da Ribeira, e Vilarinho do Bairro,
concelhos reunidos para os efeitos da administração judicial, com um
juiz de fora para todos que pertenciam à comarca de Barcelos.
Além destes magistrados, havia o
superintendente das obras da Barra, o dos tabacos, e o da décima. Havia
também na cidade capitania-mor de ordenanças com quatro companhias
correspondentes às quatro freguesias da cidade, uma em S. João de Loure,
outra em Albergaria-a-Velha, outra em Lamas do Vouga, havendo mais a
anomalia de pertencer à companhia de S. Miguel de Aveiro o lugar da
Taipa, freguesia de Requeixo. Ainda falta declarar, o que adiante se
juntará, a relação de todos os concelhos que formavam as duas comarcas
de Aveiro e Feira, com o nome das respectivas povoações, assim como os
nomes das ouvidorias pertencentes ao julgado e concelho de Aveiro.
Igualmente ainda falta juntar mapas elucidativos desta divisão
territorial que vigorou até 1835. E, pois que temos falado, e
continuamente teremos ainda de falar em comarcas, concelhos e julgados,
com referência aos tempos anteriores a 1834, para esclarecimento de quem
ignorar a diferença que existe entre as antigas e as actuais
circunscrições territoriais com o nome de comarcas, achamos conveniente
dizer o seguinte:
Pelo antigo regime, estava o reino
dividido em comarcas, que se compunham de diversos concelhos, julgados e
ouvidorias. Cada comarca tinha ordinariamente um corregedor e um
provedor, magistrados, cada um com diversas atribuições judiciais e
administrativas; eram superiores aos juízes dos respectivos concelhos ou
julgados.
Os concelhos tinham regularmente um juiz
ou letrado, denominado juiz de fora, ou leigo, e em alguns destes, dois
juízes leigos que se alternavam no serviço. As varas eram brancas para
os juízes letrados, e vermelhas para os leigos, que eram chamados juízes
ordinários.
Os juízes presidiam às Câmaras
municipais. Havia concelhos reunidos, formando um só julgado, isto é,
tendo um só juiz de fora para todos eles. Havia concelhos pertencentes a
uma comarca, com a qual não confinavam, achando-se intercalados em
comarcas diferentes, e assim, havia também povoações destacadas dos
concelhos a que obedeciam, intercalados em outros: eram as ouvidorias ou
vintenas, com um juiz pedane, de limitadíssima jurisdição. No distrito
actual de Aveiro havia, pois, duas comarcas, a de Aveiro (outrora de
Esgueira), e a da Feira, cada uma com seu corregedor, mas com um só
provedor, o de Aveiro, como dito fica. Eram duas correições e uma só
provedoria.
Os juízes julgavam no cível e crime e
órfãos; no que tocava ao cível e crime, eram subordinados ao corregedor;
quanto a órfãos, ao provedor. Todas estas autoridades tinham atribuições
judiciais, administrativas, e de fazenda, mas no regímen constitucional
foram estas atribuições separadas, ficando aos juízes de direito os
negócios cíveis, de crime e orfanológicos; e os administrativos aos
governadores civis, administradores de concelho, e regedores de
paróquia, os quais ficaram substituindo desde 1835 os prefeitos,
subprefeitos, e provedores, que administravam províncias em lugar de
distritos, províncias que estavam divididas, ou retalhadas, em
subprefeituras e estas em concelhos. Em alguns concelhos havia
antigamente juiz privativo dos órfãos.
Diz-se acima que o concelho de Aveiro confinava com o de
Eixo, onde agora confina com a freguesia da Oliveirinha, e realmente
assim era, porque esta freguesia foi criada posteriormente a... de…….
(2).
Como naquele tempo todas as terras tinham senhorios, fidalgos,
conventos, bispos, cabidos, etc. A razão destas intercalações provinha
de se juntarem em uma só jurisdição territórios que, embora separados da
terra principal, pertenciam ao mesmo senhorio, sem se atender ao
bem-estar dos povos. |